A cirurgia de evacuação do trato de saída do ventrículo esquerdo (LVOT) em crianças com rhabdomioma cardíaco é um procedimento complexo que exige uma gestão cuidadosa, especialmente no que diz respeito à anestesia e controle hemodinâmico. O rhabdomioma cardíaco, embora benigno, pode causar obstrução do fluxo sanguíneo, arritmias e outros sintomas cardíacos graves, sendo, portanto, uma condição que frequentemente demanda intervenção cirúrgica. A abordagem anestésica e perioperatória é essencial para garantir a estabilidade hemodinâmica durante todo o procedimento, desde a indução até a recuperação.

No caso descrito, a cirurgia durou 140 minutos, com 42 minutos de circulação extracorpórea (CEC) normotérmica e 19 minutos de clampagem da aorta. A gestão anestésica foi focada na estabilização da pressão arterial e manutenção da contratilidade miocárdica, com o uso de dopamina e epinefrina logo após a liberação da pinça de veia cava. A monitorização constante foi realizada com ECG, pressão arterial não invasiva, SpO2 e outras medições essenciais. A indução anestésica foi realizada com medicamentos como midazolam, etomidato, sufentanil e rocurônio, com a profundidade da intubação endotraqueal determinada por laringoscopia direta.

A principal preocupação durante a anestesia em pacientes com rhabdomioma cardíaco é o risco de obstrução do fluxo sanguíneo, particularmente no LVOT, que pode ser agravado pela presença do tumor. O rhabdomioma, que pode ser multifocal, forma massas nodulares de cores cinza a amareladas que penetram profundamente no tecido miocárdico e podem protruir nas câmaras cardíacas. A obstrução pode afetar a válvula ou os orifícios das válvulas, impactando significativamente a função cardíaca.

Durante o pós-operatório, a vigilância intensiva foi necessária. O paciente foi transferido para a Unidade de Terapia Intensiva Cardíaca (CICU) com monitoramento contínuo da pressão arterial, ECG e SpO2. O tubo endotraqueal foi removido no segundo dia após a cirurgia, e o paciente recebeu alta do CICU no quinto dia, antes de ser liberado do hospital no oitavo dia após o procedimento.

É importante destacar que o diagnóstico de rhabdomioma cardíaco pode ser feito ainda no período fetal, e muitos casos são descobertos antes do nascimento. No entanto, o prognóstico varia conforme a localização e o tamanho do tumor. Rhabdomiomas pequenos e assintomáticos podem não necessitar de intervenção cirúrgica, enquanto os maiores, que causam obstrução significativa do fluxo sanguíneo ou afetam a função valvular, frequentemente exigem remoção. A decisão de operar depende da gravidade dos sintomas e da condição clínica do paciente, com a cirurgia buscando aliviar os sintomas obstrutivos, preservar a função ventricular e valvular e evitar danos ao sistema de condução.

Em termos de prognóstico, a maioria dos pacientes com rhabdomioma cardíaco apresenta uma boa recuperação após a remoção do tumor, especialmente quando o tumor é localizado no LVOT. Contudo, em casos onde o tumor está associado a complicações maiores, como envolvimento das artérias coronárias ou do sistema de condução cardíaca, a cirurgia pode ser mais difícil e os resultados menos favoráveis. Além disso, mesmo após a remoção, o acompanhamento a longo prazo é essencial para monitorar a possibilidade de recidivas e complicações cardíacas subsequentes.

Adicionalmente, deve-se observar que nem todos os pacientes com rhabdomioma cardíaco necessitam de cirurgia, especialmente aqueles sem sintomas clínicos significativos. A abordagem conservadora pode ser mais apropriada em muitos casos, com acompanhamento regular para avaliar mudanças no tamanho do tumor e quaisquer sinais de obstrução ou disfunção cardíaca.

Como manejar a anestesia em crianças com cardiopatias congênitas e infecção respiratória recente?

Crianças com cardiopatias congênitas (CC) apresentam maior incidência de infecção do trato respiratório superior (IVAS) em comparação com a população pediátrica geral. Essa suscetibilidade é explicada por uma combinação de fatores como fluxo pulmonar aumentado, idade precoce e imunidade ainda imatura. Em bebês, a frequência de IVAS pode atingir seis a sete episódios por ano. Ainda que os sintomas aparentes da IVAS tenham desaparecido, a hiperreatividade da via aérea pode persistir, elevando significativamente o risco de eventos respiratórios adversos no perioperatório (PRAE). Essa condição exige um planejamento anestésico rigoroso, mesmo em intervenções minimamente invasivas como o fechamento transcateter de defeitos septais.

