Chegaria o momento em que até a Terra mais distante aqueceria até que suas águas derretessem, e a vida poderia começar na lama resultante. No entanto, se o pico de ondas de rádio de Helios não tivesse sinalizado a presença de pequenos homens com antenas, isso certamente criaria um problema complicado. O Ocidente havia apostado, aparentemente sem justificação, em um intervalo constante de aproximadamente trinta anos entre as crises do sol. O último pico tinha ocorrido dezenove anos antes. Assim, parecia que o próximo só ocorreria após o sol passar por sua órbita. No entanto, aqui estava ele, começando novamente após apenas dezenove anos, o que representava uma situação extremamente desconfortável. As emissões de ruído iriam interferir nas mensagens enviadas pelas naves espaciais de volta à Terra. Não havia um problema imediato, pois ainda havia um grande ângulo entre as direções das naves e a direção de Helios, mas mais tarde, os ângulos se tornariam muito menores - não mais do que 3°. A dificuldade surgia na transmissão das naves para a Terra, e não o contrário. Isso poderia ser sério, porque, sem que as naves sinalizassem suas posições precisas, velocidades e direções de movimento, as órbitas adequadas não poderiam ser calculadas pelos computadores terrestres. Nesse caso, seria mais do que duvidoso se elas seriam capazes de se navegar através dos campos gravitacionais traiçoeiros.

As autoridades tentaram fazer o possível para manter esses problemas ocultos. Mas no Ocidente, o segredo só pode ser mantido se um número muito grande de pessoas estiver disposto a preservá-lo. Exceto quando punições severas podem ser aplicadas, um grande número de pessoas nunca está disposto a manter um segredo, especialmente em um ambiente onde o espírito empresarial é fundamental para o sucesso. Quando finalmente alguém revelou a situação, o escândalo foi enorme. Naturalmente, ninguém poderia ser responsabilizado pelo comportamento de Helios. Porém, a administração ocidental poderia ser criticada por não ter demonstrado a mesma previsibilidade que os russos ao enviar um cientista na expedição. Havia uma chance significativa de que, enquanto o foguete ocidental se desviasse ou fosse forçado a retornar de mãos vazias, Pitoyan poderia ser capaz de lidar com as dificuldades. O público ficou furioso ao pensar que os russos haviam conseguido mais uma vez. Estava claro que Lee e Marty Kipling não ganhariam as próximas eleições.

A princípio, poderia-se perguntar por que qualquer interferência poderia ocorrer. Afinal, as grandes antenas, como a de dez mil pés no Vale de Aosta, estariam apontadas para a nave, não para a estrela. Deveria haver mais de 3° entre as direções da nave e da estrela, então por que qualquer interferência? Essa era a pergunta que os comitês queriam uma resposta clara. Receberam uma resposta, mas para eles, não era clara: eram as "sidelobes". Ninguém conseguia entender direito o conceito. Foi explicado que se um telescópio estivesse apontado para um objeto, não se veriam coisas a três graus de distância. Os cientistas disseram que isso estava absolutamente correto, mas que as ondas de rádio não eram o mesmo que a luz visível. A resposta voltou dizendo que os membros dos comitês sempre haviam pensado que a luz e as ondas de rádio eram realmente aspectos do mesmo fenômeno. Os técnicos, por sua vez, confirmaram que isso estava certo, mas que a frequência das ondas de rádio era diferente da da luz, o que fazia toda a diferença. De fato, o mesmo fenômeno existia para a luz comum, mas normalmente era pequeno demais para ser notado. A diferença era significativa devido à frequência, e também devido à abundância de manchas solares em Helios. Tudo se resumia às "sidelobes". A palavra passou a circular pelos corredores de poder - afinal, as eleições dependiam delas, por mais que ninguém realmente entendesse o que eram.

