As reações interfaciais entre o eletrodo e o eletrólito têm um impacto significativo no desempenho das baterias, afetando aspectos cruciais como a durabilidade do ciclo, a resistência à potência e a vida útil em termos de calendário. No contexto de um sistema de baterias de lítio, a interface é o ponto de partida para o (des)intercalamento dos íons de lítio nos eletrodos hospedeiros. Além disso, reações secundárias, como a deterioração e/ou dissolução do eletrodo, reações redox do eletrólito e formação de camadas intermediárias, ocorrem nessa região.

Apesar da atenção crescente que essas reações interfaciais têm recebido devido ao impacto significativo no desempenho das baterias, o entendimento detalhado desses processos ainda é limitado. Isso se deve, em grande parte, à escassez de métodos eficazes para observar esses fenômenos diretamente. Um desafio adicional reside no fato de que os eletrodos compostos, que combinam materiais ativos, ligantes e carbono condutor, não são adequados para a análise das reações interfaciais devido à sua complexidade e à presença de componentes que dificultam uma observação precisa da interface. Para superar isso, foi desenvolvido um modelo de eletrodo de filme fino, especificamente projetado para análise de reações interfaciais. Esses filmes finos, crescidos epitaxialmente em substratos monocristalinos, oferecem um campo de reação bidimensional ideal, com uma superfície plana de aproximadamente 1 nm, o que permite uma observação direta utilizando técnicas de espalhamento de raios X e nêutrons.

Nos sistemas de baterias de lítio de estado sólido, onde são combinados eletrodos de intercalação e eletrólitos sólidos, os fenômenos na interface entre o eletrodo e o eletrólito sólido têm mostrado uma correlação direta com o desempenho e a degradação das baterias. No entanto, uma investigação mais aprofundada desses fenômenos ainda é necessária. Para isso, os sistemas de baterias de modelo de filme fino têm sido desenvolvidos, permitindo a adaptação de técnicas analíticas como raios X e feixes de nêutrons.

O Li2MnO3 foi escolhido como material modelo de eletrodo devido às suas características atraentes, como uma alta capacidade teórica superior a 300 mAh g⁻¹. Contudo, a alta voltagem de operação do Li2MnO3, superior a 4,3 V, impede seu uso prático em eletrólitos líquidos, pois quase todos os solventes orgânicos se decompõem nessa faixa de voltagem. Por isso, o potencial do Li2MnO3 como material cátodo foi examinado por meio da construção de um modelo de interface sólido-sólido.

Filmes finos de Li2MnO3, com 40 nm de espessura e orientados na direção 001, foram fabricados sobre uma camada de SrRuO3 (coletor de corrente) em um substrato monocristalino de Al2O3. A caracterização através de difração de raios X, reflectometria de raios X, espectrometria de massa por plasma acoplado indutivamente e espectroscopia de fotoelétrons de raios X indicou que o filme preparado apresentava uma composição estequiométrica ideal e parâmetros de rede comparáveis aos do Li2MnO3 policristalino. Sobre a superfície do Li2MnO3, foi depositado o eletrólito sólido Li3PO4 com espessura de 1 a 2 µm. Por fim, uma camada de ânodo de metal lítio foi colocada sobre a superfície superior do conjunto Li3PO4/Li2MnO3/SrRuO3.

Medidas galvânostáticas de carga-descarga foram realizadas para examinar as propriedades eletroquímicas da célula de filme sólido usando agulhas de contato em uma caixa de luvas preenchida com argônio. Como experimento de controle, foi também analisado um eletrodo de modelo de duas camadas (Li2MnO3/SrRuO3) usando um eletrólito líquido comercial. As curvas de carga-descarga para o sistema Li2MnO3/SrRuO3 no modelo sólido mostraram uma capacidade de descarga estável de aproximadamente 250 mAh g⁻¹ após 20 ciclos, com alta eficiência coulômbica. Por outro lado, no sistema com eletrólito líquido, foi observada uma longa platô a cerca de 4,5 V no primeiro ciclo de carga, indicando conversão para uma fase eletricamente ativa, com liberação de lítio e oxigênio, mas com uma capacidade irreversível elevada de 270 mAh g⁻¹. Após 50 ciclos, a capacidade diminuiu para 120 mAh g⁻¹, refletindo a degradação do sistema.

Esses resultados sublinham o potencial das configurações de estado sólido para melhorar o desempenho de eletrodos ricos em lítio. Em contraste com os sistemas líquidos, os eletrodos sólidos oferecem uma maior estabilidade, eficiência de Coulomb e resistência à degradação durante os ciclos de operação, proporcionando um avanço significativo no campo das baterias de estado sólido.

