O amor, mesmo em sua intimidade mais delicada, sempre esteve profundamente vinculado ao estado moral do mundo em que floresce. Na era capitalista, onde os segredos do sexo foram completamente expostos e as bases espirituais e morais do homem despedaçadas por um utilitarismo cruel, o amor resiste, como uma força que transcende a simples existência. Apesar da degradação da sexualidade, explorada e mercantilizada até a exaustão, surge um fenômeno novo e inesperado: uma espiritualidade renovada, uma ternura inédita, uma compaixão e uma tristeza que conferem ao amor um caráter quase imortal. Dizer "eu te amo" tornou-se uma afirmação contra a mortalidade, uma promessa de eternidade. Para Dante, um simples gesto de reverência a Beatriz era a culminância da bem-aventurança; para Petrarca, ver um gesto nu de Laura provocava um abalo profundo; para Stendhal, a felicidade residia em um aperto de mão. O amor é assim o triunfo contra o nada.
Contudo, esse triunfo não ocorre sem suas dores. O amor convive com a hostilidade do ciúme, a dor das perdas, a melancolia das circunstâncias históricas e pessoais, como aqueles cuja juventude foi marcada por guerras e sofrimento. É nessa tensão entre alegria e ferida que o amor se manifesta em sua forma mais genuína.
Ao lado dessa dimensão do amor, há também a lembrança viva da música, daquilo que conecta o humano ao cosmos. A música do órgão, especialmente a execução de uma toccata de Bach, revela-se como uma experiência cósmica e humana ao mesmo tempo — uma conexão profunda entre a vastidão do universo e as pequenas alegrias simples da vida cotidiana. O som da música antiga ecoa entre pedras centenárias, tornando o ambiente uma ponte entre o sagrado e o terreno, entre o passado lendário e o presente mundano. Este momento de comunhão traz uma sensação física do bem que há na vida, reforçando que a espiritualidade está intrinsecamente ligada às experiências sensoriais e às emoções humanas mais básicas.
A infância, por sua vez, é palco onde os mitos antigos despertam sentimentos complexos, tanto de admiração quanto de repulsa. Os deuses da antiguidade, com sua grandiosidade e crueldade, não eram figuras de amor, mas de poder e castigo. A história de Arachne, punida severamente por competir com uma deusa em arte, revela um universo onde a divindade busca manter sua supremacia por meio da desumanização e da punição. Essa crueldade, embora repulsiva, pode ser compreendida, pois revela a dinâmica de poder e a impossibilidade da igualdade entre mortais e deuses.
Da mesma forma, Dionísio, deus do vinho e da festa, mostra uma faceta diferente de violência, movida pelo impulso e pela falta de controle, revelando um caos que também humilha e degrada, mesmo que num tom menos calculado. Artemis, ao transformar Acteão em cervo, segue o mesmo caminho de rebaixar o homem a uma condição inferior, demonstrando que os deuses pagãos em geral não desejavam humanizar o mundo, pois isso diminuiria seu domínio.
Apollo, contudo, desperta uma reverência diferente. Seu castigo a Marsyas, marcado pela crueldade extrema de despelar o satírico vivo, transcende a compreensão infantil, introduzindo uma dimensão de dor física imensa, incomensurável. Ainda assim, mesmo nesse sofrimento brutal, há uma arte que não cessa — a música de Marsyas, interrompida tragicamente, simboliza a persistência da beleza e da criação apesar do sofrimento.
Esses mitos revelam que a experiência humana está permeada de dualidades: amor e crueldade, criação e destruição, espiritualidade e sofrimento. A compreensão desses elementos ajuda a reconhecer que a vida, mesmo em sua dureza, carrega um potencial inato de transcendência e conexão profunda, seja pelo amor, pela arte, ou pela música.
