A variação linguística, frequentemente discutida em termos de geografia e identidade social, revela mais do que simples diferenças no modo de falar. Ela carrega consigo camadas de significado relacionadas ao lugar de origem, classe social, idade, etnia e outros aspectos da identidade. Tomemos como exemplo a pronúncia do fonema /r/ em inglês, que pode ser um indicativo claro da variação estruturada, um fenômeno que ocorre em diversas variedades da língua.

A pronúncia do /r/ em inglês, particularmente em sua forma pós-vocálica, isto é, quando aparece após uma vogal ou antes de uma consoante, pode variar significativamente. Em algumas variedades de inglês, esse som é claramente pronunciado (dialetos róticos), enquanto em outras, ele é omitido, salvo quando precedido por uma vogal (dialetos não róticos). Essa diferença não é apenas uma questão de gosto ou preferência fonética, mas está profundamente enraizada nas estruturas sociais de um determinado contexto. O sociólogo linguístico William Labov (1966) conduziu um estudo clássico sobre a pronúncia do /r/ em Nova York, observando como a classe social influenciava essa escolha. A pesquisa foi realizada em três grandes lojas da cidade, voltadas para diferentes camadas sociais: Saks (para a classe média alta), Macy’s (classe média) e Klein’s (classe operária). Labov notou que, em uma simples questão sobre o local de um departamento, a pronúncia do /r/ no termo “fourth floor” variava conforme o status social dos vendedores. Os de classe alta pronunciavam o som com mais frequência, enquanto os de classe trabalhadora o omitiam com maior regularidade. Essa diferença na pronúncia reflete uma hierarquia social, onde a forma mais prestigiada é a pronunciada pelos membros da classe mais elevada.

Além de nos ensinar sobre a variação linguística, esse estudo nos leva a uma reflexão mais profunda sobre os julgamentos de valor sobre as características linguísticas. Tais julgamentos são, muitas vezes, arbitrários, sendo mais relacionados a atitudes sociais do que a qualidades intrínsecas da língua. Nos Estados Unidos, os dialetos róticos (onde o /r/ é pronunciado) são geralmente vistos como mais prestigiados, enquanto no Reino Unido, a ausência do /r/ tende a ser associada à classe alta, enquanto sua presença é mais comum entre as classes trabalhadoras.

A variação regional é talvez o tipo mais comentado de variação linguística, especialmente por aqueles que se encantam com as diferenças de sotaque e vocabulário entre regiões. Quando discutimos variação regional com alunos, frequentemente surgem exemplos como as diferenças entre os estados vizinhos de Minnesota e Wisconsin: “bubbler” versus “drinking fountain” ou a variação no nome de um simples jogo infantil, “duck, duck, grey duck” contra “duck, duck, goose”. Porém, esses exemplos podem criar uma falsa impressão de que as linhas divisórias entre os dialetos são claras e rígidas. Na realidade, as variedades linguísticas muitas vezes se misturam e se fundem, com dialetos regionais internos que também variam conforme a idade, o gênero, a classe social ou a etnia dos falantes.

A origem histórica dessas variações é profunda. No Reino Unido, as divisões regionais remontam a séculos de conquistas e assentamentos. Quando os anglos, saxões e jutos invadiram a Grã-Bretanha no século V, trouxeram consigo variedades de seu idioma germânico, que ao longo do tempo moldaram as diferentes formas de inglês faladas nas várias partes das Ilhas Britânicas. A invasão dos vikings, séculos mais tarde, contribuiu para a formação de dialetos no norte da Inglaterra, que ainda hoje carregam influências do antigo nórdico. Essas variações se entrelaçam com a língua celta falada pelos galeses, escoceses e irlandeses, resultando em um mosaico de formas regionais.

Nos Estados Unidos, as origens das variações regionais remontam às áreas de origem dos colonos britânicos. No século XVII e XVIII, pessoas vindas de diferentes regiões da Grã-Bretanha se estabeleceram em diversas partes do que hoje é os Estados Unidos, trazendo consigo suas próprias variedades do inglês. A consequência foi a criação de três grandes regiões dialetais: o Norte (predominantemente colonizado por pessoas da região de Anglia), o Meio (origem no Midland britânico) e o Sul (com forte influência do norte da Inglaterra, Irlanda do Norte e Escócia). Mais tarde, a expansão para o Oeste dos Estados Unidos resultou em um entrelaçamento dessas variedades, que se misturaram com os idiomas das populações nativas americanas e de outros grupos imigrantes, como os espanhóis. Esse fenômeno é conhecido como nivelamento linguístico, onde as diferenças regionais se suavizam devido à mobilidade social e geográfica.

