A estenose da válvula aórtica (EVA) em neonatos e crianças apresenta desafios clínicos únicos, principalmente devido à disfunção hemodinâmica e ao risco de falência cardíaca antes e após a cirurgia. A avaliação pré-operatória e a gestão anestésica devem ser cuidadosamente planejadas para garantir um manejo eficaz do paciente e evitar complicações que possam comprometer a recuperação.

No que diz respeito à avaliação pré-operatória, é crucial observar a patência do ducto arterial (PDA), pois em muitos casos, o fluxo sanguíneo entre a aorta e a artéria pulmonar é dependente desse ducto. Quando o PDA não se fecha de maneira fisiológica após o nascimento, ocorre um shunt sanguíneo da aorta para a artéria pulmonar, o que pode aumentar significativamente a pressão arterial pulmonar, levando à hipertensão pulmonar. Isso resulta em uma discrepância nas saturações de oxigênio entre a parte superior e inferior do corpo, um fenômeno conhecido como cianose diferencial. Para garantir que a circulação seja adequada e que não haja comprometimento de órgãos vitais, medidas como o uso de prostaglandina E1 para manter a abertura do PDA, além do controle rigoroso da frequência cardíaca, são fundamentais.

Durante o período pré-operatório, a administração de oxigênio deve ser cuidadosamente monitorada, uma vez que concentrações elevadas podem favorecer o fechamento precoce do PDA. Além disso, o uso de inibidores da cicloxigenase, como ibuprofeno ou indometacina, pode ser necessário para prevenir a sua obliteração. A análise de gases sanguíneos pode revelar acidose ou hipoxemia, indicando um agravamento do quadro hemodinâmico, sendo imperativo o controle da pressão arterial e a vigilância constante dos sinais vitais.

A gestão anestésica durante a cirurgia deve ser feita de forma meticulosa, buscando manter a contratilidade miocárdica e o débito cardíaco adequados. A indução anestésica com etomidato, associada a doses elevadas de opioides e relaxantes musculares não despolarizantes, é uma escolha comum, pois minimiza a depressão miocárdica e a vasodilatação periférica. A ventilação deve ser realizada com concentrações baixas de oxigênio, evitando-se qualquer redução no fluxo sanguíneo pulmonar, o que poderia resultar em uma queda do débito cardíaco e diminuição da perfusão dos órgãos vitais.

É importante monitorar a função ventricular esquerda de forma contínua, uma vez que a descompressão do coração após a correção da estenose pode causar uma elevação significativa da pressão no ventrículo esquerdo, levando à hipertensão e risco de falência. A administração de vasodilatadores isolados pode ser contraproducente, pois pode diminuir a pressão diastólica, resultando em ischemia subendocárdica. Em caso de hipertensão, o uso de betabloqueadores como o esmolol pode ser eficaz para controlar a pressão sem induzir taquicardia reflexa, o que ajudaria a evitar a isquemia miocárdica pós-cirúrgica.

Após a correção da estenose da válvula aórtica, a vigilância no pós-operatório é igualmente importante. A presença de choque cardiogênico ou insuficiência ventricular esquerda pode exigir o uso de inotrópicos, como dopamina ou epinefrina, para melhorar a contratilidade miocárdica. A manutenção da pressão arterial e da perfusão coronariana é fundamental para garantir a recuperação adequada, evitando complicações como a isquemia miocárdica ou danos a órgãos vitais.

Outro aspecto essencial a ser monitorado no pós-operatório imediato é a função respiratória. A ventilação mecânica pode ser necessária por um período mais prolongado em alguns pacientes, particularmente se houver sinais de insuficiência respiratória. A análise de gases sanguíneos é uma ferramenta valiosa para avaliar a troca gasosa e guiar ajustes na ventilação e oxigenação.

Embora a correção da estenose aórtica possa ser eficaz para aliviar a obstrução, o risco de complicações como hipertensão, insuficiência cardíaca ou distúrbios do ritmo persiste, exigindo acompanhamento rigoroso e intervenções imediatas, caso necessário. A relação entre a função miocárdica, a pressão arterial e a perfusão pulmonar precisa ser constantemente reavaliada para evitar a descompensação hemodinâmica.

A recuperação de uma criança com EVA não é apenas uma questão de corrigir a anatomia do coração, mas também de garantir que a fisiologia do sistema cardiovascular seja restaurada de forma equilibrada, sem comprometer outros órgãos. O manejo cuidadoso durante a fase perioperatória e o monitoramento contínuo após a cirurgia são essenciais para reduzir os riscos de complicações graves e garantir uma recuperação bem-sucedida.