A grande questão era o que fazer a respeito disso. O problema das "sidelobes" simplesmente tinha que ser resolvido. O custo não importava. Os comitês ficaram irritados e horrorizados com os cientistas que afirmavam que o problema não poderia ser solucionado, independentemente de quanto se estivesse disposto a pagar. Isso parecia inacreditável. No entanto, o único ponto positivo surgiu: uma antena de trinta mil pés seria cerca de dez vezes mais eficiente do que a atual antena de dez mil pés no Vale de Aosta. Isso poderia ajudar, embora os engenheiros apontassem que, a menos que uma antena maior fosse construída com a mesma precisão das atuais, tanto seria ganho quanto perdido. Isso também parecia inacreditável, mas lá estava. Foram dadas ordens para a construção imediata de uma superantena. O custo foi irrelevante. Conway furioso, gritou: "Os idiotas não conseguem ver que não vão ganhar dessa maneira! Um ganho de dez será inútil. A estrela vai ganhar no final. Eles precisariam de uma antena de um milhão de pés para vencê-la."

Nada foi dito a Larson e sua equipe. Não havia sentido em perturbá-los - já que, como se dizia, "suficiente para o dia é o mal dele". Assim, a viagem seguiu seu curso implacável. A cada segundo em que os membros dos comitês discutiam, e a cada segundo que os engenheiros trabalhavam no monstruoso novo projeto, as naves avançavam trinta milhas em direção ao seu destino.

A situação estava tensa na nave russa. Ela estava sendo estabilizada temporariamente por Pitoyan, que teve que abandonar suas táticas anteriores e adotar o papel de uma pessoa desinteressada. Ele deixava os outros perceberem que desaprovava os olhares para as pernas da moça. Olhava com firmeza para o outro lado sempre que ela se despia. Sua repreensão silenciosa ajudava a trazer Kratov e Bakovsky de volta ao perímetro do treinamento. Esses efeitos de retroalimentação entre as correntes psicológicas haviam sido corretamente previstos por Popkin.

George Larson e Uli Reinbach estavam em um estado de sono profundo. Às vezes, em viagens longas, o vazio de sua própria mente acabava por alcançá-los. Então, poderiam dormir por uma semana inteira. De fato, provavelmente continuariam a dormir indefinidamente se não houvesse alguém para despertá-los. Todos teriam caído em um sono sem fim, não fosse pelo som sutil que era gerado artificialmente na cabine. O silêncio absoluto do espaço tinha esse efeito. Antes que o efeito do silêncio e da longa espera se tornasse amplamente conhecido, ocorreram casos de tripulações inteiras caindo em um sono hipnótico. Houve tragédias e falhas, como não corrigir órbitas no momento certo e naves que passavam a sair para sempre do sistema solar, continuando a se mover pelo vazio por tanto tempo quanto a própria galáxia. Foi por isso que Mike Fawsett e Tom Fiske permaneceram acordados enquanto os outros dormiam. Sempre tinha que haver dois acordados, caso um deles adormecesse. Era um perigo do qual eles estavam bem cientes e, sendo profissionais, sabiam como lidar com isso.

Mike Fawsett estava registrando os últimos detalhes sobre micro-meteoritos no livro de bordo. Havia instrumentos no exterior da nave que detectavam impactos ocasionais desses minúsculos corpos sólidos. Mesmo estando bem longe do plano do sistema solar, ainda era possível encontrá-los. Uma das vantagens de estar ali em cima era a redução do risco de ser atingido por um grande pedaço de rocha. Isso sempre foi uma preocupação quando se passava perto de Júpiter, especialmente no cinturão de asteroides, composto por fragmentos resultantes da quebra de asteroides originais. Os pequenos partículas que estavam sendo encontradas provavelmente vinham de cometas, que se moviam tanto para dentro quanto para fora do plano do sistema solar. No entanto, Mike não estava muito preocupado com isso. Ele estava pensando no quanto fora tolo ao não aproveitar completamente o seu final de semana com Cathy. Lembrou-se de algo que Shakespeare disse...

O Mistério da Quinta Planeta: O Que Nos Espera no Infinito?

Ilyana observou Bakovsky correr em direção à água, o terror estampado em seu rosto, como se algo invisível o estivesse perseguindo. Mas ela sabia que, na vastidão do deserto, não havia nada atrás dele. Ele correu quase uma milha, sem hesitar, e mesmo quando as águas começaram a cobrir suas botas, seus joelhos, suas coxas, ele continuou, como se estivesse sendo puxado por uma força incontrolável, até que finalmente desapareceu sob as águas.