No Oeste dos Estados Unidos, essa interação levou a uma diminuição das diferenças regionais, o que torna os sotaques de Los Angeles e Portland mais próximos entre si do que os de Nova York e Savannah. O inglês, no entanto, não se limitou às fronteiras dos Estados Unidos. Ele foi levado a várias regiões do mundo, sendo adotado como língua dominante na Irlanda, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul, entre outros. Cada um desses países desenvolveu uma variedade nacional do inglês, como o inglês australiano, canadense ou sul-africano, com suas próprias características fonológicas, lexicais e sintáticas.

Essas variações regionais do inglês em diferentes partes do mundo não são apenas fenômenos linguísticos; elas refletem também a história das relações coloniais e as interações com as populações indígenas. Assim como no caso do inglês, outras línguas de potências coloniais, como o espanhol e o francês, têm suas próprias variedades nacionais e regionais, como o espanhol falado na Colômbia ou o francês falado no Senegal. Estas, assim como as variedades de inglês, são linguagens ricas e legítimas, não deformações ou versões “quebradas” dos idiomas originais.

Por fim, as variações entre o inglês britânico e o inglês norte-americano, embora mutualmente inteligíveis, são visíveis em diferentes aspectos da língua. As diferenças de vocabulário, como “lift” (britânico) e “elevator” (norte-americano), ou de pronúncia, como as diferenças na forma de dizer “dance” ou “data”, são bem conhecidas. Também há distinções na sintaxe, como o uso do presente perfeito no Reino Unido (“Have you eaten yet?”) em contraste com o uso do passado simples nos Estados Unidos (“Did you eat yet?”). Essas variações não se limitam à fala; elas também se refletem na escrita, seja em ortografia (“honor” vs “honour”) ou pontuação.

Entender a variação linguística, portanto, não é apenas um exercício acadêmico; trata-se de compreender as múltiplas camadas de identidade e história que a linguagem carrega consigo, mostrando como a fala reflete, em seus sons e estruturas, a rica tapeçaria de influências sociais e culturais.

Como a Diversidade Linguística e os Códigos de Língua Refletem a Identidade dos Povos Indígenas

Ao refletirmos sobre a diversidade linguística nas variedades do inglês falado por indígenas, é fundamental reconhecer o contexto histórico que contribui para essas variações. Antes do contato com os europeus, existiam mais de 500 línguas distintas faladas pelas populações nativas do que hoje são os Estados Unidos e o Canadá. Essas línguas formavam um panorama linguístico profundamente diverso. No entanto, com a chegada dos europeus no século XVI, as culturas e línguas nativas foram devastadas por um processo de colonização que transformou radicalmente as sociedades indígenas e suas línguas. Hoje, das 500 línguas originais, apenas cerca de 200 ainda são faladas, e muitas estão à beira da extinção.

Uma das principais responsáveis por essa perda foi a criação de internatos nos Estados Unidos e escolas residenciais no Canadá, que começaram a operar entre os séculos XIX e XX. Essas instituições forçaram a assimilação cultural, retirando crianças nativas de suas famílias e comunidades, frequentemente de forma violenta, para ensiná-las em um ambiente onde eram severamente punidas por falarem suas línguas maternas. O objetivo declarado dessas escolas e da política governamental era erradicar as línguas e culturas indígenas, forçando a adoção do inglês e da cultura branca como única forma de "civilização". O impacto dessas instituições foi devastador, desestruturando famílias e comunidades, e ocasionando a perda de muitas línguas nativas.

Contudo, um aspecto interessante desse processo foi a formação de novas variedades de inglês, que emergiram a partir da interação forçada entre os estudantes indígenas e as culturas dominantes. Como apontado por Leap (1993), o inglês aprendido pelos jovens nativos não era, de fato, o inglês formal que as escolas tentavam ensinar. Esse inglês era moldado pelos estudantes, que o aprendi­am principalmente uns com os outros, fora das salas de aula, nos campos esportivos, dormitórios ou refeitórios. Nesse ambiente, desenvolveu-se uma forma de inglês que, embora não fosse uma língua indígena ancestral, incorporava influências das estruturas gramaticais e práticas discursivas das línguas originais. Leap denomina essas novas variedades de “códigos de inglês afirmativos para os índios” e conclui que, por meio delas, os falantes conseguiram manter sua fluência nas línguas ancestrais ao integrar as tradições linguísticas de outros em seus próprios recursos linguísticos.

