As condições que permitiram a distribuição mais dramática de riqueza para cima na história moderna dos Estados Unidos foram moldadas por dois conjuntos coordenados de políticas, os quais alteraram decisivamente a estrutura da sociedade americana. Esses processos, que seguiram por mais de 40 anos com avanços e retrocessos, foram impulsionados por ações governamentais agressivas, apesar da retórica de Ronald Reagan contra Washington. A série de ataques ao estado de bem-estar social foi acompanhada de um tripé de cortes fiscais regressivos, desregulamentação e privatização, constituintes da posição econômica básica dos republicanos nas últimas quatro décadas. Esses elementos, em conjunto, geraram uma massa de eleitores brancos inseguros, ameaçados e irritados, cujo status não mudara por quase duas gerações e cuja angústia material e psicológica passou a ter papel central na política nacional. Incitados por políticos conservadores que culpavam as minorias raciais e imigrantes por sua miséria, esses eleitores passaram a se radicalizar conforme a desigualdade se intensificava, formando a base para o nacionalismo branco explícito de Donald Trump.
Reagan não inventou as condições que possibilitaram seu ataque ao estado de bem-estar social, mas ele estava bem posicionado para tirar proveito delas. Ao final dos anos 1970, um sentimento generalizado de ameaça e de privação fez com que milhões de famílias brancas retirassem seu apoio a um regime liberal que já havia perdido grande parte de sua legitimidade. A ordem moral e econômica à qual essas famílias estavam profundamente ligadas — e da qual haviam se beneficiado materialmente — começava a se desintegrar durante a presidência de Jimmy Carter. O keynesianismo moderado, que havia organizado um período de crescimento, estabilidade e prosperidade, não conseguia mais lidar com a crise dupla de recessão e inflação. A chamada “estagflação” não era suficiente para desmantelar a confiança na economia americana, mas uma série de outros choques, como o boicote árabe ao petróleo, a crise dos reféns no Irã, o esvaziamento do núcleo industrial do país, os distúrbios raciais contínuos e a decadência urbana, minaram a confiança de milhões de eleitores nas estruturas que haviam organizado a política do país por duas gerações.
Esses choques alimentaram a ideia de que o país estava sendo vitimado por forças incontroláveis, o que levou Carter a adotar uma postura de austeridade e desregulamentação, simbolizando o fim da “Era de Ouro” do capitalismo americano. Essas mudanças deram espaço para uma nova direita, que estava finalmente pronta para assumir o poder. Após anos de organização, os conservadores tomaram de assalto o Partido Republicano, e a nomeação de Reagan para a presidência em 1980 representou o fim do longo período de concordância bipartidária sobre a gestão da economia moderna.
Poucos esperavam que um ex-ator se tornasse um presidente tão impactante. Após uma carreira cinematográfica esquecível, Reagan entrou na política nacional com um famoso discurso apoiando a candidatura presidencial de Barry Goldwater e, dois anos depois, obteve êxito na eleição para governador da Califórnia. Sua ascensão se deu na esteira da grande rebelião de Watts, que expôs a falácia de que o fim de Jim Crow no Sul significava também o fim da discriminação racial em outras partes do país. Quando a Guarda Nacional impôs a ordem após cinco dias de violência, o saldo foi de 34 mortos, mais de mil feridos e danos materiais superiores a 200 milhões de dólares. Esse episódio deixou claro que os problemas raciais dos Estados Unidos não estavam confinados ao Sul e que a violência poderia irromper em qualquer lugar. Reagan soube aproveitar a onda de medo gerada por esse levante. Durante sua campanha para governador, ele proclamou: “Nossas ruas da cidade se tornaram trilhas na selva depois do anoitecer”, apontando claramente para a fonte do perigo.
Ao explorar essa oportunidade, Reagan propôs uma legislação para “desatar as mãos dos nossos policiais”, ignorando o fato de que a brutalidade policial foi a causa imediata da Rebelião de Watts e de muitos outros distúrbios urbanos em todo o país. Seu chamado por “lei e ordem” foi uma resposta direta à crescente ansiedade entre os eleitores brancos da Califórnia, muitos dos quais haviam migrado do Sul e do Oeste rural. Assim, Reagan se posicionou de maneira firme contra os movimentos pelos direitos civis, utilizando o medo racial como uma poderosa ferramenta política.