Ilyana, atônita e em choque, dirigiu-se à máquina. A última visão de Bakovsky correndo parecia um pesadelo sem fim, e ela sabia que algo muito além de sua compreensão estava em jogo. Quando conseguiu fazer o veículo funcionar, seguiu em direção ao local indicado pelas pegadas, mas, ao chegar, nada mais restava de Bakovsky, apenas a clareza de um mar vazio e sem respostas.

Ela seguiu adiante, sem saber ao certo o que esperar. A missão que lhe fora confiada tinha um propósito claro aos olhos de Moscovo – uma peão em um jogo de poder – mas, no fundo, ela desejava apenas compreender o que estava acontecendo. Chegou até Larson, que estava morto. Porém, a expressão em seu rosto não era de terror, mas de um vazio absoluto. Era como se a vida em si tivesse sido drenada dele.

À medida que Ilyana caminhava pelo local, observava as marcas de destruição deixadas pelas descargas, as rupturas nas paredes transparentes da estrutura, mas nada mais fazia sentido. Era como se ela estivesse em um pesadelo sem fim, onde tudo o que restava era o vazio de um poder indomável. Ao se deparar com o corpo de Larson novamente, uma estranha sensação de entorpecimento a dominou, como se o próprio lugar a estivesse moldando de acordo com seu capricho. Quando recobrou os sentidos, já estava do lado de fora da construção, distante de tudo o que havia presenciado. Sabia com certeza que não deveria retornar.

Ela pegou a câmera, como se as fotografias pudessem ser a única prova de algo que ninguém acreditaria. Um poder invisível havia matado seus companheiros, sem sequer tocá-los fisicamente. Por alguma razão, ela fora poupada, mas, em seu íntimo, sabia que não duraria muito se permanecesse ali. Mesmo sem entender completamente o que acontecia, Ilyana sentia a inevitabilidade do fim.

A luz intensa de Helios, a estrela que dominava o céu de um vermelho incandescente, cegou-a momentaneamente. Ao recuperar a visão, ela olhou para trás, mas o que antes fora um lugar de poder e destruição agora se mostrava vazio, coberto por uma paz desconcertante. A máquina continuava seu trajeto, como se tivesse uma força própria, sem que ela pudesse controlar completamente sua direção. E, mesmo com o céu clareando à sua frente, ela não conseguia se livrar da sensação de que havia algo mais à espreita. Algo que a observava.

O horror de Ilyana não era apenas o medo de um perigo iminente. Era uma sensação de completa impotência, como se ela estivesse sem controle sobre seu próprio destino. Ao longo de sua jornada, sentiu-se como se estivesse sendo arrastada por forças invisíveis, incapaz de escapar do ciclo predestinado ao qual estava atada. O desespero, mais do que o medo, tomou conta dela.

A busca por respostas tornou-se uma obsessão, mas a verdade parecia escorregar entre seus dedos, como a areia que se dissolve no vento. Cada tentativa de se aproximar da realidade parecia apenas aprofundar o abismo de incertezas. Mesmo quando a máquina retornava, o mundo ao redor não oferecia mais garantias de lógica ou ordem. O universo se desdobrava em um enigma sem solução.

À medida que o sol se erguia, tingindo o céu com uma estranha tonalidade vermelha, Ilyana se sentiu mais distante de tudo o que conhecia. A missão que a trouxera até ali parecia ter sido uma ilusão, uma tentativa de controlar o incontrolável, de entender o incompreensível. E, assim como os homens que a enviaram, ela também foi uma peça em um tabuleiro cujas regras estavam além de sua compreensão. Mas ela continuava a buscar respostas, mesmo sabendo que o que encontraria talvez fosse mais aterrador do que qualquer coisa que pudesse imaginar.

É fundamental que o leitor compreenda a complexidade do ambiente alienígena, no qual o espaço-tempo, a percepção e a natureza do perigo são distorcidos e imprevisíveis. A sensação de impotência frente a forças além da compreensão humana é um tema recorrente, e não é apenas a morte física que ameaça, mas a aniquilação do ser, da consciência. A presença de um poder desconhecido não se limita a uma ameaça tangível; ele distorce a própria realidade, tornando impossível distinguir entre o real e o ilusório. Esse estado de incerteza e confusão é um dos maiores desafios enfrentados pelos personagens, que se veem lutando não apenas contra entidades externas, mas contra a própria fragilidade humana diante do desconhecido.

