A atresia tricúspide representa uma das cardiopatias congênitas cianóticas mais desafiadoras, com ausência de comunicação entre o átrio direito e o ventrículo direito hipoplásico. O manejo anestésico durante as cirurgias paliativas em estágios, como o procedimento de Glenn e posteriormente o de Fontan, exige uma compreensão minuciosa da hemodinâmica individual de cada paciente, bem como um controle preciso da ventilação e da resistência vascular pulmonar.

Antes da cirurgia, é essencial classificar anatomicamente a condição da criança com foco na avaliação do fluxo sanguíneo pulmonar — se está reduzido, aumentado ou balanceado — e da função cardíaca. A relação entre o débito cardíaco pulmonar (Qp) e o sistêmico (Qs), ou seja, a razão Qp:Qs, determina o grau de cianose. Uma razão Qp:Qs inferior a 1, observada em casos com estenose ou atresia da via de saída da artéria pulmonar ou comunicação interventricular restritiva, resulta em cianose acentuada. Por outro lado, crianças com fluxo pulmonar aumentado podem apresentar sinais de insuficiência cardíaca congestiva ainda no período pré-operatório.

Na prática clínica, a medição direta da razão Qp:Qs é complexa. Utiliza-se, portanto, a saturação de oxigênio arterial (SaO2) como indicador indireto do equilíbrio entre as circulações sistêmica e pulmonar. Saturações entre 75% e 80% indicam um equilíbrio circulatório adequado. No caso apresentado, a saturação pré-operatória de 77% pode refletir um equilíbrio favorecido por uma obstrução leve no trato de saída do ventrículo direito.

No intraoperatório, o manejo anestésico deve priorizar a manutenção do equilíbrio entre a resistência vascular pulmonar (RVP) e a resistência vascular sistêmica (RVS), buscando preservar a oxigenação sistêmica e a pressão de perfusão. Manter a PaO₂ entre 40 e 45 mmHg e a SaO₂ entre 70% e 80% é geralmente suficiente para alcançar uma oxigenação sistêmica apropriada. A manipulação excessiva da RVP, especialmente sua redução abrupta, pode provocar roubo sistêmico, aumento do shunt esquerda-direita e até edema pulmonar, principalmente em pacientes com derivações sistêmico-pulmonares prévias. A queda expressiva da pressão diastólica nesses pacientes compromete a perfusão coronariana e pode desencadear arritmias e instabilidade hemodinâmica.

O controle da ventilação mecânica é outro aspecto crítico. A ventilação com pressão positiva pode aumentar a pressão intratorácica, reduzindo o retorno venoso e elevando a resistência vascular pulmonar — um efeito indesejado na circulação de Glenn, onde o fluxo pulmonar é passivo e impulsionado pela pressão venosa central. Para mitigar esse impacto, ajusta-se a ventilação com tempos expiratórios prolongados, redução da pressão inspiratória de pico e uso cuidadoso do PEEP, pois sua elevação excessiva reduz ainda mais o retorno venoso pulmonar.

Na fase pós-estabelecimento da circulação de Glenn, é indicado reduzir levemente a resistência vascular pulmonar para favorecer o aumento do fluxo pulmonar. Isso pode ser feito por meio do aumento da fração inspirada de oxigênio (FiO₂), redução da pressão de pico inspiratória e administração de vasodilatadores pulmonares como óxido nítrico ou prostaciclina, quando o fluxo pulmonar for inadequado. Ainda assim, a ventilação excessiva com consequente hipocapnia pode comprometer o fluxo sanguíneo cerebral e o retorno da veia cava superior, afetando a circulação pulmonar. Portanto, é preferível manter níveis normais de dióxido de carbono ou até aceitar uma leve hipercapnia. A ventilação controlada por volume com garantia de pressão (PCV-VG) pode ser utilizada com volumes correntes de 6 a 7 mL/kg, pressões de pico de 16 cmH₂O e frequências respiratórias entre 15 e 20 incursões por minuto, ajustadas conforme a gasometria arterial para manter uma PaCO₂ entre 40 e 45 mmHg.

O sucesso do procedimento de Glenn, como parte do tratamento paliativo em etapas para cardiopatias congênitas complexas, depende de um equilíbrio hemodinâmico delicado, de uma função ventricular preservada e de um manejo anestésico ajustado à fisiologia específica desses pacientes. O desenvolvimento anatômico e funcional adequado do sistema cardiovascular é um pré-requisito fundamental para a viabilidade do procedimento.

É importante considerar que muitos desses pacientes já passaram por hospitalizações prolongadas e intervenções cirúrgicas anteriores. As alterações crônicas na fisiologia circulatória, a hipertrofia ventricular e as adaptações pulmonares devem ser cuidadosamente avaliadas na abordagem anestésica. A função ventricular remanescente, especialmente do ventrículo esquerdo que assume toda a carga circulatória, deve ser mantida com pressão de perfusão adequada e controle rigoroso do volume intravascular.

A hemodiluição durante a circulação extracorpórea, a hipotermia e a manipulação cirúrgica podem comprometer ainda mais a função cardíaca nesses pacientes, exigindo vigilância contínua, suporte inotrópico quando necessário e ajustes finos no manejo ventilatório e hemodinâmico.