Além disso, é importante compreender que, ao desenvolver novas tecnologias para baterias de estado sólido, os métodos analíticos são fundamentais. Técnicas como a difração de raios X in situ e a espectroscopia de fotoelétrons de raios X oferecem insights detalhados sobre os processos interfaciais, permitindo a otimização de materiais e interfaces. A adaptação desses métodos para sistemas de filmes finos representa um avanço significativo para a pesquisa em baterias de estado sólido, ao permitir a observação direta das reações nas interfaces, um passo essencial para o aprimoramento das baterias e sua comercialização em larga escala.

Qual é a influência da composição de SiOx e da polidez do LLZT na resistência de transferência iônica e no desempenho de células de lítio?

A geração de impurezas, como LiOH e Li2CO3, durante o polimento de discos de LLZT pode ocorrer dependendo das condições de polimento utilizadas. No entanto, foi observado que a formação de Li2CO3 pode ser evitada ao se utilizar polimento com grão #2000 e polimento de precisão. Este aspecto é crucial para garantir que as propriedades dos eletrólitos sólidos baseados em LLZT, como sua estabilidade e eficiência, não sejam comprometidas durante o processamento.

Ao fabricar células Li-Au | LLZT | SiOx através da deposição de uma camada fina de SiOx sobre discos de LLZT polidos com grão #2000, as curvas de carga e descarga mostraram uma redução nas capacidades iniciais à medida que o conteúdo de oxigênio (x) de SiOx aumentava. Esse fenômeno é análogo ao que ocorre em sistemas de soluções eletrolíticas, sugerindo que a presença de oxigênio em SiOx pode afetar a eficiência da transferência de carga, resultando em uma maior capacidade irreversível e menor eficiência coulômbica inicial. Isso ocorre porque o SiOx reage irreversivelmente com Li+, especialmente durante o processo inicial de carga, formando fases inativas como Li4SiO4 e Li2O. O aumento do conteúdo de oxigênio x gera mais dessas fases inativas, que apresentam alta resistência elétrica, elevando assim a polarização da célula. A polarização foi determinada pela diferença de tensão entre 50% de profundidade de descarga (DOD) e 50% de estado de carga (SOC), e observou-se que ela aumentava com o aumento de x.

Além disso, a análise da variação das capacidades de carga e descarga das células Li-Au | LLZT | SiOx ao longo dos ciclos revelou que a capacidade de descarga dos eletrodos SiO0.40 e SiO0.86 diminuía progressivamente com os ciclos. No entanto, para os eletrodos SiO1.23 e SiO1.86, a perda de capacidade foi consideravelmente menor, indicando que SiOx com valores maiores de x preserva uma maior porcentagem de sua capacidade de descarga ao longo de 100 ciclos.

Em relação à resistência interna das células, a espectroscopia de impedância de corrente alternada (AC) foi utilizada para investigar a resistência de interface entre o LLZT e o eletrodo de SiOx. Os gráficos de Nyquist mostraram que a resistência de interface (Rct) aumentava com o aumento do conteúdo de oxigênio x. Esse aumento da resistência está relacionado ao aumento das fases inativas contendo oxigênio, que dificultam a transferência iônica entre o LLZT e o eletrodo. Além disso, a resistência de interface aumentava ao longo dos ciclos de carga e descarga, refletindo uma deterioração contínua na eficiência de transferência de íons Li+ com o tempo.

Em células fabricadas com discos de LLZT de precisão-polido, a resistência de interface foi medida mais precisamente e observou-se que a Rct foi significativamente mais alta em comparação com a resistência de interface de uma solução eletrolítica convencional. A resistência de interface de SiOx/LLZT foi cerca de seis vezes maior do que a resistência entre SiOx e uma solução eletrolítica de LiPF6/EC+DEC. Isso sugere que, apesar da deposição de SiOx sobre o LLZT ser realizada de maneira controlada e com superfícies lisas, a interação entre o LLZT e SiOx não é perfeita, resultando em uma resistência de interface muito maior.

Além da análise das células de LLZT com SiOx, foi realizada uma caracterização adicional de filmes Si10-x-Snx para estudar o efeito do conteúdo de Sn na estrutura e nas propriedades dos filmes. Os padrões de difração de raios X (XRD) mostraram que, quando o conteúdo de Sn (x) era superior a 3, surgiam picos claros correspondentes à β-Sn, e a intensidade desses picos aumentava com o aumento de x. O Si depositado pelos métodos utilizados não era cristalino, enquanto o Sn se cristalizava facilmente, indicando que o Si10-x-Snx era composto por uma mistura de Si amorfo e β-Sn cristalino, dependendo da proporção de Sn. Esse comportamento é importante ao considerar a estabilidade e as características das interfaces em sistemas baseados em Si e Sn.