Essa estratégia funcionou, e Reagan foi eleito governador, com base no apoio de uma classe trabalhadora branca e conservadora, cuja lealdade ao liberalismo racial estava sendo desafiada pela expansão dos direitos civis. Sua postura conservadora e de defesa da segregação residencial e do “law and order” agradou a esses eleitores, que viam em sua figura a promessa de restaurar uma ordem que sentiam ameaçada.
Além disso, Reagan representou a ascensão de um movimento conservador que, ao longo dos anos 1960 e 1970, se distanciou do legado de seus pais progressistas, os quais apoiavam os direitos civis e o New Deal. Ao longo de sua trajetória, Reagan foi se afastando das ideias de esquerda, tornando-se um firme anticomunista e, mais tarde, um crítico do New Deal e das políticas de bem-estar social, algo que contradizia suas raízes familiares. A questão racial, como se viu, foi um trampolim para a sua carreira política, aproveitando um contexto social e econômico conturbado para se posicionar como líder de um novo movimento conservador.
Esse panorama da ascensão de Reagan e das políticas que implementou traz à tona uma questão fundamental: como um movimento conservador conseguiu se consolidar a partir do medo e da divisão, moldando a política americana nas décadas seguintes. O papel de Reagan como um pioneiro dessa transformação política não pode ser subestimado. Suas políticas econômicas e sociais não apenas mudaram o curso da história americana, mas também deram origem a um novo paradigma de gestão da economia e da sociedade, cujas consequências ainda reverberam.
A Ascensão de uma Nova Ordem: O Impacto da Desestruturação Cultural e a Luta pela Identidade Nacional nos EUA
Nos últimos anos, a sociedade americana tem sido marcada por um crescente enfraquecimento dos laços que sustentam a coesão social e garantem proteção ao indivíduo. A desreligiosidade que permeia o Ocidente e a perda de valores tradicionais têm sido amplificadas por políticas e atitudes que desafiam a natureza histórica e cultural dos Estados Unidos. Dentre as forças que impulsionam essa mudança, os Democratas são frequentemente apontados como os principais agentes dessa transformação. Nesse contexto, os Republicanos têm a missão de restaurar o país, mas, para isso, é necessário que se adaptem às novas demandas da sociedade. A solução proposta por figuras como Buchanan é clara: é preciso fazer a defesa do controle da imigração, da fé religiosa, da rejeição do relativismo cultural, da preservação da soberania americana e da revitalização da economia manufatureira.
Buchanan argumenta que a moralidade, a fé e a cultura estão em risco e que a solução seria um enfrentamento direto contra questões como o aborto, o casamento gay, a pornografia, a bandeira confederada e outros elementos que ele considera símbolos de um conflito cultural crescente. Valores patrióticos, de acordo com essa linha de pensamento, devem ser restaurados, com ênfase na grandeza americana e na encorajamento das mulheres brancas a terem filhos, colocando as necessidades da coletividade acima das preferências individuais.
O cerne dessa visão é um nacionalismo branco que acusa a perda de identidade e a erosão da cultura tradicional, com a crescente pressão de minorias e a desconstrução dos valores fundadores da nação. A política de preferências raciais, a ação afirmativa e a discriminação reversa são vistos como fatores que enfraquecem a coesão social e exacerbam as divisões raciais. Segundo essa perspectiva, os homens brancos são as principais vítimas desse sistema, sendo alvo de abusos por parte de acadêmicos, jornalistas e movimentos feministas. Essa retórica se aprofunda ainda mais na construção de um inimigo comum: as minorias que, supostamente, minam a unidade nacional ao se beneficiar de políticas de identidade, muitas vezes à custa da população branca.
