A arte moderna, especialmente a que se aproxima do conceito de decadência, gera uma série de reflexões complexas sobre o papel da arte na sociedade e a sua relação com a realidade. Um dos debates mais acirrados é se devemos considerar a arte que não se encaixa nas categorias tradicionais de realismo como algo decadente ou, pelo contrário, se devemos expandir nossa definição de realismo para incluir essas novas expressões artísticas que desafiam as normas estabelecidas.

Roger Garaudy, filósofo e ensaísta, propõe uma abordagem em que todas as formas de arte são realistas, desde que de alguma forma estejam conectadas à realidade. Para ele, a noção de decadência no campo artístico não deveria ser aceita sem questionamento, pois é muitas vezes usada para excluir obras que são essenciais para entender a complexidade de nosso tempo. Ele afirma que a arte não pode ser reduzida a uma simples reflexão da realidade objetiva, uma visão mecanicista que é, para ele, igualmente fatal para a arte quanto para a ciência. Garaudy argumenta que a arte deve ser vista não como uma cópia da realidade, mas como uma participação ativa na criação do mundo, um reflexo da busca humana por sentido e por expressões mais profundas da existência.

Essa visão de Garaudy se contrapõe à noção clássica de realismo, que se baseia em critérios como a fidelidade aos detalhes e a representação da realidade objetiva, seguindo a linha de autores como Tolstói, Balzac e Repin. Em sua obra "Sobre o Realismo Sem Limites", ele sugere que devemos abrir nossa definição de realismo para incluir obras de artistas como Kafka, Picasso e Saint-John Perse, cujas obras desafiam as convenções tradicionais mas ainda assim representam, de maneira única, as tensões e as ansiedades do mundo contemporâneo.

Garaudy rejeita a visão de que a arte de Kafka e de outros autores modernistas deve ser excluída da tradição realista. Para ele, a arte desses autores deve ser integrada ao conceito de realismo ampliado, pois reflete as profundas crises existenciais e sociais que marcam a modernidade. O que ele propõe é um realismo sem limites, uma arte que não apenas reflete o mundo, mas também interage com ele, buscando novos significados e novas formas de entender a humanidade.

Essa perspectiva ganha contornos mais intensos quando entramos no campo das discussões sobre a decadência na arte moderna. Segundo alguns críticos, como Ernst Fischer, a decadência na arte moderna está intimamente ligada à alienação e ao totalitarismo, sendo uma resposta ao mundo que perdeu seu sentido e lógica. A arte do absurdo, da grotesca e do deforme, segundo Fischer, é a mais adequada para expressar as contradições da nossa era. Essa visão não apenas questiona o valor da arte "decadente", mas também a define como uma forma de arte capaz de captar a desintegração da realidade social e política.

No entanto, essa visão não está livre de controvérsias. Há quem defenda que a verdadeira arte decadente não é aquela que representa a alienação e o absurdo, mas sim aquela que, disfarçada de realismo, enfeita o sistema capitalista em decadência. Ao invés de denunciar a falência da sociedade, essa arte embelleza a realidade, mantendo o status quo e perpetuando a opressão e a desigualdade. Essa crítica à arte burguêsa, ao pseudo-realismo e ao naturalismo que tenta preservar uma fidelidade cega aos detalhes, revela um antagonismo direto entre a arte que busca uma verdade nua e crua e aquela que se submete aos interesses ideológicos dominantes.

Por outro lado, é importante observar que a arte que rejeita o capitalismo de maneira pessimista e individualista muitas vezes não consegue gerar um impacto transformador genuíno. O realismo que nasce do reconhecimento da falência do capitalismo, sem uma visão mais ampla e otimista da possibilidade de mudança, tende a cair em um abismo de niilismo e ceticismo que não contribui para a construção de uma nova sociedade ou de novas formas de arte. A arte que verdadeiramente questiona as estruturas de poder precisa se alinhar com uma visão mais profunda da revolução social, não se limitando a um ato de mera negação.