Além do que foi exposto, é fundamental perceber que o amor e a espiritualidade não existem isolados da realidade social e histórica. A influência do contexto capitalista, a mercantilização do corpo, e a perda de valores morais criam desafios que exigem uma resiliência profunda. Essa resistência é também uma forma de contestação, uma resposta vital à desumanização contemporânea. O leitor deve entender que as emoções humanas, mesmo nas suas manifestações mais íntimas, são reflexos e reações a forças muito maiores, que operam no nível cultural, econômico e simbólico. Assim, o amor, a dor, a música e os mitos devem ser vistos como elementos interligados de uma grande tapeçaria que compõe a experiência humana, uma tapeçaria marcada pela luta constante entre o efêmero e o eterno.
Como a Verdade e o Ouro se Transformam: O Mistério dos Alquimistas e o Desejo de Imortalidade
O milagre da imortalidade humana é eterno, e a morte, como sempre foi entendida, não tem o poder de apagar a existência do homem. Nem a cicuta, nem as chamas dos inquisidores, nem as execuções nos muros de Pere la Chaise, nem o exílio tsarista, nem o trabalho forçado, nem as fornalhas de Auschwitz, conseguiram matar o espírito humano. Como um garoto de quinze anos escreveu com clareza: "Na noite passada, descobri uma grande verdade. Ninguém morreu. E ninguém morrerá. Nunca." Uma verdade que reverbera no profundo, inquebrantável desejo de compreensão da vida, da morte e do além.
Certo noite, enquanto caminhava por entre pinheiros negros e bétulas brancas cintilantes, que pareciam quase incorpóreas sob o céu sem lua, vi um espetáculo imenso: o céu, carregado de estrelas, era tão escuro e pesado quanto as árvores ao redor. A noite se movia comigo. As árvores estavam paradas, mas as constelações dançavam suavemente acima da floresta. O céu, em sua vastidão, parecia mudar constantemente, e eu, observador, não pude deixar de ser lembrado de um dos meus mais antigos desejos: unir os espíritos afins de diferentes épocas para que, apesar das diferenças temporais, pudessem conversar e se compreender. Ao olhar para aquelas constelações, minhas constelações, e sentir a alegria de perceber que todas estavam ali para mim, fiquei parado, observando, como se o céu também estivesse ali, aguardando.
Esse contato com o eterno é representado por figuras como Bernard Trevisan, um alquimista que, ao morrer na ilha de Rodes, proferiu uma verdade que, em sua simplicidade, carrega uma carga de profundidade. Ele disse: "Para fazer ouro, deve-se começar com o ouro." Parece simples, mas essa frase, proferida à beira da morte, tem uma densidade existencial que ecoa por séculos. O que Bernard buscava não era apenas a riqueza material, mas o retorno ao perdido, o resgate do impossível, o desejo de alcançar o que se considera transcendental.
Trevisan nasceu no início do século XV, na cidade italiana de Pádua. Quando pequeno, seu avô lhe contava sobre as buscas dos alquimistas por uma substância secreta capaz de transformar metais em ouro puro. Esta substância, conhecida por diversos nomes como "pedra filosofal" ou "grande elixir", era descrita como um remédio universal, uma solução de imortalidade que poderia curar doenças, trazer juventude eterna e até a vida sem fim. Os antigos egípcios, segundo as lendas, haviam descoberto o segredo de fazer ouro a partir de metais comuns, e textos que descreviam esses segredos existiam, mas foram destruídos pelo imperador Diocleciano no século III d.C., temendo que o ouro produzido pelos alquimistas desvalorizasse o tesouro do império romano.
Durante séculos, alquimistas buscaram incessantemente essa substância misteriosa, investindo suas vidas em experimentos, noites sem sono e laboratórios envoltos em uma aura de lenda. Trevisan, como muitos antes dele, acreditava que ele poderia recuperar essa arte perdida. Sua busca começou com sonhos infantis de riqueza e tesouros, mas ao longo dos anos, esses sonhos deram lugar a uma obsessão pela busca do ouro não como um mero metal, mas como algo vivo, algo a ser cultivado e cuidado como uma planta rara que brotava de solo árido e rochoso.