Como a Ansiedade e o Isolamento Modelam Relações em Tempos de Crise

A tensão crescente e a ansiedade que permeiam o cenário apresentado são mais do que uma simples metáfora para o estado emocional de seus personagens. Elas representam a fragilidade das relações humanas quando postas à prova por circunstâncias externas incontroláveis. No caso de Conway e Cathy, o casamento deles, aparentemente marcado pela falta de interação real, se reflete na escolha de viver juntos, mas distantes, emocionalmente isolados um do outro. Isso é particularmente evidente no momento em que Conway tenta reviver o que de melhor aconteceu em sua vida conjugal em um retiro na praia, apenas para se deparar com uma esposa absorta em um estado de transe, alheia a ele e ao que se passa ao seu redor.

A situação em que os dois se encontram – no que parece ser uma busca por um refúgio temporário da realidade, longe da pressão e da sobrecarga de informações e decisões – pode ser vista como uma tentativa fútil de restaurar um equilíbrio que jamais existiu de fato. Cathy, imersa em sua própria bolha de indiferença, se distancia não só de Conway, mas de qualquer forma de conexão significativa com o mundo à sua volta. Sua visita aos salões de beleza, por exemplo, é uma tentativa de fuga da realidade, onde a exterioridade importa mais do que qualquer outra coisa.

A ideia de que o espaço físico, como uma casa de praia isolada, pode curar a desintegração emocional de um relacionamento é, sem dúvida, uma ilusão. Conway, ao investir grandes somas de dinheiro e esforço, busca em vão uma solução simples para um problema complexo. A distância emocional de Cathy não pode ser resolvida por um simples retorno a um local que, para ele, traz boas lembranças. A desconexão entre eles, exemplificada pela escolha de quartos separados, reflete uma desconexão mais profunda e, possivelmente, irreparável.

Em contraste com o espaço privado e isolado, a vastidão e o caos das estradas congestionadas para a Flórida demonstram o quão difícil é escapar do alcance do coletivo. O tráfego paralisante, que cobra horas preciosas e mantém os motoristas alertas e tensos, simboliza a impossibilidade de se desconectar das demandas externas da sociedade. Conway, optando por ir de avião em vez de dirigir, é uma tentativa de escapar dessa massa caótica. No entanto, mesmo no ar, a sensação de confinamento e a falta de controle permanecem. O espaço aéreo, saturado de aeronaves, parece estar tão congestionado quanto as estradas, levando-o a questionar se, de fato, há um local onde ele possa estar livre de pressões externas e encontrar alguma forma de paz.

Quando finalmente chegam ao evento, as longas horas de espera para o pouso da nave – e, de forma mais significativa, a espera pela "grande revelação" que marcará a redenção ou a tragédia – servem como uma metáfora para o vazio existencial de ambos. A grandiosidade do espetáculo que se desenrola ao seu redor, com sua música popular, comida e drinques, tenta preencher o espaço deixado pela falta de conexão emocional. No entanto, a celebração é frágil, efêmera e superficial. A beleza inquietante de Cathy, adormecida durante toda a celebração, e o desdém que as outras mulheres sentem por ela, são reflexos de sua desconexão do mundo real. Sua beleza, agora quase como uma armadilha, só parece acentuar ainda mais sua estranheza e alienação.

Além disso, a ansiedade gerada pela antecipação de um evento tão grandioso, aliado ao isolamento, mostra como o ser humano tende a buscar compensações temporárias e fugazes para lidar com suas frustrações internas. A busca de Conway por uma solução rápida e a incapacidade de Cathy em se reconectar com ele são uma representação de um dilema contemporâneo: como lidar com a falta de sentido em uma sociedade que constantemente nos exige mais, mas nos oferece cada vez menos de valor real.

Para além do que foi descrito, o leitor deve compreender que a verdadeira crise no relacionamento entre Conway e Cathy não se dá apenas pela falta de comunicação, mas pela impossibilidade de se conectar em um nível mais profundo e autêntico. É uma crise existencial, onde a busca por significado e reconciliação é sobrepujada por distrações temporárias e ilusões de controle. A narrativa nos convida a refletir sobre as formas como nos desconectamos uns dos outros em tempos de crise e como o isolamento, mesmo que involuntário, pode se tornar uma das mais duras formas de sofrimento humano.