Gestão Anestésica Durante os Spells de Tetralogia de Fallot em Crianças Submetidas à Cirurgia Correctiva

A Tetralogia de Fallot (TOF) é uma das cardiopatias congênitas cianóticas mais comuns e é frequentemente acompanhada por episódios conhecidos como "Tet spells". Esses episódios, que são episódios agudos de hipoxemia e cianose, representam uma das complicações mais graves que podem ocorrer em crianças com TOF, especialmente durante o período perioperatório. A gestão anestésica para esses episódios exige um equilíbrio delicado entre o controle da perfusão pulmonar, o suporte à função cardíaca e a manutenção da estabilidade hemodinâmica.

Conforme a idade da criança aumenta, a indução e a manutenção de circulações colaterais tornam-se mais pronunciadas, o que pode reduzir a frequência e a gravidade dos spells. No entanto, em crianças com estenose grave do trato de saída do ventrículo direito (RVOT) e obstrução fixa, a ocorrência de spells continua a ser um desafio significativo. Além disso, a correção cirúrgica da TOF pode induzir espasmos no RVOT, agravando o quadro clínico. A gestão desses episódios envolve várias abordagens, tanto farmacológicas quanto cirúrgicas, visando aumentar a perfusão pulmonar e reduzir a shunt direita-esquerda.

A primeira linha de tratamento para um spell de Tet durante a cirurgia envolve a administração de oxigênio puro e ventilação moderada com hiperventilação, o que pode aumentar a oxigenação sistêmica e reduzir a resistência vascular pulmonar (PVR). A hiperventilação pode melhorar parcialmente o fluxo sanguíneo pulmonar, mas deve-se ter cuidado com o aumento da pressão nas vias aéreas, o que pode prejudicar a ejeção do ventrículo direito e diminuir o fluxo sanguíneo pulmonar. Portanto, a ventilação deve ser monitorada de perto para evitar que uma perfusão inadequada de pulmão reduza a saturação de oxigênio e agrave o quadro de hipoxia.

Em termos de tratamento farmacológico, medicamentos como fenilefrina, morfina e bicarbonato de sódio podem ser administrados para tratar os episódios de Tet spells. A fenilefrina, em particular, pode ser eficaz na redução do shunt direita-esquerda e na melhora do fluxo sanguíneo pulmonar ao aumentar a pressão arterial sistêmica. No entanto, o uso de propranolol ou esmolol pode ser útil para aliviar os espasmos infundibulares, reduzindo a contratilidade miocárdica e, consequentemente, aliviando a obstrução do RVOT. O uso de bicarbonato de sódio pode ser indicado em casos de acidose metabólica grave, pois além de corrigir a acidez sanguínea, pode ajudar a estabilizar a pressão arterial e o débito cardíaco a curto prazo.

Para episódios refratários de Tet spells, a realização de uma circulação extracorpórea (CEC) ou o uso de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) pode ser necessário para salvar a vida da criança. Esses procedimentos permitem corrigir a hipoxemia rapidamente, embora devam ser realizados com extrema precaução, pois a manipulação do sistema cardiovascular pode, em si, desencadear novos episódios de Tet spells. Em certos casos, a compressão manual da aorta durante a cirurgia pode ser usada para aumentar a resistência vascular sistêmica (SVR) e melhorar o fluxo sanguíneo pulmonar, oferecendo um alívio temporário.

Além dos tratamentos farmacológicos e mecânicos, a reposição de volume sanguíneo também desempenha um papel crucial na gestão dos spells. A administração de fluidos intravenosos (10–30 mL/kg) pode ajudar a aumentar o pré-carga ventricular e a dilatar o RVOT, facilitando a perfusão pulmonar e mantendo a pressão arterial dentro de limites aceitáveis.

Em termos operacionais, a manipulação do pulmão ou das artérias pulmonares pode desencadear episódios de Tet spells. Portanto, os cirurgiões devem ser extremamente cuidadosos durante a cirurgia para evitar manobras que possam agravar a obstrução no RVOT. A monitorização rigorosa das condições hemodinâmicas e a utilização de um anestésico com impacto hemodinâmico mínimo, como etomidato ou sufentanil, são essenciais para a estabilização do paciente durante o procedimento.

Em relação ao manejo pós-cirúrgico, o uso de inotrópicos positivos pode ser necessário para apoiar a função do ventrículo direito, além de estratégias ventilatórias para reduzir a PVR. A gestão de arritmias, distúrbios do ambiente interno e disfunção de coagulação também são essenciais para garantir a recuperação sem complicações.

Em resumo, o manejo anestésico dos Tet spells durante a cirurgia corretiva de Tetralogia de Fallot exige uma abordagem multifacetada, com uma ênfase em garantir um equilíbrio delicado entre a oxigenação, a perfusão pulmonar e a estabilidade hemodinâmica. Cada intervenção, seja farmacológica, mecânica ou cirúrgica, deve ser cuidadosamente planejada e monitorada para minimizar os riscos de complicações graves e garantir a sobrevivência do paciente.