A busca de Bernard não era apenas pelo ouro, mas por algo mais profundo. Aos 70 anos, já um homem pobre, mendigo e solitário, ele ainda acreditava no milagre do ouro, mas com uma visão distinta. Para ele, o ouro era mais do que apenas um recurso material: ele via o ouro como uma árvore de infância, algo intangível e transcendente. O ouro não era apenas uma metáfora para riqueza, mas uma representação de um processo de evolução e transformação da matéria.
Ele não estava sozinho em sua época. O Renascimento estava em ascensão, trazendo consigo uma nova atitude em relação à vida, uma sede por beleza e conhecimento. Como outros homens e mulheres de sua época, Trevisan procurava resgatar o antigo, o perdido, o que as civilizações anteriores haviam descoberto e que, com o tempo, parecia ter se perdido. Nesse período, homens e mulheres com uma visão artística e científica se viam imersos na busca por entender e recriar o mundo de maneiras que refletiam tanto os mistérios da vida quanto da natureza.
A figura de Bernard Trevisan é emblemática desse momento de transição, em que os alquimistas se viam como mestres de um conhecimento oculto, capazes de manipular as leis naturais para alcançar o impossível. Ele acreditava que o ouro não era criado de maneira instantânea, mas evoluía ao longo do tempo, assim como uma planta que cresce lentamente, desenvolvendo-se a partir de sementes lançadas no início dos tempos.
Em uma época em que o desejo de transcender os limites humanos e compreender os mistérios do universo estavam no auge, Trevisan representava um homem que acreditava na alquimia não apenas como uma ciência de transformação de materiais, mas como uma metáfora para a transformação humana. Sua busca por ouro, sua devoção à ciência e à arte, sua ligação com a natureza e com os mistérios do cosmos o tornaram não apenas um alquimista, mas um pensador do seu tempo, alguém que procurava conectar o visível e o invisível, o material e o imaterial.
Esse desejo de transformação, de buscar o impossível, é algo que ainda ecoa nos dias de hoje. A busca por respostas, pela superação das limitações humanas, continua a nos fascinar. O ouro, nesse contexto, deixa de ser apenas um metal precioso e passa a ser um símbolo das infinitas possibilidades de crescimento e evolução, não apenas da matéria, mas também do espírito.
Qual o segredo por trás da busca pela perfeição e da transmutação?
Era uma obsessão. A busca incessante, o desejo de descobrir o segredo do crescimento, da ascensão à perfeição. Se soubéssemos como alcançar isso, com sua ajuda, poderíamos obter grandes tesouros—diamantes, ouro. Não se tratava apenas de um metal, mas de algo mais profundo, um mistério universal. O desenvolvimento do homem, assim como o do ouro, era parte da grande obra do Cosmos. Se houvesse uma maneira de fazer o ouro surgir de uma substância comum, como o estanho, em um tempo infinitamente mais curto do que os mil anos normalmente sugeridos... Talvez fosse possível. Mas ele não ousava pensar nisso por completo. Contudo, o sonho da perfeição do mundo o atormentava em longas e insones noites, enquanto realizava experimentos com substâncias cada vez mais fantásticas em seu laboratório.
Trevisan não conhecia limites para sua paciência. Dissolvia e cristalizava minerais, tentava com sais naturais. Experimentava dezenas de vezes com alúmen, vitriol azul e diversas substâncias vegetais e animais—ervas, flores, esterco, manteiga... Não havia nada que ele não tentasse cozinhar, derreter, queimar, limpar ou evaporar. E, no entanto, a sorte nunca sorria para ele. Mas não perdia a esperança. Continuava, sempre, criando novos elixires em seus queimadores e murmurava para si mesmo: "Do imperfeito ao perfeito; o ouro é o metal mais perfeito e o homem é o ser mais nobre." Vemos ele, já um homem envelhecido, em um laboratório pequeno e sombrio, cozinhando dois mil ovos de galinha em uma grande panela de água fervente. Após o cozimento, cuidadosamente retira as cascas, coleta-as e as aquece até que se tornem brancas como a neve. Uma assistente separa as claras das gemas e mistura-as com esterco de cavalos brancos. Era o oitavo ano dessa experimentação, em busca do solvente universal, o segredo da pedra filosofal—com o qual esperava completar, em poucas horas e dias, a grande obra que levaria mil anos para ser consumada.