Como a Verdade Pode Ser Moldada: O Relato de Pitoyan e os Jogo de Interesses

Pitoyan sabia que seu caso não seria decidido até que todas as investigações possíveis fossem feitas. Sabia também a mentalidade dos homens com os quais estava lidando. Começou com a verdade nua e crua. Contou como havia calculado o caminho através dos campos gravitacionais e como os ocidentais lhe pediram uma órbita quando suas transmissões à Terra foram bloqueadas. Ele tinha certeza de que Fiske não tentaria negar essa parte da história, pois não estava preocupado em agradar as autoridades ocidentais – Pitoyan havia percebido isso claramente. Ele falou sobre o pouso, a natureza do local e de como havia sido feito, omitindo apenas um pequeno detalhe: a falha de Bakovsky em ler o mecanismo de servo de pouso e o desastre subsequente. Esse detalhe foi deixado de fora de sua narrativa.

Até aquele momento, tudo se encaixava. Ele então relatou como os ocidentais haviam pousado a apenas cem milhas de distância. Isso já constituía uma violação das normas de etiqueta entre o Leste e o Oeste, pois não mencionou seu próprio sinal de socorro. Houve comentários ao redor da mesa: ele tinha alguma prova? Sim, ele tinha um conjunto de microfilmes no bolso. Se fosse possível mostrar... O Presidente deu permissão. Mostrou-lhes uma bela fotografia de Aquiles tirada da órbita com o scanner telescópico. Os homens ao redor estavam impressionados, pois, embora implacáveis, isso não impedia a admiração. Mostrou ainda os locais onde os dois foguetes haviam pousado, aparentemente muito próximos na foto. Quanto à prova, ele só podia mostrar imagens das duas naves no solo. Ele explicou que, sem voar sobre elas – o que não foi possível –, não seria possível mostrar as duas naves na mesma imagem, então teve que mostrá-las separadamente. Pitoyan se deu conta de que tinha sido afortunado por não ter usado uma câmera estereoscópica.

Explicou também como os americanos haviam sugerido uma exploração conjunta do planeta, argumentando que, devido à longa viagem, as duas tripulações eram pequenas demais para a tarefa, e que seria melhor juntar forças. Além disso, queriam recompensar os russos pelo cálculo da órbita. O Presidente olhou reprovadoramente e disse, com um tom sombrio: “Cuidado com os gregos, mesmo quando trazem presentes.” Olhares de aprovação ecoaram na sala. A conversa se desenrolava exatamente como Pitoyan esperava. Ele contou que Bakovsky havia recusado o convite, pois estava claro que o verdadeiro interesse dos americanos era Ilyana. Essa foi uma jogada astuta, pois contava pontos a seu favor que um dos americanos agora tivesse Ilyana. Além disso, Pitoyan sentiu-se confortável para fazer uma alusão ao raciocínio lógico, embora não o expressasse em voz alta: post hoc, propter hoc.

A relação entre os dois campos, o ocidental e o oriental, só piorava. Isso não foi difícil de acreditar para ninguém na mesa. A situação culminou em uma luta, onde os russos estavam severamente em desvantagem, pois ele e Ilyana estavam entre os prisioneiros. Era um confronto entre quatro profissionais contra dois, e embora os russos tivessem dado conta do recado por algum tempo, as mortes de Ivan Kratov e do tripulante Reinbach alteraram a balança. Com a morte de Kratov, os russos ficaram ainda mais em desvantagem. A luta se transformou em uma batalha entre três profissionais experientes contra um, Bakovsky, que estava acompanhado apenas de um cientista inexperiente e uma mulher.

A última gota de água foi quando o braço de Pitoyan foi quebrado em uma queda, o que, por sua vez, se aproximava da verdade, mas não de forma totalmente exata. Então, tiveram que se refugiar na nave, como os troianos haviam feito atrás de seus muros. A história de Pitoyan, agora inspirada pela Grécia antiga, falava sobre como os americanos haviam se aproximado à noite, colocado cordas ao redor da nave e, com a ajuda de um potente guincho, conseguiram derrubá-la. Ele mostrou uma fotografia do foguete inclinado como prova.

