O turismo contemporâneo transcende as fronteiras tradicionais entre o “dentro” e o “fora” da experiência cotidiana, criando um liminoide, um espaço de suspensão da realidade diária. Tal ruptura, entretanto, não se restringe a uma simples mobilidade espacial; ela implica uma transgressão dos limites do aqui e agora, diluindo as distinções entre o local de origem e o lugar visitado. Esta ambiguidade entre estar em casa e estar ausente manifesta-se tanto nas práticas culturais quanto no consumo, influenciando hábitos tão variados quanto vestimenta, arquitetura, jardinagem, decoração, alimentação, e até o design paisagístico. A turistificação da vida cotidiana resulta numa dediferenciação entre turismo e rotina, um fenômeno que tensiona as bases conceituais que delimitam o turismo como esfera separada.

O turismo emerge, assim, como um instrumento e simultaneamente um resultado da modernização internacional, desafiando as análises restritas aos limites dos Estados-nação. A teoria do turismo evolui da percepção tradicional — que o passado seria um “país estrangeiro” — para uma busca experiencial por espaços e tempos exteriorizados da rotina diária, materializada em remanescentes, histórias e imagens arquivadas ou mesmo em realidade aumentada. Contudo, o crescimento do turismo de massas intensificou tensões e questionamentos quanto à sustentabilidade, uma vez que o excesso de visitantes pode destruir aquilo que originalmente justificava a visita. A industrialização dos transportes e acomodações facilitou o controle sobre o fluxo turístico, mas não eliminou a massificação nem a homogeneização dos lugares, desafiando as práticas tradicionais e a autenticidade.

Dentro desse contexto, a dicotomia entre serviços destinados a turistas e aos residentes torna-se cada vez mais tênue, dificultando até mesmo a diferenciação entre turismo e migração. As abordagens teóricas, predominantemente praticistas e pós-positivistas, têm se esforçado para integrar diversas perspectivas disciplinares e culturais, tornando o campo da pesquisa turística intrinsecamente multidisciplinar e transdisciplinar. Surgem assim novos paradigmas, que vão além dos critérios da ciência natural, para incluir valores sociais, culturais e ambientais. Para que o turismo se torne mais sustentável, é necessário conciliar interesses econômicos, sociais e ecológicos, promovendo equidade no acesso aos recursos, distribuição justa dos custos e benefícios, além da preservação ambiental e cultural.

A discussão sobre o tempo no turismo revela-se fundamental e, paradoxalmente, pouco explorada. A Organização Mundial do Turismo define o turismo com base em critérios temporais e espaciais — deslocamento por mais de 24 horas e menos de um ano — tratando o tempo como uma entidade absoluta e independente do sujeito. Contudo, essa perspectiva mecanicista do tempo ignora a sua construção social e cultural, reduzindo o fenômeno turístico a uma medida física e quantitativa. Novas pesquisas apontam para uma compreensão mais complexa do tempo no turismo, considerando diferentes modalidades, desde viagens permanentes e migração até passeios de um dia. Esta dimensão temporal dinamiza e desafia a noção tradicional de turismo, que não pode ser circunscrita a uma janela fixa de duração.

A produção de imagens, narrativas e infraestruturas turísticas funciona como uma contracultura ao cotidiano comum, oferecendo escapismo, relaxamento e a oportunidade de ampliar as concepções experiencialmente construídas das pessoas. O turismo, assim, é simultaneamente um reflexo e uma moldura do passado, do presente e do futuro, enquanto as barreiras entre serviços turísticos e comunitários se tornam cada vez mais fluídas.

Além do que foi explicitamente discutido, é crucial compreender que o turismo não é apenas um fenômeno econômico ou recreativo, mas uma força que molda identidades, relações sociais e percepções de tempo e espaço. A experiência turística pode ser um instrumento de inclusão ou exclusão, de conservação ou destruição, dependendo dos contextos culturais e políticos onde se insere. A sustentabilidade turística requer, portanto, um olhar atento às dinâmicas de poder e às narrativas construídas em torno dos destinos e das comunidades envolvidas, reconhecendo o turismo como um elemento complexo e multifacetado da condição humana contemporânea.

Como o Turismo em Belize Está Transformando a Economia Local e a Educação Profissional

O turismo desempenha um papel crucial na economia de Belize, um pequeno país localizado na costa nordeste da América Central. Com uma superfície de 22.966 km² e uma população de aproximadamente 400.000 habitantes, Belize é fortemente dependente da sua indústria turística, que representa cerca de 25% de seu PIB. Em 2019, o país registrou quase 1,7 milhão de chegadas, incluindo turistas que permaneceram por um período prolongado e excursionistas. Os principais mercados emissores de turistas são os Estados Unidos, com 74% do total, seguidos pela Europa, com 7%. Além disso, os turistas que visitam Belize gastam, em média, 1.010 dólares durante sua estadia, o que contribui significativamente para a economia local. As exportações geradas pelo turismo alcançam aproximadamente 500 milhões de dólares, representando 45% das exportações totais do país.

