A teoria da função selecionada tem sido central para as discussões filosóficas sobre o propósito biológico de diferentes traços e órgãos. No entanto, como observam García-Valdecasas e Deacon (2024), um desafio mais profundo reside nas objeções que surgem a partir de três tipos de críticas comuns. O que a teoria da função selecionada explica é o efeito de um traço biológico produzido no passado (história), enquanto os efeitos que ele produz são presentes. É difícil negar que o coração do "homem pântano" tem a função de bombear sangue, pois ele contribui para a circulação sanguínea, assim como o coração de Davidson. As perguntas sobre a função dos olhos dos peixes das cavernas, que perderam a capacidade de enxergar, e do apêndice humano, que perdeu a função digestiva original, destacam uma consideração crucial: o que importa, em última análise, é o efeito que o traço ainda gera no presente, e não o efeito que ele gerava no passado.

Quando analisamos a função de um traço, não estamos preocupados com o efeito que ele produziu historicamente, mas sim com o efeito que ele produz atualmente. A teoria da função selecionada, portanto, oferece uma explicação parcial, mas não completa, do funcionamento biológico. A distinção feita por Millikan (1984) entre a função "adequada" de um traço e os efeitos que ele efetivamente desempenha sob diferentes condições é fundamental. A função adequada é aquela que se espera que seja desempenhada nas "condições normais", ou seja, nas condições sob as quais um traço historicamente funcionou para a sobrevivência e reprodução do organismo.

O conceito de "condições normais" pode parecer simples, mas ele esconde uma complexidade significativa. Não se trata de condições médias ou estatísticas, mas sim das condições predominantes sob as quais a função de um traço foi desempenhada ao longo do tempo. Por exemplo, a função adequada do esperma é fertilizar um óvulo, embora nem todos os espermatozoides cumpram essa função. Esta é uma explicação teleológica implícita: estamos, de fato, assumindo que a função do esperma é determinada pelo seu papel evolutivo na reprodução, independentemente de quantos espermatozoides realmente atingem o óvulo.

No entanto, a função adequada não se resume à mecânica do processo. A função é uma disposição, um conceito metafísico que pode ser difícil de entender, e algumas críticas filosóficas apontam que, sem um contexto não disposicional, as disposições não explicam nada. Millikan argumenta que a função adequada deve ser vista em termos das disposições que os traços têm para funcionar em determinadas condições, e essas disposições são estáveis, embora abertas à evolução.

Por outro lado, a teoria da análise funcional de Cummins (1975) oferece uma abordagem alternativa, explicando a função de um traço em termos da sua contribuição para um sistema maior. Por exemplo, o coração tem a função de bombear sangue, contribuindo para a circulação e fornecimento de oxigênio e nutrientes aos tecidos do organismo. Embora essa definição seja amplamente compatível com uma visão mecanicista, ela pressupõe uma noção teleológica: por que os observadores determinam que a contribuição do coração é para a circulação de oxigênio e nutrientes, e não de hemócitos ou fluidos corporais? Essa questão traz à tona novamente a teleologia, uma característica difícil de evitar quando discutimos funções biológicas.

Uma explicação alternativa para o aspecto normativo da representação é a interpretação, além da teoria da função selecionada. No entanto, a interpretação é, por sua natureza, teleológica e idiossincrática, o que a torna uma explicação instável e pouco confiável. Para uma compreensão mais estável, seria necessário adotar uma abordagem semiótica naturalizada, que pudesse explicar a normatividade da representação sem cair na arbitrariedade da interpretação.

Peirce, na sua semiótica, oferece uma maneira de pensar sobre a representação de forma não-reduzida. Em seu modelo triádico, o signo é algo que representa algo para alguém, criando um "interpretante" na mente do intérprete. A representação, portanto, não é uma relação simples entre um significante e um significado, mas um processo mais complexo que envolve a interpretação ativa de um objeto por um sujeito. Este modelo tem se expandido para a biosemiótica, que entende a informação e a intencionalidade em um contexto biológico, reconhecendo que os organismos interpretam sinais do ambiente para coordenar suas respostas adaptativas.

A proposta de uma semiótica naturalizada, como a que Deacon sugere, integra a interpretação de sinais de forma mais estável, resolvendo as dificuldades da abordagem teleológica. Para que um modelo de função biológica seja verdadeiramente explicativo, ele precisa considerar tanto a estabilidade do sinal como sua evolução. Assim, a função biológica não é um conceito estático; ela está em constante adaptação, refletindo a história evolutiva do organismo e as condições em que seus traços e funções se desenvolveram.

O entendimento das funções biológicas, portanto, exige uma visão mais holística, que considere tanto os efeitos presentes de um traço quanto sua história evolutiva e o papel que desempenha em um sistema maior. Além disso, a evolução de funções e a interpretação de sinais biológicos não podem ser compreendidas sem levar em conta a complexidade das condições normais e das disposições evolutivas, que moldam continuamente a função de cada traço.