Especialistas foram chamados para estudar a foto. A próxima pergunta foi por que não haviam decolado antes, por que haviam permitido que a nave fosse puxada. À primeira vista, parecia tão absurdo quanto uma tartaruga permitindo que a virassem de barriga para cima. Pitoyan então lembrou-lhes que a nave não havia sido desmontada e seria tecnicamente insustentável retornar à Terra com motores desgastados. Isso parecia lógico para os ocidentais. Mas a próxima questão era: por que não haviam desmontado a nave? Agora, Pitoyan tinha total controle da situação. Ele explicou que o constante assédio dos belicistas americanos tornava o trabalho impossível, uma decisão que não foi tomada por ele, mas por Bakovsky.

Com a nave em desequilíbrio, não havia outra opção senão se render. Eles desceram de seus altos postos e se entregaram, sendo levados como prisioneiros para o acampamento americano. Os ocidentais tomaram Ilyana para seus próprios fins. Pitoyan e Bakovsky foram postos em tarefas menores enquanto os americanos desmontavam a nave. Mas o grande Bakovsky, herói da União Soviética, conseguiu esconder uma granada e, sem pensar na própria segurança, a lançou diretamente no rosto dos belicistas. A prova disso foi que o líder deles, Larson, estava morto, e o vice-capitão, o anglo-americano Fawsett, agora estava ferido e sendo tratado em um hospital americano. Pitoyan sentiu que estava exagerando um pouco na história, então se controlou. Havia apenas duas perguntas difíceis restantes.

Por que Ilyana e ele haviam sido levados de volta à Terra? Fiske os trouxe com ele por três razões evidentes: não queria ficar completamente sozinho com o homem mutilado durante os meses de viagem, tinha razões claras para levar Ilyana e, finalmente, precisava de Pitoyan para calcular a órbita para o retorno. Ele estava agora diante da última barreira: por que Fiske não os teria descartado da nave antes de chegarem à Terra? Pitoyan afirmou que, no caso de Ilyana, a explicação estava no fato de os ocidentais serem mestres da depravação, e Ilyana havia caído presa disso. O comportamento dela no dia anterior demonstrava até onde ela tinha caído. Quanto a ele, Pitoyan, as coisas tinham sido difíceis e perigosas. Com o braço quebrado, ele não era páreo para o grande americano, tendo conseguido se salvar apenas com sua astúcia.

Pitoyan pausou por um momento. Agora ele dominava completamente a situação. Explicou o que, provavelmente, todos já haviam percebido: Fiske sabia que a verdade não seria aceitável, nem para seu próprio governo. Então, ele inventou uma história absurda sobre acidentes estranhos no planeta, homens perdidos, falhas nos giroscópios e uma descarga elétrica que teria matado dois de seus tripulantes. Sua única esperança de que fosse acreditado, e que a verdadeira história não viesse à tona, era que seus dois passageiros russos corroborassem a versão. Pitoyan prometeu fazer isso, e Fiske, sendo um homem simples, acreditou nele.

O Refúgio da Paz: Londres e a Nova Ordem Global

A Grã-Bretanha permaneceu tranquila, um refúgio para aqueles que buscavam uma fuga temporária das tensões globais. Para o americano sobrecarregado, o russo ulcerado, o pensamento de passar algumas semanas em Londres se tornara algo incalculavelmente precioso. Era uma Londres diferente daquela que conhecemos. Em Nova York, as máquinas tomavam conta, e em Moscovo, o puritanismo ainda parecia uma presença insuportável, como uma mão morta sobre o povo. Somente em Londres podia-se jantar em paz, onde a solenidade da refeição podia ser seguida por uma peça de teatro que não tinha absolutamente nenhuma importância.

De fato, a Grã-Bretanha, devido à sua atração irresistível para os turistas, experimentou uma prosperidade impressionante. O resto do mundo, especialmente a África, se desintegrava em rivalidades internas, na tentativa de se tornar o ateliê do mundo. As crises financeiras eram desencadeadas uma após a outra, como fileiras de quilles caindo. Porém, os britânicos, assim como os suíços um século antes, emprestavam dinheiro aqui e ali, sempre em condições lucrativas.

