Os revestimentos de metais nobres, como o ouro (Au), têm sido fundamentais no avanço de diversas tecnologias biomédicas, especialmente na área de biossensores e dispositivos implantáveis. O ouro, devido à sua excelente biocompatibilidade, resistência à corrosão e alta condutividade, tem se destacado como um material ideal para aplicações biomédicas. No entanto, seu custo elevado tem limitado sua utilização em formas macroscópicas, o que motivou o desenvolvimento de filmes finos de ouro, permitindo a manutenção de suas propriedades excepcionais a um custo significativamente menor.

A técnica de pulverização catódica (sputtering) tem sido amplamente utilizada para depositar camadas finas de ouro em substratos de ligas metálicas, como as ligas Ni-Cr-Mo utilizadas em dispositivos médicos. Estudos, como o de Wadullah et al. (2022), demonstraram que a deposição de filmes finos de ouro, com espessuras que variam de 50 a 100 nm, melhora significativamente a resistência à corrosão de ligas metálicas quando expostas a meios corrosivos simulando a saliva artificial a 37°C. Essas camadas finas de ouro não apenas melhoram a durabilidade dos materiais, mas também aumentam a sensibilidade dos dispositivos biomédicos, tornando-os mais eficazes na detecção de estímulos biológicos.

Outro exemplo notável do uso de ouro é a melhoria de biossensores baseados em ressonância de plasmones de superfície (SPR). Loyez et al. (2021) demonstraram como a aplicação de uma camada de ouro de 35-50 nm em fibras óticas de 400 μm de diâmetro permitiu uma amplificação significativa do sinal para a detecção de biomarcadores, como anticorpos HER2, associados ao câncer de mama. A sensibilidade do biossensor aumentou de 0,6 μg/mL para 9,3 ng/mL, um avanço considerável que pode ter um impacto profundo na detecção precoce de doenças.

No contexto de cicatrização de feridas, o uso de nanopartículas de ouro tem mostrado resultados promissores. As nanopartículas de ouro não apenas possuem uma boa biocompatibilidade, mas também desempenham um papel crucial no entrelaçamento das fibras de colágeno, o que melhora a resistência à degradação das mesmas. No entanto, a aplicação de camadas ultrafinas de ouro sobre substratos sensíveis, como o colágeno, tradicionalmente apresenta desafios devido às dificuldades em depositar tais camadas de forma uniforme. Huang et al. (2022) utilizaram a técnica HIPIMS (High Power Impulse Magnetron Sputtering) para depositar camadas ultrafinas de ouro, com espessuras variando de 3 a 10 nm, conseguindo uma cobertura superior a 91% da superfície do colágeno. Essas camadas de ouro ultrafinas não apenas aumentaram a resistência à degradação do colágeno, mas também melhoraram suas propriedades de resistência antibacteriana, fundamentais para o processo de cicatrização de feridas.

Além disso, os filmes finos de ouro estão sendo explorados em terapias terapêuticas, como a terapia fotodinâmica (PDT) e a terapia fototérmica (PTT), utilizadas no tratamento de câncer. Essas terapias utilizam nanopartículas ou micro-nanomotores para converter energia em energia mecânica, permitindo o diagnóstico e a entrega controlada de medicamentos de forma minimamente invasiva. Chen et al. (2022) demonstraram como os micro-nanomotores baseados em ouro podem ser utilizados para realizar detecção de tumores, imagens e tratamentos anticâncer simultaneamente, tudo em uma plataforma de tratamento inovadora.

Além da biocompatibilidade e das propriedades óticas e mecânicas do ouro, a capacidade de controlar as propriedades dos filmes finos de ouro durante o processo de deposição por sputtering também é um fator crucial para o avanço das tecnologias biomédicas. A variação de parâmetros de deposição, como o ângulo de incidência e a energia de aterrissagem dos átomos, pode alterar significativamente as propriedades elétricas e estruturais dos filmes. Engwall et al. (2021) observaram que a resistência elétrica dos filmes de Au-Ta, por exemplo, variava com o aumento do ângulo de inclinação do substrato, influenciando diretamente sua estrutura cristalina e porosidade. Essa capacidade de ajustar as propriedades do filme fino é essencial para otimizar seu desempenho em diferentes aplicações, como bioimagem e outros dispositivos biomédicos.