Essa análise encontra ecos no movimento que culminou na candidatura de Donald Trump, que, mesmo antes de sua ascensão política, já estava sendo antecipada por figuras como Buchanan. A fusão entre animosidade racial e hostilidade à imigração forma a espinha dorsal de um diagnóstico e de uma proposta política para o que seria, segundo esses críticos, a decadência da civilização ocidental. Para esses defensores do "America First", a resposta está na restauração do que consideram ser os verdadeiros princípios de grandeza do país.
Buchanan e outros pensadores de sua linha argumentam que, para combater o que consideram ser uma crise existencial, é necessário fortalecer o governo central, desde que esteja sob uma liderança que compartilhe desses valores conservadores. A experiência de Buchanan na política, em especial seu trabalho como consultor e redator de discursos para presidentes como Nixon, Ford e Reagan, conferiu-lhe uma visão pragmática do poder político. Embora contrário a muitas políticas de intervenção externa e ao estado de bem-estar social, ele via o governo como uma ferramenta necessária para impor códigos morais tradicionais e para reverter a decadência moral e cultural do país.
O impacto da crise econômica de 2008, da qual muitos americanos ainda não se recuperaram, fez com que figuras como Barack Obama, inicialmente abraçadas como agentes de mudança, acabassem se alinhando com as mesmas instituições responsáveis pela criação da crise. Em vez de corrigir as falhas do sistema, Obama manteve os mesmos elos de poder que haviam levado o país à recessão, perpetuando uma sensação de injustiça entre a população que se sentia abandonada.
Esse cenário gerou um terreno fértil para o surgimento do Tea Party, um movimento popular que, embora não tenha sido o foco central das eleições presidenciais, trouxe à tona temas de desilusão, perda e a sensação de que a classe média branca estava sendo descartada. A retórica do Tea Party é marcada por um forte desapreço pelas intervenções do governo federal, especialmente em áreas como a saúde, a educação e o meio ambiente. O movimento também manifestou uma resistência feroz à ideia de um governo que redistribui recursos para as classes mais baixas, o que se tornou um dos pontos centrais de oposição ao Obamacare.
Em grande parte, as preocupações do Tea Party refletem uma visão racializada da "merecimento", um conceito que, em sua essência, sugere que os problemas sociais e econômicos são atribuídos à falha moral de certos grupos, principalmente as minorias. Para muitos apoiadores dessa ideologia, as minorias são vistas como beneficiárias de um sistema que premia comportamentos considerados indesejáveis, enquanto as classes brancas e trabalhadoras se veem como as grandes vítimas dessa redistribuição de riqueza e direitos.
É crucial entender que, em meio a essa turbulência política e social, a narrativa sobre a perda da identidade nacional e a ascensão de um nacionalismo branco não são apenas reações a mudanças políticas ou culturais, mas sim manifestações de uma crise mais profunda daquilo que muitos consideram ser a essência da grandeza americana. A defesa da tradição, da cultura e da fé é vista como um remédio contra o que é percebido como a desintegração daquilo que torna os Estados Unidos um país único.
Como o Nacionalismo Branco e a Ansiedade Cultural Impulsionaram a Eleição de Trump
A eleição de Donald Trump em 2016 não foi um evento isolado, mas a culminação de uma série de fatores históricos, econômicos e culturais profundamente enraizados na sociedade americana. A figura de Trump emergiu como um porta-voz de uma grande parcela da população que se via ameaçada pelas mudanças demográficas e culturais, principalmente a ascensão de uma sociedade mais diversa e cosmopolita. Esse fenômeno pode ser compreendido como uma reação à percepção de que a América tradicional estava em declínio, e que a identidade branca cristã, vista por muitos como o alicerce da nação, estava sendo corroída.
Em sua essência, a base de apoio de Trump era alimentada por uma combinação de frustração econômica, ressentimento racial e uma profunda ansiedade cultural. Estes elementos se entrelaçaram de maneira complexa, criando um caldo de insatisfação que foi instrumentalizado pela campanha de Trump. A promessa de restaurar uma "América grande novamente" ressoou profundamente em muitas pequenas cidades e áreas rurais, onde as pessoas se sentiram marginalizadas pelos avanços do multiculturalismo e da globalização. Trump, com sua retórica agressiva e suas promessas de reverter o curso de uma América em crise, soube capturar essa raiva e transformá-la em um movimento político.