Como os sinais representam o mundo: a classificação dos signos e suas relações com o objeto

Os sinais não possuem uma natureza intrínseca; eles são interpretados de acordo com as respostas que geram, dependendo das intenções de um agente, seja por evolução, aprendizado ou propósito humano. Um sinal é, essencialmente, uma entidade projetada para ser interpretada de uma maneira específica, e sua interpretação depende das intenções que moldaram sua estrutura, seja essa estrutura de origem evolutiva ou humana. Em outras palavras, o que torna algo um sinal é o processo interpretativo.

Ao explorarmos a tipologia dos signos, é fundamental distinguir entre os "caracteres apresentativos" e "caracteres representativos" dos sinais. O caráter apresentativo de um sinal é o traço fundamental que permite sua função como signo, ou seja, é o elemento que fundamenta a capacidade do sinal de representar algo. Liszka explica que o caráter apresentativo de um sinal é a base sobre a qual se constrói seu caráter representativo.

Segundo esta classificação, Peirce define três tipos principais de signos, que são divididos com base nas suas relações de representação com os objetos aos quais se referem: ícones, índices e símbolos. Quando um sinal é um ícone, seu caráter apresentativo é semelhante ao do objeto representado. Um retrato é um ícone porque as características da imagem são compartilhadas com a pessoa representada. Da mesma forma, um mapa turístico é um ícone de uma atração porque as relações espaciais no mapa se assemelham às do próprio local.

Por outro lado, um sinal torna-se um índice quando o caráter apresentativo do sinal é contíguo ao objeto que ele representa. O fumo é um índice do fogo, por exemplo, porque ele é causado pelo fogo e existe ao lado dele no espaço. Um anemômetro, que mede a direção do vento, é um índice do vento, pois sua direção varia de acordo com o movimento do ar. Esses sinais são mais diretamente conectados ao objeto, sendo a relação entre eles uma questão de proximidade espacial ou causal.

Finalmente, um símbolo é um sinal cujo vínculo com seu objeto é convencional. O vínculo entre um símbolo e o objeto que representa não se baseia em nenhuma propriedade intrínseca do objeto, mas sim em uma convenção social ou cultural. As palavras são um exemplo clássico de símbolos, mas símbolos também estão presentes em sinais religiosos, como a cruz cristã, ou em logotipos de empresas. A palavra "cachorro", por exemplo, é um símbolo que representa um animal, mas seu vínculo com o animal em questão é arbitrário, dependendo exclusivamente do acordo linguístico de uma comunidade.

Peirce, então, classifica os signos de forma mais detalhada, criando seis tipos diferentes, com base tanto nos caracteres apresentativos quanto nos representativos: qualisignos icônicos, sinnsignos icônicos, legisignos icônicos, sinnsignos indiciais, legisignos indiciais e legisignos simbólicos. Essa classificação é importante, pois ela nos ajuda a entender como diferentes tipos de signos interagem com seus objetos, de acordo com a natureza do próprio sinal.

Os qualisignos não podem ser índices, pois o caráter representativo de um índice envolve relações espaciais, temporais ou causais, enquanto os qualisignos são baseados em qualidades. Além disso, um qualisigno também não pode ser um símbolo, uma vez que seu caráter apresentativo não é convencional. Por outro lado, um sinnsigno, que se baseia em uma instância particular no tempo e no espaço, não pode ser um símbolo, já que seu caráter apresentativo não é convencional. Isso nos leva à compreensão de que, na filosofia da linguagem, muitas vezes não se dá a devida atenção à distinção entre caracteres apresentativos e representativos, o que resulta em confusão entre os diferentes tipos de sinais.

Um exemplo interessante para ilustrar isso é o "dança de tremor" das abelhas, que é um sinal indicativo sinnsign. A duração e a direção do movimento de sua dança são os caracteres apresentativos que estão diretamente relacionados à localização do néctar. Esse sinal é específico a um tempo e um lugar, e a interpretação que outras abelhas fazem da dança como um índice do néctar é possível porque há uma relação contígua entre a dança e a localização do alimento.

Outro exemplo de como diferentes tipos de sinais podem ser combinados é o caso de um mapa. Ele é um legisigno, pois seus elementos gráficos são convencionais; eles não dependem das propriedades físicas específicas do papel, mas sim de convenções estabelecidas. No entanto, um mapa também é um ícone, pois compartilha com o território representado uma relação estrutural similar. Portanto, ao combinar diferentes tipos de sinais, entendemos que os sinais não se reduzem a um único tipo, e isso nos ajuda a refletir sobre as várias formas pelas quais os signos operam no mundo físico.

Esses exemplos demonstram que não podemos tratar sinais animais, como a dança das abelhas, e a linguagem humana como sendo do mesmo tipo. As funções fundamentais da comunicação animal não são as mesmas da linguagem humana, pois a linguagem não compartilha com os sinais animais um padrão abstrato comum. Contudo, isso não significa que os diferentes tipos de referência sejam independentes uns dos outros. A interpretação simbólica depende da interpretação indicativa, e, por sua vez, a interpretação indicativa é constituída pela interpretação icônica. O exemplo da dança das abelhas ilustra bem essa dependência hierárquica entre os tipos de signos, pois o sinal de néctar, interpretado pelas abelhas, se baseia na relação isomórfica entre a direção e a duração da dança e a localização do alimento.