Ainda, a combinação do ouro com outros materiais, como o PDMS (polidimetilsiloxano), tem sido explorada para melhorar a interação celular, uma característica essencial para dispositivos implantáveis. Danyuo et al. (2021) demonstraram que a deposição de uma camada fina de ouro sobre o PDMS melhora significativamente a adesão celular, um requisito importante para a implantação de dispositivos médicos. Isso ocorre devido à formação de microdobras e micro-rugas na interface do material, que facilitam a integração das células biológicas com os tecidos circundantes, promovendo uma melhor cicatrização e adaptação do implante.

Esses avanços nas tecnologias de revestimentos finos, especialmente com metais nobres como o ouro, estão permitindo uma revolução no campo da medicina, proporcionando novas soluções para a detecção precoce de doenças, tratamentos personalizados e dispositivos biomédicos mais eficientes e duráveis.

Como a Microscopia de Força Atômica e Microscopia de Tunelamento Eletrônico Revelam a Estrutura e as Propriedades de Nanomateriais e Polímeros

A caracterização de superfícies em escala nanométrica tem avançado substancialmente com o desenvolvimento de técnicas como a Microscopia de Tunelamento Eletrônico (STM) e a Microscopia de Força Atômica (AFM). A STM permite a visualização de forma detalhada do crescimento em múltiplas camadas de moléculas depositadas sobre superfícies metálicas, como uma camada de ouro dopada com iodo, revelando detalhes como formação de buracos, vales e terraços com larguras da ordem de décimos de nanômetros. A possibilidade de realizar análises in situ, com filmes finos produzidos por deposição a laser pulsado dentro da câmara do STM, permite a observação do crescimento do filme em escala atômica sem contaminações, aumentando a precisão das caracterizações.

Além disso, a STM tem se mostrado eficaz para a análise estrutural ultrafina de nanotubos de DNA, obtidos por extração em gel e medidos sob condições ambientes, o que amplia sua aplicabilidade para materiais biológicos. As imagens em alta resolução revelam a morfologia tridimensional desses nanotubos, permitindo inferir detalhes da estrutura helicoidal, que são essenciais para o entendimento do comportamento físico e químico dessas nanoestruturas.

A Microscopia de Força Atômica (AFM), desenvolvida após a STM, utiliza um princípio distinto para reconstruir topografias superficiais tridimensionais por meio da interação mecânica entre uma ponta afiada e a superfície do material. Com resolução lateral na escala de nanômetros e vertical sub-ångström, o AFM é capaz de analisar tanto materiais condutores quanto isolantes, o que amplia seu uso em diversas áreas da ciência dos materiais. O sistema é baseado em um cantilever flexível, cujo deslocamento, monitorado por um feixe de laser refletido em um fotodetector, indica as forças de interação entre ponta e amostra. Essas forças podem incluir repulsão, atração, forças de van der Waals e capilares, dependendo da distância entre a ponta e a superfície.

Os modos de operação do AFM – contato, não contato e dinâmico (ou tapping) – oferecem diferentes vantagens para a análise de materiais variados. No modo contato, o cantilever está em contato direto com a superfície, útil para materiais duros, porém podendo danificar materiais macios. No modo não contato, a ponta oscila próxima à superfície sem tocá-la, capturando forças de atração. O modo dinâmico combina as duas forças, com a ponta oscilando em frequência ressonante e tocando a superfície brevemente, permitindo a análise de materiais macios e biológicos sem danificá-los.

Estudos recentes aplicaram o AFM para modificar e caracterizar nanoestruturas em biomateriais poliméricos via radiação de luz ultravioleta extrema (EUV). Essa técnica possibilita o controle da morfologia superficial e da rugosidade, fundamentais para a biocompatibilidade e outras propriedades funcionais dos polímeros. A irradiação de superfícies de politetrafluoretileno (PTFE) e polietileno tereftalato (PET) com pulsos de EUV induz a formação de estruturas regulares em forma de ondulações e aumento significativo da rugosidade superficial, conforme evidenciado pelas imagens de AFM. A alteração da rugosidade influencia diretamente propriedades como a molhabilidade, que é crucial para aplicações biomédicas, onde o contato com fluidos biológicos determina o desempenho dos materiais.