Um exemplo notável desse fenômeno é o "Rez English", falado em muitas comunidades indígenas norte-americanas. Embora seja uma variedade de inglês, não uma língua ancestral, o Rez English se tornou um símbolo forte de identidade para muitos povos indígenas. A língua ancestral desempenha um papel crucial na identidade étnica dos povos nativos, mas, como observado por Newmark et al. (2017), a variedade de inglês falada pelos indígenas também pode ter um papel igualmente significativo, especialmente para aqueles que não têm acesso a suas línguas nativas. A pesquisa revela que, ao utilizar o sotaque “rez”, os indígenas conseguem criar e manter uma identidade étnica, mesmo na ausência de fluência nas línguas originais. Em outras palavras, a variação no inglês falado pode servir como uma forma de reconciliar a identidade com a impossibilidade de falar a língua ancestral.

É importante notar que a variação linguística não se limita apenas ao inglês falado, mas também se estende às línguas de sinais, que, assim como as línguas orais, são altamente variáveis. A história da comunidade surda e os modos pelos quais as crianças aprendem a língua de sinais contribuem para essa variação. Muitas vezes, crianças surdas que não têm pais surdos aprendem a língua de sinais em escolas para surdos, onde o ambiente de aprendizado pode gerar diferentes variantes da língua. Fatores como região, gênero, orientação sexual, etnia e classe social influenciam a variação também nas línguas de sinais, como no caso da ASL (American Sign Language). A comunidade surda negra nos Estados Unidos, por exemplo, tem uma variedade própria de ASL, que foi considerada não padrão por muitos anos. A comunidade surda gay, por sua vez, desenvolveu sinais específicos relacionados à sua cultura. Esses sinais, além de lexicais, apresentam variações na morfologia e na fonologia.

As variações no inglês e nas línguas de sinais mostram como os grupos sociais, mesmo sob condições adversas de colonização e repressão cultural, criam formas de expressar e afirmar sua identidade. Isso leva a um ponto fundamental: o conceito de "linguagem padrão". O inglês padrão, muitas vezes visto como a única forma "correta" de falar, é, na realidade, apenas uma das muitas variedades de inglês, uma que goza de prestígio devido ao seu uso por aqueles com status e poder. A ideia de um "inglês correto" é, na verdade, uma construção social que tende a reforçar desigualdades, visto que outras variedades, como o inglês das classes trabalhadoras ou das comunidades indígenas, são frequentemente estigmatizadas.

O inglês padrão é considerado uma variedade “codificada”, ou seja, uma forma que é regulada por dicionários, manuais de gramática e normas educacionais. Essa variedade é a mais comumente esperada em contextos formais, como na escrita, na mídia e em profissões de prestígio. Contudo, a padronização de uma língua tende a ignorar ou marginalizar as formas locais, o que pode contribuir para a perpetuação de desigualdades sociais. A língua padrão, embora essencial para a comunicação formal, pode servir como uma barreira para aqueles que não têm acesso a ela, mantendo a exclusão social e linguística.

É preciso compreender que todas as variedades de uma língua são igualmente válidas e normatizadas de acordo com as necessidades culturais e sociais de seus falantes. Reconhecer a legitimidade das diferentes formas de expressão linguística é um passo importante para combater o preconceito e a discriminação linguística que ainda afetam muitas comunidades, especialmente as indígenas e as minorias. Além disso, é essencial compreender que a diversidade linguística vai além da fala e envolve também a cultura e a identidade dos grupos que a utilizam. Quando se fala de línguas e suas variações, se fala também de histórias, memórias e formas de vida, que devem ser respeitadas e preservadas.

Por que o Dialeto Afro-Americano Deve Ser Reconhecido na Educação?

Os falantes de variedades linguísticas não padrão muitas vezes recebem a mensagem de que sua língua é aceitável, mas não é adequada para o ambiente escolar. A mensagem implícita, nesse contexto, é que essa forma de falar não é suficientemente boa, já que não pode ser utilizada nas escolas, na escrita ou em qualquer ambiente formal ou oficial. Ou seja, não é boa o suficiente, ponto. Aqueles que defendem a justiça linguística nas salas de aula veem essa mensagem implícita como discriminação linguística, defendendo a ideia de que a Linguagem Afro-Americana (AAL) – e as línguas de todos os estudantes – deve ser reconhecida como um recurso rico, que pode ser utilizado no processo de aprendizado e compreensão do mundo.

