Nos anos 90, a Itália enfrentava uma série de dificuldades econômicas, e seus cinco principais partidos de orientação esquerdista estavam sendo investigados por corrupção. Neste cenário de crise, Silvio Berlusconi, um empresário de mídia que se destacava pelo estilo agressivo e uma personalidade excessivamente autossuficiente, surgiu como uma figura política fora do sistema. Apresentou-se como o salvador da pátria, alguém capaz de restaurar a glória da Itália, livrando-a de um governo decadente que ele mesmo ajudaria a derrubar. Ele prometia um futuro brilhante, com riqueza para todos, mais empregos e a resolução da crise da dívida. Contudo, suas promessas eram apenas ilusões vazias, e as suas palavras foram mais eficazes do que qualquer ação concreta.
Berlusconi construiu uma narrativa poderosa, um conto de fantasias em que ele era o herói, e os cinco partidos governantes, que representavam desde os ex-comunistas até liberais pró-ocidentais, eram os vilões. Esses vilões, segundo ele, estavam retirando privilégios dos italianos e aumentando os impostos, enquanto ele seria a única pessoa capaz de restaurar a grandeza do país. Ao longo da sua campanha, ele usou massivas propagandas em suas próprias redes de televisão, um recurso que lhe proporcionava enorme visibilidade, além de controlar quase toda a mídia italiana. Essa estratégia foi uma das principais chaves para seu sucesso, uma vez que ele conseguiu moldar a percepção pública ao seu favor e ganhar a confiança da população, apesar de jamais ter cumprido suas promessas.
Além disso, sua trajetória é marcada por um constante uso do espetáculo midiático e da construção de um ego sobredimensionado. A frase "Eu sou o Jesus Cristo da política", dita por Berlusconi em um anúncio, resume bem sua abordagem populista e narcisista. Seu controle sobre as redes de comunicação não se limitou ao uso de seus canais privados, como o Mediaset, mas também ao exercício de pressões sobre a Radiotelevisione Italiana (Rai), a emissora pública nacional. Esse controle da mídia permitiu-lhe criar um ambiente onde a crítica à sua figura era silenciada ou minimizada, e a oposição era atacada de maneira constante.
Embora tenha sido condenado em 2013 por fraude fiscal e tenha cumprido sua pena de forma atenuada, com serviços comunitários, Berlusconi continuou a exercer enorme influência sobre a política italiana. Sua capacidade de manipular a narrativa política, aliado ao apoio de um grande número de italianos, foi fundamental para sua continuidade na arena política. Sua história também é marcada por escândalos envolvendo prostituição, incluindo casos de envolvimento com menores de idade, mas a disposição do público italiano em perdoar suas falhas e escândalos demonstra a força da fantasia que ele havia criado em torno de si.
A relação entre Berlusconi e o sistema midiático italiano, dominado por seus interesses, não é algo único, mas sim um reflexo das dinâmicas de poder que surgem quando líderes com tendências narcisistas conseguem moldar a percepção pública. A Itália, após o governo Berlusconi, viu o surgimento de uma política marcada por uma onda de populismo e uma crescente desconfiança nas elites estabelecidas. Mesmo após sua saída do poder, sua influência foi sentida nas eleições subsequentes, contribuindo para a ascensão de movimentos anti-establishment que, embora muitas vezes mais radicais, não conseguiram oferecer soluções realistas para os problemas estruturais do país.
Berlusconi exemplifica o tipo de líder carismático e manipular que utiliza a crise como uma ferramenta para se manter no poder, transformando falácias em verdades amplamente aceitas. Sua personalidade narcisista não se limitava ao desejo de fama ou status, mas se estendia a uma busca incessante por controle absoluto. A incapacidade de cumprir suas promessas e a sucessão de escândalos não impediram que ele fosse lembrado como uma figura central da política italiana. Esse fenômeno revela uma dinâmica perigosa em que a fantasia política é construída com base em promessas impossíveis, manipulação das massas e uma imagem de grandeza pessoal, todas alimentadas pelo controle sobre a informação e os meios de comunicação.
A história de Berlusconi não é um caso isolado; figuras políticas com características semelhantes, como Donald Trump, compartilham aspectos marcantes de personalidade e abordagem estratégica. A utilização de crises e a criação de inimigos externos e internos como vilões são táticas comuns em líderes que almejam um poder absoluto, muitas vezes ignorando ou distorcendo a realidade para manter a lealdade de seus seguidores. A manipulação midiática é um elemento fundamental nessas dinâmicas, já que a narrativa imposta por esses líderes pode ser mais forte do que qualquer evidência contrária.
Importante observar que o controle midiático e a criação de uma realidade paralela não são prerrogativas apenas de líderes de direita. A história política mundial também registra figuras de esquerda que utilizaram estratégias semelhantes, embora em contextos distintos. Jim Jones, o líder da Peoples Temple, é um exemplo notório de como o narcisismo e a manipulação podem levar a tragédias de grande escala, independentemente da ideologia professada. O culto à personalidade, a criação de uma narrativa de salvação e a imposição de uma visão distorcida da realidade são características comuns entre esses líderes, que muitas vezes avançam com objetivos que beiram o autoritarismo, não importando os meios para alcançar seus fins.