Essa dinâmica não é uma invenção do século XXI. Historicamente, os primeiros fundadores dos Estados Unidos viam a brancura como um requisito para a cidadania virtuosa e independente. Ideias de colonização antebellum estavam fundamentadas na crença de que negros não podiam coexistir ao lado de brancos como plenos membros da sociedade. Ao longo do tempo, as políticas de imigração do país refletiram essas crenças, com restrições direcionadas a diversos grupos não brancos. O país foi, por muito tempo, caracterizado como uma "terra do homem branco", e a construção dessa identidade racial foi central para sua fundação.
Quando Trump apareceu na cena política, ele não criou um novo discurso, mas reciclou um sentimento profundamente enraizado na história racial dos Estados Unidos. Ele não apenas resgatou uma ideologia voltada para os negros, mas expandiu suas implicações para incluir outros grupos, principalmente imigrantes, muçulmanos e outros "outros" culturais. Essa reconfiguração da hostilidade racial foi alimentada por um sentimento de vulnerabilidade branca, histórico ressentimento racial, uma crise econômica contínua e a ansiedade sobre as mudanças demográficas. Essa combinação se manifestou de forma explícita durante a campanha de 2016, quando Trump e seus apoiadores viram nas novas configurações da sociedade americana uma ameaça existencial à civilização branca.
O discurso de Trump, repleto de denúncias contra imigrantes ilegais, celebrações de terroristas por muçulmanos e a criminalização de comunidades negras, construiu uma narrativa de uma América branca ameaçada por uma invasão cultural e demográfica. Sua posse foi marcada por um discurso sombrio, um alerta sobre a decadência da sociedade e a necessidade urgente de ação para reverter as crises de décadas. O público que o elegeu se viu refletido nesse discurso, onde seus medos, raivas e ressentimentos foram validados e amplificados.
Ao contrário de seus predecessores republicanos, que focavam em políticas fiscais e econômicas, Trump se tornou a voz de uma nova era, onde questões culturais e identitárias passaram a ocupar o centro do debate. A agenda republicana não mais se baseava apenas na redução de impostos ou na desregulamentação, mas se viu moldada por temas como raça, imigração, aborto e religião. A ascensão do Tea Party, a hostilidade contra Obama e o crescente desdém pela política tradicional fizeram da candidatura de Trump uma resposta direta a um vácuo político, onde a velha guarda do Partido Republicano não conseguia compreender e, muito menos, articular as angústias de sua base.
Trump, com sua postura combativa e suas promessas de "fazer a América grande novamente", conseguiu preencher esse vácuo. Ele sabia, melhor que ninguém, que a verdadeira força de sua campanha não estava em uma agenda fiscal ou em uma reforma política, mas na habilidade de expressar e, mais importante, amplificar a frustração de uma parte significativa da população que sentia que estava perdendo o controle sobre sua própria identidade e seu futuro.
A transformação do Partido Republicano sob a liderança de Trump reflete mais do que uma mudança na política partidária. Ela indica uma redefinição do que significa ser americano, marcada por uma agenda de nacionalismo e xenofobia, onde a identidade branca ocupa um lugar central. Esse movimento não pode ser entendido apenas como uma resposta à crise econômica de 2008, mas como uma revolta cultural contra as transformações da sociedade americana, especialmente aquelas relacionadas à raça, imigração e secularização.
Neste cenário, a ascensão de Trump não representa apenas a eleição de um líder, mas o triunfo de uma narrativa que coloca a identidade branca em um pedestal de vulnerabilidade, em uma luta desesperada para reverter o que muitos consideram ser a "decadência" da nação. O que foi apresentado como uma luta pela recuperação de uma América "verdadeira" tornou-se um reflexo das tensões raciais e culturais que continuam a moldar a política e a sociedade dos Estados Unidos.

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