De acordo com Paris (2016), como mencionado anteriormente, dado que o AAL é falado não apenas por afro-americanos, mas também por outros estudantes de cor, seu uso nas escolas pode ajudar os estudantes a aprender a navegar no futuro multilíngue e multicultural que as demografias já indicam estar em nossa realidade, reposicionando não apenas o AAL, mas as "línguas, alfabetizações e culturas dos jovens de cor" como um ativo, ao invés de um obstáculo para a aprendizagem. Considerando que mais da metade dos estudantes em escolas públicas nos Estados Unidos são agora estudantes de cor, contra apenas 20% em 1970, parece ser um momento propício para que mudanças sejam feitas.

O AAL, que ao longo dos anos recebeu diferentes denominações, é uma variedade do inglês amplamente falada nos Estados Unidos. Estima-se que 80% a 90% dos afro-americanos falem alguma forma de AAL. A origem do AAL é um ponto de concordância entre linguistas, que reconhecem sua formação nas línguas africanas trazidas pelos povos escravizados, nas variedades do inglês às quais esses povos foram expostos e nos crioules originados pelos escravizados vindos do Caribe. Sua história está intimamente ligada à trajetória dos falantes dessa língua, incluindo suas experiências enquanto povos escravizados e vítimas de discriminação.

O AAL, assim como qualquer outra variedade linguística, é regido por regras. Aqueles que veem essas regras como exemplos de “gramática errada” estão equivocados. A pronúncia de palavras como "ask" como [æks], por exemplo, é injustamente estigmatizada, embora tenha uma história que remonta ao inglês antigo. Além disso, a linguagem está intrinsecamente ligada à raça de maneiras complexas: ela não só está conectada à nossa identidade étnico-racial, mas também é usada como um meio de construir ou moldar nossa identidade. Dentro do AAL, há variações relacionadas ao gênero, à classe socioeconômica e aos contextos locais.

As microagressões, formas sutis de discriminação linguística, podem também ocorrer nas salas de aula, quando o AAL é considerado inadequado para o ambiente escolar ou outros contextos importantes. O AAL, muitas vezes marginalizado, é tratado como algo inferior ou até mesmo como "erro" gramatical. Isso não só desvaloriza uma língua que carrega a história e a identidade de uma grande parte da população, mas também reforça a ideia de que aquelas variações linguísticas não são válidas ou dignas de respeito.

Além disso, é importante compreender que a linguagem é uma ferramenta poderosa para a afirmação de identidade. O AAL não é apenas uma forma de se comunicar, mas uma expressão cultural e histórica que representa um legado de resistência, adaptação e criatividade. Reconhecer e validar o AAL no contexto educacional não significa desrespeitar a norma padrão do inglês, mas entender que o aprendizado não acontece de maneira uniforme para todos. Cada estudante traz consigo uma bagagem linguística e cultural que pode enriquecer o processo de ensino-aprendizagem. A utilização do AAL, quando reconhecida e valorizada, pode contribuir para a construção de um ambiente mais inclusivo, onde os alunos se sentem vistos, ouvidos e respeitados.

No entanto, é fundamental que se entenda que o reconhecimento do AAL não se trata de uma defesa pela supressão da norma padrão do inglês, mas sim de uma abordagem inclusiva que valorize as diferentes formas de expressão linguística. A norma padrão, embora importante, não deve ser a única forma de linguagem que os alunos precisam dominar. Ao contrário, deve-se criar um espaço onde todas as variações linguísticas sejam respeitadas e tratadas como instrumentos de aprendizagem e desenvolvimento pessoal. Ao fazer isso, os educadores não estão apenas lutando pela justiça linguística, mas também pela equidade educacional, promovendo um ambiente que permita a todos os alunos, independentemente de sua origem ou linguagem, ter uma voz autêntica e válida na sala de aula.

Como a Linguagem Constrói a Identidade de Gênero e as Performances Masculinas e Femininas

A forma como usamos a linguagem está intimamente ligada à maneira como desempenhamos as identidades de gênero. Em uma análise mais profunda da construção das identidades masculinas e femininas, é essencial compreender que a linguagem, longe de ser apenas um reflexo de identidades preexistentes, é também um dos principais meios através dos quais essas identidades são criadas e moldadas. Tomemos, por exemplo, o uso do "be" invariável no Hip Hop. Este fenômeno não é meramente uma maneira de falar sobre ações habituais, mas se torna um veículo de construção da identidade, como quando um rapper afirma: "I be the king supreme". O uso dessa forma verbal é mais do que uma simples exibição de orgulho ou autoafirmação. Ele permite que o falante tenha controle sobre sua própria definição de identidade, resistindo à visão de que sua linguagem é deficiente ou subordinada.