Durante esses oito anos de experimentos monótonos, o ouro novamente escapou de suas mãos. Mas isso não enfraqueceu seu espírito, nem sua crença no sucesso. "Eu encontrarei a semente que crescerá em grandes colheitas de ouro..." Natureza gera o imperfeito para, então, gerar o perfeito. E quem não vê, na prática diária da arte, como ela pode criar abelhas, vespas, besouros e hornetos a partir de cadáveres e esterco? Criaturas vivas, muito mais perfeitas do que os metais. Mesmo diante de falhas sucessivas, Trevisan não parava de experimentar, e suas forças não o abandonavam. Seu dinheiro havia acabado, estava envelhecendo, mas o fogo que ardera em seu peito desde a juventude ainda não se apagava. Ele experimentava com os mais diversos espíritos. "Três vezes dez vezes, Bernard Trevisan retificou o álcool até que, como dizia, não conseguia mais encontrar copos fortes o suficiente para contê-lo." Faminto, ele continuava, e seu laboratório já parecia uma masmorra. Por quinze anos ele continuou nesse caminho, até que se convenceu de que não encontraria a pedra filosofal ali. Então, acreditando que o segredo estava no sal do mar, mudou seu laboratório para as margens do Mar Báltico. Passou mais de um ano destilando sal do mar noite e dia, acreditando que ainda poderia obter a pedra filosofal a partir dele. Quando não restou mais nenhuma esperança, não se entregou ao desespero, mas seguiu em busca de uma nova pista: dissolver prata e mercúrio em uma mistura de ácidos fortes e água régia, e então, combinando as soluções, agitá-las ao ar livre, ao sol. "Pois o sol, agindo dentro da terra, forma os metais", argumentava. "O ouro não seria apenas os raios do sol condensados em um sólido amarelo? Os metais não crescem como vegetais? Não se sabe de minas fechadas para dar a oportunidade aos metais de crescerem?"
Agora, ele parecia um bom mago de uma história infantil. Sentado às margens do mar, enchia frascos com um fluido mágico, esperando um milagre. E, como na infância, eu desejava que o milagre acontecesse, como naquelas histórias inventadas, onde heróis finalmente conquistavam tudo o que buscavam. "Cresçam, árvores—cresçam antes que minha madrasta má me alcance! Caiam, muros da prisão! Abra-se, sésamo! Cresça o ouro, no pobre caldeirão de Bernard!" Mas não cresceu. Bernard Trevisan, já com mais de cinquenta anos, decidiu buscar outros alquimistas que tivessem mais sucesso do que ele. Viajou por toda a Alemanha, Espanha e França, visitou laboratórios secretos e conversou com aqueles que, como ele, procuravam o absoluto. O que falavam, contudo, era algo estranho: "O que está abaixo é como o que está acima, e o que está acima é como o que está abaixo..." "Não foram Jasão e os Argonautas em busca do Velocino de Ouro, que nada mais era do que um livro de alquimia feito de pele de ovelha?" "O pai disso é o sol, e a mãe disso é a lua, o vento o carrega em seu ventre, e a terra o amamenta... Por ele, este mundo foi formado." Para esses alquimistas, o ouro, o verdadeiro segredo, estava em algo muito mais profundo do que simples elementos materiais. Eles viam a união no cosmos, uma lei misteriosa que regia o nível mais alto de existência e o poder manifestado no ápice de seu desenvolvimento. O segredo da pedra filosofal estava no domínio dessa força universal que permeava todas as coisas.
Com o tempo, Trevisan viajou para o Oriente, em busca de manuscritos milenares em Alexandria, na esperança de encontrar o perdido segredo da pedra filosofal. Passou quatro anos nesse estudo e, ainda assim, não encontrou o manuscrito desejado. Mas o que o alimentava não era apenas a busca pelo ouro, mas a afirmação de que o absoluto, o poder universal, estava ao alcance de suas mãos.

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