Como o Manejo Anestésico em Cirurgias Cardíacas de Defeito do Septo Ventricular em Crianças Pode Melhorar os Resultados Pós-Operatórios

A cirurgia de correção de defeitos cardíacos congênitos, como o defeito do septo ventricular (VSD), apresenta desafios significativos tanto no manejo anestésico quanto na recuperação pós-operatória, especialmente em pacientes infantis. O VSD é uma das formas mais comuns de cardiopatia congênita, representando cerca de 20% dos casos. Este defeito pode resultar em um shunt esquerdo-direito, aumentando significativamente o fluxo sanguíneo pulmonar e, consequentemente, a pressão na artéria pulmonar, o que pode levar a complicações como hipertensão pulmonar, espasmo das arteríolas pulmonares e insuficiência cardíaca direita. Quando não tratado adequadamente, pode também resultar em falhas na válvula aórtica devido à prolapsamento do cússulo coronário direito, o que aumenta a necessidade de cirurgia precoce para evitar danos à função cardíaca e à válvula aórtica.

No contexto da cirurgia, o manejo anestésico deve ser cuidadosamente ajustado para minimizar riscos durante e após a correção do VSD. A ventilação unipulmonar (OLV) pode ser necessária para proporcionar uma exposição cirúrgica ideal, especialmente em casos de correção via toracotomia, e técnicas de ventilação específicas, como o uso de CPAP de 10 cm H2O durante a circulação extracorpórea (CPB), têm mostrado benefícios significativos na otimização da oxigenação pós-operatória e na proteção pulmonar. A utilização de ventilação com volumes correntes pequenos (6 mL/kg) durante a ventilação unipulmonar é também uma prática recomendada, pois previne lesões pulmonares induzidas pela ventilação e melhora a recuperação pulmonar pós-cirurgia.

A ventilação pós-CPB também exige uma estratégia bem planejada. No caso de pacientes com VSD e aumento da resistência vascular pulmonar (PVR), estratégias adicionais, como o uso de medicamentos para redução da PVR ou hiperinflação pulmonar, podem ser necessárias para prevenir complicações hemodinâmicas como a falência ventricular direita. Em uma situação ideal, esses pacientes devem ser monitorados continuamente por meio de pressão arterial invasiva e saturação de oxigênio, além de ser realizada uma monitorização de gasometria para avaliar os níveis de oxigênio e dióxido de carbono no sangue, ajustando os parâmetros ventilatórios conforme necessário.

Além disso, a manipulação do tempo de clamping aórtico e da circulação paralela é crucial. Em um caso de correção de VSD com duração de 20 minutos de clamping aórtico, o tempo de circulação paralela foi reduzido para cerca de 5 minutos, o que permitiu um retorno mais rápido à circulação normal. Tais ajustes temporais são essenciais para minimizar a repercussão sobre a função cardíaca e a oxigenação.

A extubação precoce após a cirurgia, especialmente após um procedimento de correção do VSD, também tem mostrado bons resultados quando realizada com cuidado, dentro de um protocolo de anestesia de "fast-track". Este método, que visa a extubação e a recuperação rápida do paciente, tem sido cada vez mais utilizado em procedimentos cardíacos pediátricos, permitindo uma recuperação mais rápida e uma redução dos riscos associados à ventilação prolongada. A combinação de técnicas anestésicas modernas, como a administração contínua de anestésicos intravenosos (por exemplo, propofol, sufentanil) e o uso de ventiladores modernos para garantir parâmetros ideais de ventilação, contribui para a estabilidade hemodinâmica durante o procedimento e na recuperação inicial.

Porém, existem complicações que merecem atenção especial, como a fibrilação ventricular que pode ocorrer no momento de cessação da CPB. Isso pode ser causado por uma série de fatores, incluindo distúrbios eletrolíticos ou hipoxemia, que podem ser exacerbados pela manipulação do coração durante a cirurgia. O uso de desfibriladores externos é altamente recomendado antes do início da cirurgia para garantir a segurança do paciente, caso seja necessário o uso de desfibrilação interna.

No manejo anestésico de pacientes com defeito do septo ventricular, é fundamental que o cirurgião e o anestesista estejam preparados para lidar com essas variações hemodinâmicas e respiratórias, ajustando a ventilação e a circulação conforme a necessidade do paciente. A colaboração entre a equipe médica é essencial para o sucesso do procedimento, e o planejamento pré-operatório deve incluir a avaliação detalhada da função cardíaca e pulmonar do paciente, bem como a consideração de todas as possíveis complicações que podem surgir durante e após a cirurgia.

Por fim, é importante que o acompanhamento pós-operatório seja rigoroso, especialmente em relação à função cardíaca e pulmonar, para evitar complicações tardias. Isso inclui monitoramento contínuo da pressão arterial, saturação de oxigênio, e parâmetros respiratórios, além da observação do quadro clínico geral da criança. O sucesso de um procedimento de correção de VSD em crianças depende não só da execução técnica da cirurgia, mas também da abordagem anestésica cuidadosa e adaptada às necessidades individuais do paciente.