O caso específico de uma criança de dois anos com diagnóstico ecocardiográfico de comunicação interventricular perimembranosa, submetida a fechamento transcateter sob anestesia geral, ilustra os desafios dessa abordagem. Uma semana antes da cirurgia, apresentou febre (pico de 38,6 °C), espirros, coriza clara e tosse noturna e matinal sem produção de escarro. Embora os sintomas tenham regredido após o uso de antipiréticos, o risco anestésico persistia. A avaliação física revelou ausência de cianose, sons respiratórios ásperos sem estertores, sopro cardíaco sistólico grau III/VI no precórdio, e parâmetros vitais dentro de limites toleráveis. O raio-X torácico mostrou aumento da área cardíaca e acentuação da trama vascular pulmonar, compatível com o diagnóstico de CC com hiperfluxo. A função ventricular esquerda estava preservada, com fração de ejeção de 55%.

Para a indução anestésica, adotou-se uma abordagem cuidadosamente titulada: jejum pré-operatório adequado (6 horas para sólidos, 2 para líquidos claros), nebulização com budesonida e administração intranasal de dexmedetomidina (2,0 μg/kg) 30 minutos antes da entrada na sala, visando reduzir a hiperreatividade brônquica. A indução venosa foi realizada com propofol (3 mg/kg), sufentanil (0,3 μg/kg), atropina (0,01 mg/kg) e dexametasona (2,5 mg). Em vez da intubação orotraqueal, optou-se por máscara laríngea (tamanho 2), o que reduziu o estímulo sobre as vias aéreas.

Durante o procedimento, a manutenção anestésica foi feita com sevoflurano (1,0–1,2 MAC) e fração inspirada de oxigênio a 50%. O procedimento durou cerca de 60 minutos, sem instabilidade hemodinâmica relevante. A extubação sob plano anestésico profundo foi realizada com sucesso, embora tenha ocorrido obstrução de via aérea superior secundária à queda da língua, resolvida com inserção de cânula orofaríngea. O paciente foi encaminhado ao quarto após recuperação anestésica adequada (Aldrete >8) e seguiu assintomático, com boa saturação em ar ambiente e ausência de efeitos adversos relatados.

A gestão anestésica em tais casos exige conhecimento aprofundado sobre a fisiopatologia da IVAS em crianças com CC. A manipulação anestésica deve priorizar a estabilidade hemodinâmica, o controle da resposta inflamatória e a minimização da estimulação traqueobrônquica. O uso de agentes com menor impacto cardiovascular, como etomidato, sufentanil e sevoflurano, aliados a estratégias como titulação lenta e vigilância contínua da profundidade anestésica, reduz significativamente os riscos de arritmias, broncoespasmo e dessaturações.

Em procedimentos como a valvuloplastia pulmonar com balão, outro exemplo clínico relevante, a manipulação hemodinâmica é ainda mais delicada. A dilatação do balão pode levar à obstrução temporária do fluxo sanguíneo pulmonar, com consequente redução de ETCO₂, dessaturação e até bradicardia. A deflação do balão reverte progressivamente esses parâmetros, o que exige do anestesista monitoramento constante e resposta imediata. Em tais situações, a manutenção da ETCO₂ entre 45–50 mmHg por ajustes ventilatórios é crucial para evitar acidose respiratória e instabilidade cardiovascular. Eventuais alterações no ritmo cardíaco durante o procedimento podem refletir modificações súbitas na excitabilidade simpática, requerendo ajustes anestésicos em tempo real. A comunicação entre o anestesiologista e o cardiologista intervencionista torna-se fundamental para a segurança do paciente.

Por fim, é essencial reconhecer que a IVAS recente, mesmo sem sintomas clínicos evidentes no dia da cirurgia, representa um risco concreto e mensurável. O tratamento não deve se basear exclusivamente na presença ou ausência de febre ou coriza, mas na avaliação criteriosa da reatividade residual das vias aéreas. A escolha entre adiar ou prosseguir com a cirurgia deve considerar a urgência do procedimento, a gravidade da cardiopatia, a presença de sintomas residuais e a experiência da equipe multidisciplinar. A anestesia em crianças com CC e IVAS recente não deve ser encarada como rotineira. É uma prática de alta complexidade, que exige preparação detalhada, protocolos específicos e atuação precisa diante de variáveis dinâmicas.

Como Gerenciar a Anestesia em Pacientes com Defeitos Cardíacos Congênitos Complexos: O Caso de um Bebê com Defeitos Septais Ventriculares

O manejo anestésico em pacientes com defeitos cardíacos congênitos, especialmente em bebês com defeitos septais ventriculares (VSD) e atriais (ASD), é um desafio clínico significativo. A combinação de condições como hipertensão pulmonar grave, falência do ventrículo direito e instabilidade hemodinâmica exige uma abordagem cuidadosa e estratégias específicas para evitar complicações durante o período perioperatório. Um caso notável ilustra como o manejo adequado da ventilação, da pressão arterial pulmonar e da função cardíaca pode determinar o sucesso da cirurgia e a recuperação do paciente.