No caso específico de Kafka, sua obra tem sido objeto de debate constante justamente por sua ambiguidade. Ele não oferece uma visão clara de solução para os problemas que descreve, mas cria um mundo saturado de alienação e ansiedade, onde o indivíduo é frequentemente esmagado por forças impessoais e incontroláveis. A visão de Garaudy sobre Kafka o coloca como um exemplo de realismo sem limites, porque sua obra, apesar de não seguir os critérios tradicionais de realismo, mergulha profundamente nas questões existenciais que caracterizam a crise da modernidade. No entanto, a dificuldade em entender Kafka pode ser vista como um reflexo da própria dificuldade da arte moderna em lidar com um mundo fragmentado e incoerente.

Portanto, para compreender a arte moderna, e em particular a arte que muitos consideram decadente, é essencial ir além das visões simplistas de refletir a realidade ou de embelezá-la. A arte deve ser entendida como um processo contínuo de criação e reinterpretação da realidade, uma busca constante por novas formas de expressar as complexas relações entre o homem e o mundo que o cerca. A decadência, longe de ser um fim, pode ser vista como um estágio de transição, uma forma de arte que, ao confrontar o caos e o absurdo, nos oferece uma chance de reimaginar as possibilidades de transformação e renovação.

Como a Arte Pode Ser Propriedade do Povo: A Revolução Cultural e os Desafios da Arte Socialista

A fórmula "a arte pertence ao povo" nunca foi uma abstração teórica, mas algo de significado profundamente prático, pois indicava o caminho para a criação de uma nova cultura socialista. Essa tarefa surgiu diante da jovem União Soviética praticamente no segundo dia após a vitória da Revolução, sendo uma das questões centrais a superação da ignorância, do atraso e da alfabetização deficiente. Era necessário lançar uma campanha massiva para expandir o conhecimento, a cultura e as conquistas das artes, abrindo os tesouros espirituais da humanidade para as massas. Esse movimento visava elevar as massas a um nível superior de consciência, começando por educá-las e formar uma nova intelligentsia revolucionária, incluindo artistas que seriam os responsáveis por criar a arte da era socialista.

A prática precisava repudiar as teorias dos mencheviques, que afirmavam a "impreparação" da Rússia para a revolução, provando que a revolução socialista poderia, na realidade, abrir possibilidades inéditas para o desenvolvimento intelectual das massas. Sob a orientação direta de Lenin, o partido desenvolveu um plano para a revolução cultural e iniciou a gigantesca tarefa de colocá-lo em prática. A revolução cultural realizada durante os anos pós-revolucionários representou nada menos que a materialização das ideias de Lenin sobre a arte como propriedade do povo. Nesse contexto, a arte socialista encontrou sua "substanciação" na ligação profunda com as massas.

Antes da Revolução de Outubro, Lenin já havia feito previsões sobre a literatura socialista: "Será uma literatura livre, porque a ideia do socialismo e a simpatia com o povo trabalhador, e não a ganância ou o carreirismo, trarão novas forças para suas fileiras. Será uma literatura livre porque servirá, não a alguma heroína saciada, nem aos dez mil 'superiores' entediados, mas aos milhões e milhões de trabalhadores — a flor do país, sua força e seu futuro." O mundo todo reconhece hoje que nossa literatura é um dos fatores mais importantes no desenvolvimento intelectual do homem do século XX. O que ela alcançou só foi possível porque, ao se alinhar com o proletariado, ela passou a refletir a vontade e as aspirações do povo de forma plena. Assim, a profecia de Lenin se concretizou.

O tema "Lenin e a Arte" já foi abordado em numerosos estudos especializados, mas sua inexauribilidade se torna cada vez mais evidente, especialmente ao observarmos a luta ideológica atual e os processos que acontecem na cultura mundial. O desenvolvimento do realismo socialista levanta novas questões, cujas respostas só podem ser encontradas com um estudo mais aprofundado da abordagem de Lenin, adaptada criativamente às realidades contemporâneas. Muitos teóricos marxistas, como Mehring, Lafargue, Plekhanov, Lunacharsky, Vorovsky, Olminsky, Shahumyan, Zetkin, Liebknecht e Gramsci, desempenharam papéis essenciais ao estabelecer as fundações da concepção marxista de afinidade da arte com o povo, enriquecendo nossa percepção teórica sobre o problema.