O conceito de gênero, de acordo com as teorias contemporâneas, deve ser entendido não como algo essencial ou fixo, mas como uma performance, algo que fazemos, e não algo que somos. Embora nasçamos com certos cromossomos e genitalidades, a classificação binária de gênero não é uma verdade biológica simples e imutável. Há pessoas intersexo, com características físicas que não se alinham claramente com as categorias de masculino ou feminino, assim como pessoas trans, cuja identidade de gênero não corresponde ao sexo atribuído ao nascimento. Isso já indica a complexidade do que significa ser "homem" ou "mulher". E essa complexidade se estende para a forma como executamos as performances de gênero na vida cotidiana, através da linguagem, dos comportamentos e das escolhas estéticas.

Por exemplo, em muitas culturas, certos recursos linguísticos estão associados a um gênero específico. No caso da língua malgaxe, a diretividade e os palavrões são vistos como características linguísticas associadas ao feminino. Isso demonstra como as normas de gênero podem variar enormemente de uma cultura para outra e como o ato de performar um gênero específico depende do contexto social em que se encontra. A ideia central aqui é que a linguagem não apenas reflete identidades de gênero, mas as cria e reforça constantemente.

Judith Butler, em sua obra Gender Trouble, questiona a ideia de que os papéis de gênero são algo que "somos" por natureza, algo que decorre da biologia. Para Butler, as categorias de "homem" e "mulher" não são essências a serem descobertas, mas construções sociais que são constantemente produzidas através de performatividade. Ou seja, agimos de determinada forma porque estamos performando um gênero, e não o contrário. Isso implica que a identidade de gênero é algo que se aprende e se negocia dentro de um quadro social que define o que é "masculino" e "feminino", e que a linguagem desempenha um papel crucial nesse processo.

No entanto, essas normas e quadros não são totalmente rígidos. A performatividade de gênero é um espaço de resistência e criatividade, onde indivíduos podem desviar-se das normas estabelecidas e redefinir as categorias que lhes são impostas. Por exemplo, o famoso caso de Sally Ride, a primeira mulher americana no espaço, foi representado pela mídia de forma a destacar sua ausência de maquiagem, reforçando uma ideia de feminilidade superficial e desconectada de suas realizações científicas. Esse tipo de enquadramento revela como as expectativas de gênero podem ser impiedosas, ainda que sutis, tentando limitar a forma como as mulheres devem ser percebidas, independentemente de suas conquistas.

Por outro lado, ao examinar as interações sociais, especialmente na adolescência, podemos observar como as meninas e os meninos começam a entrar no "mercado heterossexual", e como a linguagem é usada para mediar esse processo. Meninas são frequentemente orientadas a adotar comportamentos que as distanciem de atitudes consideradas masculinas ou "tomboy", sendo incentivadas a usar roupas, maquiagem e a adotar um comportamento mais "feminino". Essa pressão social se reflete na linguagem, onde as meninas são muitas vezes desencorajadas a expressar opiniões fortes ou a interromper os meninos. O aconselhamento encontrado em revistas direcionadas ao público feminino, por exemplo, sugere que as garotas devem concordar com os meninos e nunca contradizê-los, reforçando as normas de gênero de uma forma muito insidiosa.

Com o passar do tempo, as linguagens de gênero começaram a se expandir, desafiando o binarismo rígido e reconhecendo uma pluralidade de identidades. Linguistas começaram a questionar a ideia de que existem apenas dois gêneros e começaram a explorar as diferentes formas de masculinidade e feminilidade, além de outras identidades não binárias, como as de pessoas trans, queer e intersex. Esse movimento foi acompanhado por uma mudança na linguagem, com a adoção de termos mais inclusivos, como "they" no inglês, e a crescente popularização da sigla LGBTQIA, que vem a representar uma diversidade de identidades de gênero e orientações sexuais.

Esses desafios ao binarismo de gênero têm implicações profundas para o uso da linguagem. À medida que mais pessoas se identificam como não binárias, o vocabulário precisa se adaptar para refletir a pluralidade de experiências de gênero. A sigla LGBTQIA, por exemplo, tornou-se cada vez mais comum nos meios de comunicação, refletindo a aceitação crescente da diversidade de identidades de gênero e orientações sexuais.

Além disso, a aceitação dessas identidades e a adaptação da linguagem são fundamentais para o reconhecimento de que a identidade de gênero não é uma característica fixa, mas uma experiência dinâmica e socialmente construída. Cada indivíduo tem a capacidade de articular sua própria identidade, utilizando a linguagem não apenas como meio de comunicação, mas também como ferramenta de resistência e subversão dos padrões impostos pela sociedade.