Como Líderes Populistas Utilizam o Poder para Reestruturar a Política e a Sociedade
A ascensão de líderes populistas ao redor do mundo, com destaque para figuras como Viktor Orbán, Rodrigo Duterte, Nicolás Maduro e Silvio Berlusconi, oferece uma oportunidade única de observar como a manipulação política pode ser utilizada para alterar a estrutura de um país. Estes líderes, em suas respectivas nações, demonstraram uma habilidade ímpar de consolidar o poder de forma autocrática, muitas vezes utilizando o apoio popular como uma ferramenta para justificar ações que, sob uma ótica democrática, poderiam ser vistas como transgressões ao Estado de Direito.
Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria, é um exemplo clássico de como um governo populista pode usar eleições para legitimar mudanças significativas na Constituição e na estrutura do poder. Em 2018, Orbán obteve uma vitória esmagadora nas eleições, consolidando sua posição e alterando profundamente o sistema político do país. O controle que ele exerce sobre as instituições do Estado, como o judiciário e a mídia, é um reflexo direto da maneira como líderes populistas buscam enfraquecer as barreiras que protegem a democracia, manipulando o sistema a seu favor. Orbán, assim como outros líderes populistas, é mestre na arte de apresentar uma narrativa de "salvador da pátria", que atrai as massas, ao mesmo tempo em que transforma a política em uma questão de poder pessoal e partidário.
Rodrigo Duterte, presidente das Filipinas, segue uma estratégia semelhante, embora com métodos mais agressivos e de alto impacto. Sua política de "guerra às drogas" não apenas tem sido criticada por violar os direitos humanos, mas também demonstrou como líderes populistas podem manipular o medo da população para justificar a adoção de medidas autoritárias. A retórica de Duterte tem sido construída sobre a ideia de que ele está "limpando" a sociedade de elementos nocivos, o que, em última instância, lhe dá maior controle sobre as ações do governo e cria uma base de apoio fervorosa entre seus seguidores. A associação direta entre o governo e as ações de repressão se torna uma ferramenta de coesão social, ainda que à custa de liberdades fundamentais.
Da mesma forma, Nicolás Maduro na Venezuela exemplifica a transformação de uma crise política e econômica em uma oportunidade para ampliar o poder pessoal e fortalecer um regime autoritário. Sua permanência no poder, apesar do colapso econômico e das crescentes tensões internas, se deve à sua capacidade de manipular a narrativa da "revolução" e ao controle sobre as forças armadas e as instituições chave do governo. Maduro representa um caso onde a manipulação da constituição, das eleições e das instituições republicanas é usada para consolidar uma presidência de caráter vitalício, em nome de um suposto bem maior.
No caso de Silvio Berlusconi, na Itália, vemos uma combinação de poder midiático e político. Berlusconi usou seu império de mídia para influenciar o discurso público, ao mesmo tempo em que avançava reformas que favoreciam seus próprios interesses e os de seu partido. Sua longa permanência na política italiana foi marcada por uma habilidade única de manipular tanto a opinião pública quanto as instituições jurídicas e políticas do país, criando uma mistura de populismo, corrupção e autoritarismo.
Esses exemplos têm em comum o uso de um aparato populista para deslegitimar as instituições democráticas tradicionais, criando uma política de dependência do líder que se torna um símbolo da pátria ou da nação. A narrativa de um "inimigo externo" ou de um "mal interno" que só pode ser derrotado através do poder centralizado é uma característica recorrente entre esses líderes. Eles utilizam o medo, a insatisfação e o desencanto com as elites tradicionais para galvanizar o apoio popular, enquanto, ao mesmo tempo, enfraquecem os sistemas de controle sobre o próprio poder.
Esses processos não ocorrem de forma isolada. As reformas constitucionais, o controle sobre a mídia e a manipulação do sistema judicial são todos passos críticos para garantir a manutenção do poder. Quando líderes populistas assumem o controle de um país, eles geralmente operam em uma lógica de "faça o que eu digo, ou o país vai afundar". Isso cria uma situação onde os opositores do regime são marginalizados ou mesmo perseguidos, enquanto a narrativa de um governo forte e necessário se torna uma justificativa para ações autoritárias.
É essencial que os cidadãos, dentro de qualquer democracia, estejam conscientes dos sinais que indicam que um regime populista pode estar desviando do caminho da governança democrática. A centralização do poder, o enfraquecimento das instituições e a perseguição à oposição são sempre sinais claros de que a democracia está sendo corroída. Em momentos de crise, como uma recessão econômica ou uma ameaça externa, os líderes populistas podem se tornar mais poderosos ao apresentar uma solução rápida, mas que, a longo prazo, prejudica as liberdades individuais e os princípios fundamentais de uma sociedade livre.
Os líderes populistas não são apenas figuras carismáticas; eles são também mestres na manipulação das narrativas. A verdadeira ameaça do populismo reside no fato de que ele explora o desespero das pessoas e a necessidade de mudanças rápidas, oferecendo respostas simples e soluções rápidas, mas a um custo muito alto. A democracia é um sistema frágil, e a resistência a esses líderes populistas exige uma vigilância constante, uma compreensão profunda das implicações de suas políticas e um compromisso com as instituições que garantem o Estado de Direito.

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