Compreender a relação entre os parâmetros da radiação EUV, a topografia da superfície e suas propriedades físicas é essencial para o design de materiais avançados. A modificação controlada da superfície pode otimizar características como adesão celular, resistência mecânica e interação com agentes químicos, abrindo caminho para inovações em engenharia de tecidos, dispositivos médicos e sistemas de liberação controlada de fármacos.

Além dos aspectos técnicos, é importante destacar que a interpretação das imagens geradas tanto pela STM quanto pela AFM requer um entendimento profundo das interações físicas e químicas em escala nanométrica. Fatores como forças intermoleculares, efeitos de umidade, e comportamento dinâmico da ponta durante a varredura podem influenciar os dados obtidos e sua confiabilidade. Assim, a aplicação dessas técnicas exige não apenas domínio instrumental, mas também um conhecimento abrangente dos fenômenos de superfície e das propriedades dos materiais analisados para garantir conclusões precisas e úteis.

Como Melhorar a Integração Tecidual em Implantes: O Papel da Superfície e do Substrato

A interação entre as células epiteliais e os fibroblastos com o substrato é fundamental para a proliferação celular e a adesão das células nos implantes. Quando se trata de substratos metálicos, os estudos indicam que o titânio comercial puro (Ti-CP4) apresenta melhores resultados em comparação com outros metais e ligas de titânio. Entre outros materiais a considerar para próteses transmucosas, estão as cerâmicas como o fosfato de cálcio, o óxido de alumínio e o óxido de zircônio, os quais podem ser aplicados como spray de plasma ou utilizados como material em bloco.

O hidroxipatito (HA), que é fosfato de cálcio (Ca10(PO4)6(OH)2), destaca-se por sua excelente biocompatibilidade, por ter uma composição semelhante ao osso mineralizado. Contudo, suas propriedades mecânicas frágeis e a degradação a longo prazo resultaram em taxas elevadas de complicações, pois o revestimento de HA pode se soltar durante a instalação ou em funcionamento. Existem relatórios contraditórios sobre o efeito do HA na adesão dos tecidos moles, dependendo das morfologias. Por exemplo, quando comparados HA poroso e sólido, e superfícies côncavas e arredondadas, observou-se que o HA sólido mostrou uma melhor adesão e a superfície côncava apresentou uma adesão mais estável dos tecidos moles. O titânio comercial puro (CP Ti) demonstrou uma adesão superior ao HA.

O óxido de alumínio possui uma boa integração tanto com osso quanto com os tecidos moles, tanto ao nível epitelial quanto de tecido conjuntivo, com aderências hemidesmosomais, que são estruturas que permitem a adesão das células à superfície subjacente, como a lâmina basal e a matriz extracelular (MEC). Contudo, as taxas de falha dos implantes de óxido de alumínio foram altas, com taxas de sobrevivência entre 65% e 92%, possivelmente devido à sua fragilidade, baixa resistência à tração e envelhecimento a longo prazo. As aderências hemidesmosomais podem não ser suficientes para o efeito de barreira, que é alcançado com a adesão do tecido conjuntivo ao cimento dos dentes.

A zircônia, especificamente a zircônia tetragonal estabilizada com itérbio (Y-TZP), é mais resistente do que o óxido de alumínio e tende a ter uma redução na coleta de placa, o que é uma característica desejável para os implantes dentários. No entanto, na presença de água, ela sofre uma degradação a baixa temperatura, passando da fase tetragonal para a monoclínica, o que a torna frágil. A preparação da zircônia é altamente sensível à técnica, o que pode impactar a durabilidade do material. A resistência à fratura dos implantes de zircônia foi observada ser mais baixa do que a dos de titânio, com taxas de falha mais altas, embora mais estudos sejam necessários para avaliar a sobrevivência a longo prazo e o sucesso dos implantes de zircônia em comparação com os de titânio. Uma das fraquezas dos implantes de zircônia está nas roscas, onde altas tensões podem resultar em fraturas, principalmente devido a forças de torque elevadas durante a inserção do implante. Implantes de zircônia de duas peças possuem um risco ainda maior de fratura devido às roscas internas do abutment.