Os suíços, por muito tempo mantenedores de uma posição neutra, finalmente abandonaram essa postura e se uniram à Europa. A comunicação por rádio e aviões, acompanhada da prosperidade crescente e do poder europeu, atingiu o que as invasões militares não conseguiram: a ascensão da prestigiada Europa. Os suíços ganharam status ao se aliar ao continente, assim como se casassem com a filha de uma casa nobre.

No entanto, esse processo de aliança não foi isento de consequências. As pequenas organizações internacionais que haviam se estabelecido na Suíça precisaram encontrar novos lares. A Grã-Bretanha logo se apresentou como a escolha mais óbvia. Após tudo, o que era a Grã-Bretanha senão uma balsa flutuando no mar, exposta aos ventos e tempestades, habitada por um povo calmo que seguia seus próprios afazeres sem perceber que o mundo ao seu redor era um lugar sério para se viver? Era o local perfeito para que os secretariados internacionais relocassem suas operações.

O projeto Helios, no entanto, representou algo de maior magnitude. Não era uma questão simples. Sua localização afetaria todas as grandes nações do mundo, e por essa razão não poderia ser estabelecido em qualquer uma delas. O bloco russo-chinês, por exemplo, jamais permitiria que o centro fosse sediado em território do bloco euro-americano, e vice-versa. África, com sua clima quente e industrial, não parecia adequada, e a América do Sul, embora uma possibilidade, não tinha as mesmas atrações que Londres. A localização de Londres, consolidada pelas precedências de outras agências internacionais, acabou prevalecendo. Assim, o Helios foi estabelecido em Harwell.

Com o passar das décadas, os britânicos tentaram uma tímida tentativa de se reintegrar ao complexo de poder global. No início de 2040, a divisão de poderes que antes se estendia de um ponto no Estreito de Bering até o leste da Alemanha refletia a antiga ascensão ocidental nos anos 1990. O Ocidente, representado pelos Estados Unidos e Europa, e o Oriente, com a Rússia e a China, mantinham uma tensão constante, sem desejo de guerra, mas também sem querer abrir mão dessa tensão. Como os cientistas sociais previam, um mundo sem tensão seria um mundo em declínio. A chave estava em viver com essa tensão, sem permitir que ela se liberasse de maneira imprevisível.

Foi então que, há muito tempo, a Rand Corporation, uma organização estratégica, compreendeu que o primeiro passo seria entender as bases de cálculo dos adversários. Quando ambos os lados compreendiam a maneira pela qual o outro fazia suas previsões, a estabilidade poderia ser mantida. No entanto, o problema inicial era o desconhecimento dessa base de cálculos, o que tornava tudo instável. Aos poucos, com muito esforço, se tomou a decisão de realizar encontros regulares entre os planejadores militares e matemáticos de ambos os lados, reuniões que buscavam não apenas alinhar os interesses, mas também garantir que os cálculos e previsões fossem compartilhados.

Esses encontros, que começaram como uma tentativa de diálogo aberto entre as potências, logo se tornaram uma necessidade. O governo britânico, com sua postura neutra, apresentou Londres como o local perfeito para essas reuniões. A ideia de que as discussões se alternassem entre os dois lados foi aceita, mas a escolha de Londres como sede permanente não era viável. Dessa forma, as reuniões começaram a ser realizadas a cada seis meses, alternando entre o Ocidente e o Oriente.

Esse processo de integração das grandes potências, suas disputas e a necessidade constante de negociações à distância, reflete a complexidade das relações internacionais e os esforços para evitar uma guerra devastadora. E, ao mesmo tempo, destaca a função da Grã-Bretanha como um campo de neutralidade, onde as nações poderiam discutir sem estarem fisicamente em guerra.

É importante compreender que as tensões globais não são algo que possa ser dissociado de nossos cálculos, sejam eles financeiros ou militares. O que parecia ser uma simples questão de posicionamento estratégico, na realidade, estava enraizado em questões profundas sobre o equilíbrio de poder global e a manutenção de uma ordem mundial instável.

Em última análise, o que se precisa entender é que as "decisões estratégicas" nem sempre são tomadas por líderes diretamente. São muitas vezes resultados de cálculos longamente realizados, de simulações feitas por cientistas, e de encontros cuidadosamente planejados entre os poderosos. O papel de Londres, e mais ainda o de outros centros de poder global, como o Helios, é garantir que essas tensões possam ser mantidas de forma controlada, sem que o equilíbrio se rompa.