A criança em questão apresentava um VSD e um ASD de grandes dimensões, associados a uma hipertensão pulmonar severa, caracterizando um quadro clínico crítico. Antes da cirurgia, a função pulmonar estava comprometida, com sinais claros de insuficiência cardíaca, o que gerava preocupações sobre a viabilidade da intervenção. A abordagem inicial envolveu suporte nutricional, controle da diurese e uso de drogas inotrópicas, como dopamina e epinefrina, para estabilizar a circulação. O objetivo principal era manter um equilíbrio hemodinâmico adequado, ajustando a ventilação e a pressão do fluxo sanguíneo, especialmente em relação à razão entre a resistência vascular pulmonar e a resistência vascular sistêmica (PVR:SVR).

A indução da anestesia foi realizada com uma combinação de sufentanil, etomidato e rocurônio, garantindo uma sedação profunda com mínimas repercussões sobre a circulação sistêmica. Durante a manutenção da anestesia, foi crucial monitorar a pressão arterial pulmonar e ajustar a ventilação de maneira a evitar picos de resistência pulmonar, que poderiam agravar a hipertensão pulmonar e resultar em shunt direita-esquerda, uma complicação grave. A ventilação foi ajustada para evitar alterações bruscas na pressão de CO2 e, com isso, minimizar o risco de uma crise hipertensiva pulmonar.

Além disso, a temperatura do ambiente cirúrgico foi mantida entre 25 e 30 °C para prevenir complicações térmicas em uma criança tão jovem, cuja capacidade de regulação térmica ainda não estava completamente desenvolvida. Este fator é fundamental em pacientes pediátricos, já que alterações significativas na temperatura corporal podem afetar a função cardiovascular e a perfusão de órgãos vitais. Outro aspecto relevante foi a atenção ao manejo pós-cirúrgico, particularmente em relação ao uso de protamina para reversão do efeito anticoagulante da heparina. A introdução dessa substância pode gerar uma resposta alérgica ou hipertensão pulmonar exacerbada, demandando vigilância constante.

Após a retirada do bypass cardiopulmonar, observou-se uma redução significativa na pressão arterial pulmonar, uma melhora considerável do fluxo sanguíneo sistêmico e uma estabilização das funções cardíaca e pulmonar. Isso se deve à efetiva redução do PVR, facilitada pelo fechamento do VSD e a consequente diminuição do shunt esquerdo-direito. Para pacientes com hipertensão pulmonar grave, o monitoramento contínuo da pressão arterial pulmonar pós-cirurgia é essencial, pois a possibilidade de reatividade exagerada dos vasos pulmonares ainda persiste, mesmo após a correção do defeito.

Além da vigilância hemodinâmica, o ajuste contínuo do suporte inotrópico, com infusão de dopamina a 5.0 μg/(kg·min), foi necessário para melhorar a contratilidade miocárdica e garantir a estabilidade hemodinâmica. Esse suporte farmacológico é fundamental em casos com baixa função ventricular ou risco de falência cardíaca pós-cirurgia. Embora raramente necessário para crianças sem hipertensão pulmonar, o uso de drogas inotrópicas em pacientes com defeitos cardíacos complexos pode ser determinante para uma recuperação bem-sucedida.

A experiência desse caso evidencia a importância de uma abordagem integrada e multidisciplinar no manejo de bebês com defeitos septais ventriculares complexos. Desde a fase pré-operatória até o pós-operatório, cada decisão, desde o ajuste da ventilação até a escolha das drogas inotrópicas, tem um impacto direto no prognóstico do paciente. A chave para o sucesso está em um equilíbrio delicado entre controlar a resistência vascular pulmonar, garantir a perfusão sistêmica e preservar a função miocárdica. Além disso, deve-se considerar que a resposta de cada paciente pode variar, o que exige um monitoramento contínuo e ajustes baseados em dados clínicos dinâmicos.

No que se refere à gestão anestésica, é imperativo lembrar que crianças com doenças cardíacas congênitas graves frequentemente apresentam uma combinação de fatores fisiológicos imaturos, como a função miocárdica e o controle da temperatura corporal, que podem complicar o quadro. O uso prudente de agentes anestésicos e o controle rigoroso da ventilação e da hemodinâmica são indispensáveis para evitar crises de hipertensão pulmonar e garantir a recuperação adequada.