A sensação de que a grande força da modernidade e do progresso está chegando ao fim é palpável. Em muitos lugares, as pessoas parecem estar com a sensação de que seu copo está meio vazio, e o que resta é, em grande parte, uma miragem de algo que já foi melhor. A explicação para esse estado de espírito negativo é muitas vezes atribuída a uma série de mudanças rápidas e radicais que vêm moldando o sistema social global. Esse tsunami de transformações é tão poderoso e incontrolável que muitos o consideram inevitável, como uma força da natureza à qual as pessoas precisam se adaptar, embora sem ter controle sobre ela. A mudança cultural, em particular, é uma das mais citadas como a maior fonte de insegurança e preocupação.
A globalização dos negócios e da tecnologia tem gerado uma mobilidade sem precedentes de pessoas, capitais e ideias. As crenças tradicionais, os valores e as normas comportamentais que outrora estruturavam as sociedades estão sendo desafiadas em todos os cantos. Estrangeiros chegam aos países com valores religiosos e familiares diferentes dos locais, mantendo essas crenças firmemente, enquanto a migração também ocorre na direção oposta. Aqueles que anteriormente eram considerados "pilares da comunidade" agora se tornam "cidadãos do mundo", cosmopolitas e muito mais prósperos do que seus pais jamais imaginaram. Para essas pessoas, o copo está bem mais cheio. A mudança não está apenas nos fluxos de pessoas, mas também na capacidade de interagir socialmente com os novos contextos digitais. A juventude, por exemplo, tem cada vez mais dificuldades em se socializar com as instituições tradicionais, uma vez que as corporações e outros grupos competem por sua atenção nas redes sociais.
Essa transformação, além da mobilidade das pessoas e das ideias, também inclui mudanças profundas no sistema financeiro. A especulação substituiu o investimento como o principal método de aumento de capital, e instrumentos financeiros de alto risco ampliam a probabilidade de recessões súbitas. A facilidade com que o capital é movido permite que empresas e indústrias se desloquem para regiões onde os custos trabalhistas são mais baixos, destruindo comunidades industriais locais. O resultado disso é a perda de empregos e o agravamento da desigualdade social, em que os executivos e donos de grandes corporações se tornam cada vez mais ricos, enquanto a grande massa de trabalhadores vê sua renda estagnada ou, na pior das hipóteses, encolhendo. A insegurança, a hostilidade e o sentimento de alienação são as consequências mais previsíveis desse processo de desigualdade crescente.
Porém, há uma colaboração específica entre os setores de negócios e tecnologia que teve um impacto único e profundo: o chamado "Capitalismo da Vigilância". A socióloga Shoshana Zuboff descreve esse fenômeno, afirmando que, ao contrário do que muitos acreditam, não somos nós que extraímos informações das mídias digitais, mas os donos dessas plataformas que extraem dados sobre nós. Esses dados são vendidos para terceiros que, por sua vez, os utilizam para influenciar nossas escolhas de consumo, nossas intenções de voto e, em última instância, para controlar nosso comportamento. Esse capitalismo da vigilância é em grande parte desregulado e realizado sem o nosso conhecimento ou consentimento. Quando as pessoas tomam consciência do tamanho e da profundidade dessa vigilância, a sensação de perda de agência torna-se avassaladora. Para muitos, torna-se quase impossível confiar em um sistema que conhece tanto sobre suas vidas, e ainda assim não o permitem controlar.
A desconfiança também permeia a arena política, onde os ideais de uma democracia representativa liberal estão cada vez mais desgastados. A ideia de que os políticos servem ao público e representam os interesses do eleitorado se tornou rara. Hoje em dia, os motivos de ambição pessoal, ganho financeiro e vantagens partidárias são os mais atribuídos aos líderes políticos. Esse afastamento da confiança popular pode ser explicado por diversos fatores, incluindo o aumento do lobby parlamentar por interesses comerciais e, irônicamente, a maior transparência e accountability. A transparência, ao invés de melhorar a confiança, resultou em escândalos públicos, como denúncias de abuso de poder e corrupção, o que, por sua vez, levou a uma crescente personalização da política e a uma diminuição da atenção às políticas públicas e suas consequências reais.
Com a ascensão das novas formas de comunicação, especialmente as redes sociais, o espaço político se tornou cada vez mais polarizado. As conversas políticas e sociais passaram a ser mais um campo de batalha, onde cada lado tenta, não apenas vencer, mas destruir o outro. Em vez de um debate fundamentado em ideias e soluções, o diálogo se transformou em um "discurso de combate", onde cada palavra e gesto são interpretados como ameaças existenciais. Nesse cenário, é fundamental compreender que a identidade social e a visão de mundo de cada grupo são moldadas por uma série de fatores, entre eles o medo e a insegurança frente à mudança. As identidades políticas e culturais tornam-se cada vez mais rígidas, e qualquer crítica ou questionamento é visto como um ataque direto à essência do grupo.