Gramsci, por exemplo, em seus ensaios sobre a literatura italiana, demonstrou a luta constante contra o fascismo para criar uma arte genuinamente conectada com o povo. Seus reflexões teóricas e observações literárias históricas fornecem importantes contribuições ao problema da arte voltada para as massas, um aspecto que, longe de ser meramente acadêmico, é profundamente ligado a questões ideológicas e políticas. O pensamento de Gramsci sobre os sentimentos "nacionais" de Dostoiévski, sua crítica à "literatura para os humilhados" da Itália e sua comparação entre o aristocratismo de Manzoni e os laços de Tolstói com o povo ilustram as complexas relações entre arte, classe e identidade cultural.

Na União Soviética, o vínculo da arte com o povo foi visto como parte essencial da estética do realismo socialista, uma questão intimamente relacionada com outros problemas fundamentais da criatividade artística. A liberdade criativa, o realismo e o decadentismo, a parcialidade na arte, os diferentes modos de engajamento ideológico, a relação entre o artista e o povo, o herói e o heroísmo, os caminhos para dominar a verdade artística e as tradições realistas que refletem o ponto de vista popular — todos esses temas são cruciais na discussão sobre a arte como propriedade do povo.

É importante destacar que essa afinidade entre a arte e o povo não se restringe a elementos isolados dentro da obra, mas deve ser entendida como um processo global, que permeia todo o trabalho artístico, do início ao fim. Este conceito, em sua essência, é uma abstração estética, que exige métodos de análise abrangentes e uma abordagem holística, que leve em conta as conexões e influências mútuas. No entanto, muitos críticos, acostumados a se basear em normas fixas, têm dificuldade em aceitar a natureza multifacetada e fluida dessa afinidade, considerando-a muitas vezes um "fantasma estético", uma abstração sem forma definida.

A arte, quando verdadeiramente conectada com o povo, não se define por um conjunto rígido de características, mas se revela de maneira variável, dependendo da interpretação do contexto social e político. Sua conexão com as massas não pode ser reduzida a uma simples fórmula ou a um conjunto mecânico de elementos. A arte socialista exige um olhar atento e uma abordagem criativa que transcenda a análise simplista, buscando sempre a compreensão das dinâmicas sociais e culturais que ela representa.

Como a Arte Reflete os Processos Revolucionários: A Affinidade com o Povo e a Verdade na Criação

A análise da obra de um escritor que, de alguma forma, se conecta com a revolução, exige uma consideração cuidadosa de como os eventos históricos cruciais são tratados. A capacidade de um artista de representar fielmente a vida das pessoas, em sintonia com os ideais progressistas de sua época, e a capacidade de recriar as tendências predominantes no mundo a partir de uma posição que reflete os interesses fundamentais do povo, são aspectos essenciais da estética marxista-leninista. Esses aspectos decisivos se tornam ainda mais relevantes quando observamos o tratamento artístico da revolução. A arte, neste contexto, não deve ser vista como algo fixo e definitivo. A revolução, com todas as suas "zigzagues" e contradições, não pode ser abordada de maneira monolítica. É um processo, não um estado, que possui uma lógica própria, que varia de acordo com cada caso específico.

A relação de um artista com a revolução pode se manifestar de diferentes formas. Mesmo um artista que imediatamente se alia à revolução pode enfrentar contradições reais e tensões internas ao tentar compreender e representar artisticamente esse fenômeno. Essas tensões são ainda mais evidentes quando consideramos aqueles que, por razões objetivas e influências de acontecimentos reais, se aproximaram da revolução gradualmente. O processo artístico de compreensão da revolução é, assim, algo vasto e inesgotável, um reflexo da própria dinâmica revolucionária.