Além disso, foi observada a formação de partículas amorfas de tamanho inferior a 50 nm nas superfícies dos filmes Si10-x-Snx, com o crescimento de grãos colunares de β-Sn visíveis em concentrações de Sn superiores a 6. A análise em microscopia eletrônica de transmissão (TEM) e espectroscopia de dispersão de raios-X por varredura (STEM/EDX) revelou que a formação de grãos de Sn aumenta com o aumento de x, destacando a evolução da microestrutura do filme e seus efeitos nas propriedades de resistência de interface.

Esses resultados sugerem que o controle da composição e do processo de fabricação de filmes finos, como SiOx e Si10-x-Snx, é crucial para otimizar a resistência de transferência de Li+ em interfaces e melhorar o desempenho das células de lítio. O entendimento da relação entre a microestrutura e a resistência de interface é fundamental para o desenvolvimento de materiais mais eficientes para sistemas de armazenamento de energia.

Como a Distribuição de Carga dos Íons de Lítio Influencia a Condutividade Iônica em Materiais Vítreos e Cristalinos

A análise da distribuição de carga dos íons de lítio revela importantes diferenças no comportamento de sistemas vítreos e cristalinos, impactando diretamente a condução iônica. Estudo detalhado dos estados de carga e das distâncias entre os centros de carga dos íons de lítio em materiais como Li₃PS₄ permite a classificação dos íons em diferentes tipos, de acordo com suas características de estabilidade e movimento dentro da matriz estrutural.

Em temperaturas de 300 K, a fase γ de Li₃PS₄ e o vidro exibem características de valência médias para os íons de lítio semelhantes, mas com uma dispersão de valores muito maior no estado vítreo em comparação ao cristalino. Isso é consistente com a expectativa de que a valência dos íons de lítio não oscila significativamente em estruturas cristalinas, onde a rede anionica é regular, enquanto nos vidros, com sua desordem estrutural, a variação é mais pronunciada. Em análise de distâncias realizadas entre a posição máxima de carga e os íons de lítio, observou-se que a dispersão dessas distâncias é mais homogênea nos cristais do que nos vidros, embora o comportamento geral seja semelhante entre os dois estados. A variação das distâncias foi observada em um intervalo entre 0,02 Å e 0,09 Å, com um mínimo de dispersão próximo a 0,055 Å, mostrando que, apesar das diferenças estruturais, a distribuição de carga associada aos íons de lítio é praticamente idêntica em ambos os estados.

A classificação dos íons de lítio com base na distribuição de carga revelou três tipos principais: Li1, Li2 e Li3, com distâncias variando de <0,045 Å para Li1, entre 0,045 Å e 0,065 Å para Li2, e >0,065 Å para Li3. Esse comportamento reflete a estabilidade de cada tipo de íon, onde Li2 é considerado estável, enquanto Li1 e Li3 são instáveis. Nos sistemas Li1, a distância do íon de lítio até a máxima densidade de carga é quase constante, o que implica que a nuvem de carga cobre quase completamente o íon. Já nos sistemas Li2, conforme a distância aumenta, a nuvem de carga desaparece parcialmente. No caso do Li3, esse efeito é ainda mais pronunciado, com a tendência de os íons se afastarem ainda mais do centro da carga. Essa dinâmica mostra que os íons Li3 são mais propensos a migrar, enquanto os íons Li1 e Li2 tendem a manter suas posições devido à maior estabilidade da distribuição de carga.

Essa análise é complementada pela utilização de funções de correlação no tempo e no espaço, com base na teoria de Van Hove, que permite estudar a dinâmica local dos íons de lítio no vidro. Através das simulações de AIMD (ab initio molecular dynamics), foi possível observar que o tipo Li2, predominante na matriz, mostra correlações estáveis em distâncias acima de 3 Å, enquanto os tipos Li1 e Li3 apresentam correlações em distâncias específicas que indicam comportamentos dinâmicos distintos. Esses tipos de íons também foram analisados em relação às fases cristalinas β e γ de Li₃PS₄, e foi possível observar que a presença de correlações Li3-Li3 está associada a uma maior condutividade iônica, como evidenciado pelos experimentos de espalhamento de nêutrons quasi-elásticos (QENS), que indicam uma distância de salto de íons de 4,3 Å.