Modificações de design têm sido usadas para melhorar a adesão do tecido conjuntivo, incluindo tratamentos de superfície, colares (ou flanges), sulcos, estruturas porosas, manipulação da rugosidade da superfície, e alterações de energia superficial e molhabilidade. Entre os tratamentos de superfície utilizados estão os mecânicos (ex. jateamento com Ti, Zr, Al), químicos (ex. gravação ácida, anodização) e físicos (ex. sputtering, deposição iônica). Apesar de superfícies rugosas aumentarem a área de superfície para integração óssea, elas não necessariamente melhoram a adesão dos tecidos moles.

A adesão das células epiteliais tende a ser mais eficiente em superfícies lisas, enquanto a adesão e proliferação dos fibroblastos é mais efetiva em superfícies rugosas. Não houve diferenças significativas na resposta do tecido conjuntivo a diferentes materiais rugosos, seja para titânio, zircônia ou ligas de TiZr. Em nível de nanotecnologia, os estudos ainda são inconclusivos em relação à eficácia da rugosidade nanométrica na adesão de tecidos moles, embora já exista alguma evidência de sua eficácia na osseointegração, possivelmente por meio da interação direta das células com o substrato, como via do motivo RGD.

Colares de malha, ganchos de nylon, molas de aço e flanges sólidas aumentam a área de superfície para adesão do tecido, oferecendo uma melhor “integração” do tecido moles, mas ainda não geram conexões fortes, pois a direção da adesão do tecido mole (alinhamento das fibras de colágeno) não é perpendicular ao núcleo do implante. Isso torna a técnica cirúrgica de posicionamento do implante ainda mais sensível, uma vez que o colar deve estar à altura correta em relação à mucosa ou pele.

A orientação, profundidade e espaçamento dos sulcos podem influenciar o posicionamento e o crescimento das células epiteliais, além da resposta dos fibroblastos. A "orientação por contato" descreve a capacidade de controlar a orientação das células epiteliais e fibroblastos ao alterar as características dos sulcos de um implante. Estudos mostram que a adesão e a orientação dessas células podem ser influenciadas pela morfologia dos micro sulcos na superfície do titânio. A orientação das fibras de colágeno, por exemplo, pode ser “guiada” em direção à superfície do implante com a tecnologia Laser-Lok®. Entretanto, a orientação das fibras não implica necessariamente na adesão real ao implante.

Em termos de porosidade, diferentes tipos celulares necessitam de porosidade específica para crescimento e estabelecimento do suprimento sanguíneo necessário ao metabolismo do tecido. Embora os efeitos da porosidade não sejam totalmente compreendidos, um tamanho de poro de 40 μm e uma garganta de 16 μm permitem a incorporação dos tecidos moles de forma previsível, independentemente das características da superfície. Poros com mais de 100 μm demonstraram maiores taxas de crescimento epitelial para baixo e exposição do implante. Além disso, fibroblastos têm uma resposta positiva à maior hidrofilidade, com a melhor adesão encontrada em ângulo de contato de 20 a 40°.

O uso de revestimentos biomoleculares, como peptídeos, e o semeio de células-tronco mesenquimatosas são outras técnicas sendo estudadas para promover a adesão do tecido conjuntivo. O objetivo dos revestimentos biomoleculares é reduzir a adesão de proteínas inespecíficas e melhorar a adesão seletiva das células do tecido, estimulando as células através de integrinas para facilitar a cicatrização.

O entendimento de como diferentes tipos celulares respondem a diferentes proteínas e componentes da matriz extracelular (MEC) também é crucial para otimizar a adesão aos implantes. Colágenos do tipo I e IV, por exemplo, demonstraram melhorar a adesão epitelial, enquanto a laminina 332 tem mostrado ser eficaz em reduzir o crescimento epitelial para baixo. Já a fibronectina, que promove a adesão de fibroblastos, pode ser usada para melhorar a integração do tecido conjuntivo com a superfície do implante.