Em particular, a Revolução de Outubro criou uma linha de divisão entre os que imediatamente declararam seu apoio irrestrito à revolução e aqueles que se opuseram a ela. Porém, essa divisão não deve ser vista como algo absoluto. De fato, dentro de ambos os campos, havia uma grande diversidade de respostas, muitas das quais transitórias. Aqueles que, por exemplo, representavam a velha intelligentsia democrática, podem ter saúdo a revolução com fidelidade, mas o faziam de uma forma completamente diferente daqueles que, após a Guerra Civil, viam na revolução o início de tudo: a possibilidade de uma nova criação artística, de um novo mundo intelectual e cultural. A adesão à revolução, em suas várias formas, nunca foi homogênea e, muitas vezes, envolveu o enfrentamento de erros e preconceitos antes de alcançar uma verdadeira compreensão do que ela representava.

Esses contrastes também são evidentes entre aqueles que se opuseram à revolução. A linha divisória não era rígida entre todos os que se colocaram contra o novo regime. Havia uma diferença clara entre aqueles que lamentavam amargamente o passado e aqueles que, após passagens no exílio ou outras dificuldades, se viam novamente diante da possibilidade de retornar. O estudo desses contrastes é essencial para compreender a complexidade do fenômeno revolucionário e a relação entre o artista e a revolução. Embora seja importante traçar uma linha entre fenômenos típicos e atípicos, é fundamental também perceber que até os aspectos que inicialmente podem parecer periféricos podem, de fato, refletir tendências centrais do processo revolucionário.

Lenin, ao analisar obras de artistas que não compreendiam a revolução, exemplificou como, mesmo em textos aparentemente distantes ou hostis, é possível extrair a essência de tendências importantes. O estudo de autores como Tolstói ou Averchenko, por exemplo, não deve ser encarado como uma comparação de talentos, mas sim como uma análise metodológica. A relação entre arte e revolução deve ser investigada em toda a sua complexidade, não se limitando apenas aos principais movimentos, mas também levando em conta as exceções e os desvios. Só assim é possível compreender plenamente o impacto da revolução no campo artístico.

Para o artista, a revolução representa a melhor, e insubstituível, escola de afinidade com o povo. Ela surge como o momento decisivo em que o artista se aproxima da realidade revolucionária, despojando-se de preconceitos ideológicos e estéticos que distorcem sua visão. Em meio às transformações históricas, o artista é desafiado a redefinir sua arte, buscando uma conexão mais profunda com os anseios e os conflitos do povo. Esse processo não só amplia sua compreensão do mundo, mas também permite o florescimento genuíno de seu talento.

Ao abordar a relação entre literatura e o povo, os estudiosos costumam destacar dois critérios principais: o envolvimento do escritor com os problemas essenciais da vida do povo e sua capacidade de captar a verdade psicológica implícita no caráter nacional, nos tipos sociais, na linguagem e no cotidiano. Esse enfoque é legítimo, especialmente quando se vê esses aspectos como uma unidade indivisível. No entanto, há uma outra dimensão importante a ser considerada: o grau em que o ideal estético do artista reflete uma afinidade profunda com o povo. Esse ideal se manifesta nas avaliações estéticas e morais do artista, suas ideias sobre o belo e o feio, que são profundamente enraizadas na vida espiritual do povo. Essas ideias determinam a forma como o artista se relaciona com a realidade, moldando não apenas a representação da vida popular, mas também a revelação da verdade do caráter nacional.

Esse vínculo estético entre o artista e o povo é, sem dúvida, um dos critérios mais importantes para compreender a afinidade entre arte e povo na literatura. A obra de um escritor não é apenas uma reflexão dos problemas imediatos de sua época, mas também uma manifestação de sua capacidade de captar, de maneira profunda e verdadeira, as complexas dinâmicas do mundo social e político. No fim, a arte que está em sintonia com o povo, que compreende seus dilemas, suas aspirações e suas lutas, é aquela que possui a maior capacidade de transformação e de influência sobre a história.