A análise de Van Hove também sugeriu que, enquanto as correlações Li3-Li3 são mais evidentes em sistemas vítreos e na fase β, elas são ausentes na fase γ, o que correlaciona diretamente com as diferenças na condutividade iônica entre essas fases. Os dados experimentais confirmaram que a presença de redes Li3-Li3 está diretamente relacionada ao mecanismo de condução iônica em materiais sólidos eletrolíticos, como o Li₃PS₄.

Esses resultados indicam que a condutividade iônica em materiais vítreos e cristalinos não depende apenas da presença de íons móveis, mas também da organização estrutural do material. A formação de redes de íons Li3-Li3 e sua interação com a estrutura óssea do anion PS₄³⁻ são cruciais para a condução eficiente de íons. Portanto, a compreensão detalhada da dinâmica local e da estrutura de carga dos íons de lítio pode levar ao desenvolvimento de materiais com maior eficiência na condução iônica, essenciais para aplicações em baterias e dispositivos de armazenamento de energia.

Como o Nano-Shield Pode Impedir a Difusão de Lítio em Eletrólitos Sólidos: Aplicações no Estudo de Materiais Sensíveis ao Feixe de Elétrons

O filme AlOx, semelhante ao de outros materiais dielétricos, enfrenta um problema comum em sua observação através de microscopia de transmissão eletrônica (STEM), devido à natureza isolante do AlOx, que não consegue compensar as cargas positivas induzidas pelo feixe de elétrons. Isso gera danos estruturais significativos nas amostras, especialmente em materiais sensíveis. No entanto, quando uma camada condutora é aplicada em ambos os lados do eletrólito sólido (SE), as cargas positivas podem ser compensadas, eliminando o campo elétrico interno e reduzindo o efeito de carga. Isso preserva a estrutura original da amostra sob o feixe de elétrons, evitando danos adicionais.

No entanto, uma questão surge quando a camada de revestimento pode acabar adquirindo uma carga negativa devido à incidência de elétrons de alta energia, introduzindo um campo elétrico fraco entre o SE e a camada de carbono. Esse fenômeno pode resultar na difusão de lítio do SE para a camada de carbono. O efeito tende a se agravar com o aumento do tempo de irradiação ou a dose de elétrons utilizada. Contudo, a proteção por nano-shield, composta por filmes de AlOx e carbono, oferece uma solução eficaz para este problema. A camada de AlOx atua como uma barreira para a difusão de lítio, enquanto a camada condutora de carbono elimina o efeito de carga, mantendo a estabilidade da amostra.

Essa técnica, que combina um filme nano-protetor de AlOx de 5 nm e uma camada de carbono de 10 nm, demonstrou ser altamente eficaz na preservação da integridade estrutural das amostras durante a observação STEM. A camada de AlOx não apenas impede a difusão de lítio, mas também é transparente ao feixe de elétrons utilizado na microscopia, sem comprometer a resolução ou a relação sinal-ruído (SNR) da imagem. Isso permite a obtenção de imagens de alta resolução, sem degradação da qualidade, mantendo as amostras sob condições de temperatura ambiente.

O conceito fundamental da técnica é que a camada isolante de AlOx reduz a taxa de difusão de lítio, enquanto a camada condutora de carbono elimina o efeito de carga induzido pelos elétrons. Essa combinação tem se mostrado extremamente útil para a obtenção de imagens de alta resolução de materiais sensíveis ao feixe de elétrons, como eletrólitos sólidos (SEs) em condições normais ou operando, o que amplia significativamente a compreensão estrutural e química desses materiais.

Além disso, o método desenvolvido não se limita às especificações de material, espessura ou composição descritas, permitindo variações de acordo com o tipo de amostra e as condições experimentais. A flexibilidade da técnica proporciona uma ampla gama de aplicações, oferecendo insights fundamentais sobre a estrutura local e a composição química de materiais como c-LLZ (Li7La3Zr2O12) e LATP (Li1.3Al0.3Ti1.7P1.7O12), observados diretamente por imagens HAADF-STEM, ABF-STEM e mapeamento EDS.

Este avanço na análise de materiais sensíveis ao feixe de elétrons tem grande potencial não apenas para a caracterização estática, mas também para estudos in situ e operando, permitindo investigações mais detalhadas sobre as relações estrutura–propriedade desses materiais e promovendo o desenvolvimento de tecnologias de armazenamento de energia elétrica.

A utilização do nano-shield na observação de materiais como eletrólitos sólidos pode revolucionar o entendimento dos fenômenos microscópicos e, consequentemente, otimizar o design e o desempenho de baterias de lítio e outras tecnologias baseadas em armazenamento de energia.