Como a Informação e a Evolução do Significado Influenciam a Biologia

A noção de "informação" tem sido amplamente discutida dentro de várias disciplinas, desde a filosofia até as ciências biológicas, com abordagens que abrangem tanto o lado semântico quanto o técnico. Em contextos biológicos, a ideia de informação se entrelaça com a própria natureza da vida e sua evolução. Isso implica que a informação não é apenas um conceito abstrato, mas algo que se manifesta fisicamente, regulando processos biológicos essenciais e complexos.

Na biologia, o conceito de informação se conecta ao entendimento de como os organismos vivem, evoluem e se comunicam. A semiótica biológica, como descrita por Marcello Barbieri, oferece uma lente através da qual podemos compreender as mensagens codificadas dentro dos sistemas vivos. Cada célula, cada molécula, é uma unidade que transmite informações cruciais para a manutenção e adaptação do organismo. O DNA, por exemplo, carrega uma imensa quantidade de informações que não só determinam a estrutura de um organismo, mas também como ele interage com o ambiente.

Porém, o conceito de "informação" na biologia vai além da simples codificação genética. A semiótica, um campo que estuda os signos e os significados, é fundamental para entender os processos biológicos. No entanto, um problema central que surge é como o significado da informação biológica é interpretado e transmitido ao longo das gerações. O filósofo e semiótico Terrence Deacon, em suas obras, argumenta que a informação biológica não é apenas estática, mas um fenômeno dinâmico, em constante transformação. Ele sugere que o processo de vida em si é um processo de codificação e decodificação de informações, onde a evolução é moldada pela maneira como os organismos “entendem” e respondem aos sinais do ambiente.

Dessa forma, a informação na biologia não pode ser compreendida isoladamente, como algo puramente simbólico ou abstrato. Ela é funcional e se entrelaça com as estruturas físicas e as interações dos sistemas biológicos. A teoria de sistemas dinâmicos hierárquicos, proposta por Barrett e outros, nos ajuda a entender como diferentes níveis de organização biológica interagem, desde as células até os organismos complexos, e como a informação é distribuída e processada em cada nível. A comunicação entre as partes de um organismo, assim como entre diferentes organismos, não se limita ao simples envio e recebimento de sinais; ela envolve também a interpretação e a adaptação desses sinais ao longo do tempo.

Essa visão da informação em biologia sugere que a vida é, em parte, um processo contínuo de organização e reorganização da informação. Assim, a biologia não pode ser explicada apenas por seus componentes materiais, mas também pela forma como esses componentes interagem de maneira informacional, ou seja, como a informação regula os processos biológicos. Isso é particularmente evidente em processos como a evolução, onde a seleção natural age sobre as variações informacionais dentro dos sistemas biológicos.

Além disso, é essencial entender que a ideia de "informação" em biologia não é exclusivamente técnica ou matemática, como é frequentemente abordada na teoria da informação de Shannon. Embora a abordagem de Shannon seja crucial para entender como a informação é transmitida e codificada em sistemas, ela não explica como essa informação adquire significado ou como é utilizada no contexto biológico. Isso exige uma compreensão mais profunda, que leva em consideração as relações semânticas entre os sinais e os organismos. A biologia, portanto, nos obriga a expandir nossa compreensão de informação para incluir não apenas a transmissão de dados, mas também o significado e a função desses dados no contexto de sistemas vivos.

A evolução da linguagem, por exemplo, ilustra perfeitamente como a informação pode evoluir para se tornar mais complexa e sofisticada. Jeffrey Barrett, em seus estudos sobre a evolução da linguagem, argumenta que a linguagem humana e outras formas de comunicação não são apenas ferramentas para a troca de informações, mas também um reflexo da maneira como os seres humanos constroem significado. A informação, portanto, não se limita à transmissão de sinais simples, mas envolve uma complexa rede de interações simbólicas que determinam como os organismos, particularmente os humanos, percebem e respondem ao mundo ao seu redor.

Ao olhar para a informação biológica de forma holística, podemos começar a entender como a semântica, a evolução e a física estão interligadas na constituição da vida. A biologia relacional, como apresentada por Rosen, sugere que a vida é um processo contínuo de interação e transformação de informações, onde o organismo não é apenas um conjunto de partes, mas uma rede de relações que mantém e evolui sua integridade funcional ao longo do tempo.

Por fim, é fundamental reconhecer que a evolução da vida não é apenas uma questão de adaptação física ou genética. Ela é também um processo de adaptação informacional, onde as formas de codificação e interpretação de sinais são refinadas ao longo das gerações. Compreender a evolução da informação biológica é, portanto, essencial para entender a própria essência da vida e os mecanismos que a sustentam.