No entanto, há uma necessidade crescente de reconstruir uma visão coletiva que permita a convivência de múltiplas identidades, em vez de insistir na exclusão do outro. Isso exige uma reflexão profunda sobre os princípios que fundamentam a democracia, a justiça social e a equidade. O futuro das sociedades modernas dependerá da capacidade de adaptação a essas mudanças radicais, sem perder o vínculo com os valores fundamentais de respeito mútuo e convivência pacífica.
Quais São os Inimigos Modernos do Fundamentalismo e do Populismo?
O fundamentalismo e o populismo representam movimentos reacionários que surgem como uma reação à modernidade. Embora compartilhem essa característica, suas abordagens, objetivos e inimigos a serem combatidos são bem diferentes. O fundamentalismo, em suas diversas manifestações, se distingue pelo desejo de preservar uma visão religiosa e moral rígida, rejeitando as transformações sociais e culturais que ele considera antagônicas aos ensinamentos divinos. Por outro lado, o populismo é mais pragmático e adaptável, focando na mobilização rápida de massas em torno de questões específicas, frequentemente associadas à manipulação política e econômica.
Para os fundamentalistas, o "mundo" moderno é o inimigo central. Em suas manifestações mais extremas, como no caso do islamismo radical, o termo "Jahiliyyah" (ignorância) é usado para descrever a sociedade moderna, que é vista como moralmente corrompida e espiritualmente vazia. Sayyid Qutb, um dos maiores teóricos do islamismo fundamentalista, argumenta que o capitalismo ocidental, a liberdade individual e o feminismo são expressões de um sistema moral degenerado. Para ele, até mesmo as formas tradicionais de prática religiosa dentro do islamismo moderno são contaminadas por essa ignorância. A visão de que o "mundo" é dominado por Satanás e está em oposição ao plano divino é comum entre os cristãos fundamentalistas também, que veem a modernidade como um campo de batalha espiritual onde a fé verdadeira precisa ser preservada.
O fundamentalismo rejeita completamente as diferentes formas de racionalismo, liberalismo e individualismo que surgiram na modernidade. Essas ideologias são vistas como invenções humanas, que substituíram a revelação divina. O movimento fundamentalista pode se expressar de duas maneiras: por meio de um afastamento total da sociedade moderna, como no caso de comunidades como os Amish, ou através de ataques violentos e indiscriminados ao sistema global, como o Estado Islâmico (ISIS). Ambos os caminhos, no entanto, são muitas vezes inviáveis a longo prazo, seja por causa das dificuldades de recrutamento, seja pelo custo humano e político de uma luta tão destrutiva.
Já o populismo, embora igualmente reacionário, não compartilha a rigidez dos fundamentalistas. Os populistas têm uma abordagem mais flexível, sendo capazes de mobilizar grandes números de pessoas rapidamente, frequentemente apelando para sentimentos de injustiça e desigualdade. Os inimigos dos populistas, como demonstrado por figuras como Donald Trump, podem ser mais diversos e incluir desde as elites econômicas e políticas até os imigrantes e os "globalistas". A retórica populista tende a ser mais pragmática e voltada para a mudança imediata do sistema, sem um compromisso com a preservação de uma moralidade rígida ou de uma visão religiosa.
Ao contrário dos fundamentalistas, os populistas tendem a focar em inimigos específicos e frequentemente utilizam uma narrativa conspiratória, que associa grandes corporações, a mídia e os políticos a um esquema de poder oculto que oprime as massas. Para os populistas, o "inimigo" pode ser uma combinação de elites, imigrantes, ou até mesmo grupos que se opõem aos seus valores nacionais ou culturais. Essa capacidade de adaptar os inimigos às circunstâncias do momento é o que torna o populismo mais ágil e eficaz em sua luta pela mudança política.
Tanto no caso do fundamentalismo quanto do populismo, a narrativa de um retorno a um "tempo dourado" é fundamental. Ambos os movimentos veem a modernidade como uma ruptura com um passado idealizado, que precisa ser restaurado. Essa visão de um "passado melhor" e o constante confronto com "inimigos" internos e externos são os elementos que alimentam o fervor de ambos os movimentos, mesmo que de formas diferentes.
Para os leitores, é essencial compreender que, embora o fundamentalismo e o populismo se oponham ao que percebem como os males da modernidade, eles fazem isso de maneiras distintas. O fundamentalismo busca restaurar um estado moral e religioso que, na visão de seus seguidores, foi corrompido, enquanto o populismo se concentra mais na ideia de uma luta contra as elites, buscando soluções imediatas e políticas para as desigualdades percebidas na sociedade moderna. Ambos, no entanto, utilizam uma retórica de "batalha", onde um inimigo poderoso precisa ser derrotado para restaurar uma ordem desejada, seja ela religiosa, cultural ou política.
Como o Populismo Se Alimenta da Identidade Social e da Percepção de Traição
Nigel Farage, líder do Partido do Brexit, tem sido um dos principais protagonistas no cenário político britânico, caracterizado por uma retórica ferozmente nacionalista e populista. Sua visão de que a política britânica está corrompida por uma classe política elitista e traidora não é apenas uma acusação contra os adversários, mas uma verdadeira missão para “restaurar” a soberania do povo. Para ele, a política não deve ser conduzida por parlamentares e burocratas distantes, mas por uma população que, sob sua liderança, é capaz de decidir seu próprio destino sem a interferência de estruturas externas, como a União Europeia. Farage sustenta que a democracia britânica falhou e que a nação está sendo mantida refém de um sistema político enfraquecido e, consequentemente, do fracasso de seus próprios valores patrióticos.
Em sua fala, Farage não apenas critica a classe política, mas a acusa de "desprezar" o povo, sugerindo que o verdadeiro amor pela nação está intrinsecamente ligado ao apoio ao Brexit. O que ele propõe é um movimento quase messiânico, onde a rejeição da União Europeia é vista não apenas como uma escolha política, mas como um ato de resgatar a verdadeira essência da Grã-Bretanha. Nesse contexto, o Brexit se torna um símbolo de resistência, não apenas contra Bruxelas, mas contra qualquer forma de governança que se distancie da vontade do povo.
Este discurso populista encontra eco nas narrativas de outros líderes mundiais, como Donald Trump e Viktor Orbán, que, assim como Farage, se apresentam como defensores de um povo traído pela elite global. No caso de Farage, a ideia de "traição" adquire uma carga ainda mais pesada, uma vez que ele vê qualquer tipo de compromisso com a União Europeia como uma "renegação" do que ele considera ser o verdadeiro interesse nacional. Esse apelo à unidade do povo, embora potente, está longe de ser uma solução simples. A falta de um programa político claro para o Partido do Brexit, que não apresentou um manifesto concreto, por exemplo, não impediu que o partido se tornasse uma força significativa nas eleições europeias de 2019. Na ausência de propostas detalhadas, Farage foi capaz de canalizar o desejo popular de mudança, fazendo com que seu partido se tornasse o maior vencedor das eleições, ao menos entre as opções políticas disponíveis.
No entanto, a ascensão de Farage traz à tona as limitações do movimento populista. A retórica agressiva contra a classe política e a União Europeia, embora eficaz, esconde um vazio programático que acaba por expor a fragilidade da agenda do Brexit. Sem uma estrutura sólida e sem propostas claras, o Partido do Brexit mostrou que o poder de um movimento populista reside tanto no ressentimento quanto na identificação social de seus seguidores com a figura do líder. Farage construiu sua imagem como um outsider, alguém que luta contra um sistema corrupto e elitista. Porém, quando o populismo se vê confrontado com a necessidade de governar e negociar, como demonstrado pelo papel que Farage tentava exercer nas negociações do Brexit, a retórica vira uma faca de dois gumes.
Isso se torna particularmente evidente quando Farage começa a se envolver com o establishment político que ele havia criticado. A tentativa de negociar com os líderes da União Europeia e de influenciar a política interna do Reino Unido por meio de sua aliança com Boris Johnson e outros conservadores pode ser vista como uma forma de diluir a autenticidade do movimento populista. O que começou como um grito de resistência se transforma em uma participação direta nas mesmas estruturas que antes eram alvo de críticas.
A chegada de Trump ao cenário britânico, em 2019, complicou ainda mais a posição de Farage. O apoio de Trump, um líder populista com uma agenda internacionalista própria, foi visto por muitos como uma ameaça à soberania do Reino Unido, sendo interpretado como uma forma de submissão a uma figura cuja retórica nacionalista é mais voltada para o interesse pessoal e político do que para os princípios de independência e autodeterminação que Farage e seus seguidores tanto pregavam. Esse apoio revelou a dificuldade de se alinhar completamente com o populismo global sem comprometer os próprios valores nacionais. Para muitos britânicos, a aliança com Trump era um reflexo da perda de controle e da perda da autenticidade do movimento Brexit, tornando-o vulnerável a críticas de traição em nível doméstico.
A relação entre o populismo e a ideia de uma "era dourada" ou um retorno a um passado mítico é um tema recorrente em movimentos reacionários. A promessa de recuperar algo perdido, como a soberania do Reino Unido, é uma narrativa poderosa. No entanto, a realidade de um mundo globalizado e interconectado faz com que esses movimentos se deparem com dificuldades imprevistas ao tentarem aplicar soluções arcaicas para problemas modernos. Quando esses movimentos saem de sua zona de conforto e se veem confrontados com a complexidade do mundo atual, a ilusão de um retorno a uma "era de ouro" torna-se cada vez mais impossível de manter.
Essa vulnerabilidade é particularmente perigosa para os movimentos reacionários. Ao buscarem aplicar soluções simplistas a problemas complexos, eles acabam esbarrando nas estruturas sociais, políticas e econômicas que são inerentes ao mundo moderno. O populismo, ao tentar operar dentro de uma lógica de confronto binário — "nós contra eles" — pode ser eficiente no curto prazo, mas sua incapacidade de adaptar-se à realidade contemporânea revela suas falhas estruturais. No caso de Farage e do Partido do Brexit, o que inicialmente parecia ser uma revolução política popular corre o risco de se tornar uma tentativa frustrada de imposição de soluções desatualizadas a um problema global moderno.

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