O turismo em Belize é principalmente voltado para o ecoturismo e o turismo cultural. As suas paisagens naturais, incluindo florestas tropicais, manguezais e recifes de corais, são os principais atrativos. O Sistema de Reservas da Barreira de Corais de Belize, que é Patrimônio Mundial da Humanidade desde 1996, é um exemplo clássico do ecoturismo praticado no país. A importância das zonas costeiras e da biodiversidade marinha de Belize é amplamente reconhecida, com áreas marinhas protegidas expandindo-se continuamente no âmbito da Iniciativa de Conservação Marinha e Adaptação às Mudanças Climáticas.

Além dos recursos naturais, a herança arqueológica maia de Belize também é um atrativo significativo para turistas que buscam uma imersão cultural e histórica. O país abriga diversos sítios arqueológicos maias, como Caracol, Xunantunich e Altun Ha, que atraem estudiosos e visitantes interessados em explorar a rica história da civilização maia. Esta combinação de turismo ecológico e cultural posiciona Belize como um destino de destaque na região da América Central, ao lado de países como México, Costa Rica e República Dominicana.

Em termos de educação, a Universidade de Belize oferece programas especializados na formação de profissionais para o setor do turismo, como o curso de Técnico em Turismo e o Bacharelado em Gestão de Turismo. Esses cursos não apenas fornecem conhecimento teórico, mas também capacitam os estudantes com habilidades práticas essenciais para o mercado de trabalho. A formação acadêmica tem como foco preparar os alunos para identificar oportunidades e desafios na indústria da hospitalidade e do turismo, abordando aspectos como gestão de hotéis, marketing turístico e preservação ambiental.

Entretanto, a indústria turística de Belize enfrenta desafios no sentido de diversificar seus produtos turísticos e garantir a sustentabilidade a longo prazo. O país tem um grande potencial para expandir seus produtos turísticos além dos tradicionais pacotes de ecoturismo e turismo cultural, incluindo o turismo de aventura, turismo de bem-estar e turismo sustentável. A necessidade de uma gestão eficaz e responsável é crucial para garantir que o crescimento do setor não prejudique os recursos naturais e culturais que tornam Belize tão atraente para os turistas.

Uma questão central no desenvolvimento do turismo em Belize é a necessidade de envolver a comunidade local nas iniciativas turísticas. O turismo não deve ser visto apenas como uma oportunidade econômica, mas também como uma ferramenta para melhorar a qualidade de vida local. A participação ativa das comunidades nas decisões sobre o turismo pode garantir que os benefícios sejam distribuídos de forma equitativa e que o impacto ambiental seja minimizado. Além disso, a criação de mais parcerias entre o setor público, privado e acadêmico poderia impulsionar a pesquisa sobre práticas sustentáveis no turismo e ajudar a identificar novas oportunidades de negócios no setor.

Finalmente, é fundamental que Belize continue a fortalecer a colaboração com outros destinos turísticos da região, como Costa Rica e México, para promover o Corredor Mesoamericano, um dos principais pontos de biodiversidade global. O aumento do intercâmbio entre esses países pode melhorar a visibilidade de Belize como destino turístico, além de contribuir para a preservação de seu patrimônio natural e cultural, garantindo que o turismo continue a ser uma força positiva para o desenvolvimento sustentável da nação.

Como o Turismo Reflete Desafios e Potencialidades em Países Africanos: O Caso do Burkina Faso e do Burundi

Burkina Faso, um país sem litoral situado na África Ocidental, apresenta uma complexa relação entre seu potencial turístico e as dificuldades políticas, sociais e econômicas que enfrenta. Com uma população de aproximadamente 20,9 milhões em 2020 e uma economia marcada por baixos índices de desenvolvimento humano (ocupando a 182ª posição no índice da ONU), o turismo emerge como uma atividade ainda incipiente, mas estratégica para o país. As atrações naturais, como lagos, cachoeiras e formações rochosas, somadas à rica arquitetura religiosa tradicional, oferecem um repertório que poderia ser explorado com maior intensidade. Contudo, a insegurança e os ataques terroristas, especialmente a partir de 2015, criaram ondas sucessivas de instabilidade, que impactaram negativamente o setor turístico, reduzindo a confiança dos visitantes e limitando o crescimento do segmento.

Historicamente, o turismo no Burkina Faso não contou com uma estrutura formal de formação profissional. Recentemente, instituições como a Universidade de Koudougou começaram a oferecer cursos específicos em gestão de organizações turísticas, mas a ausência de certificações internacionais, como a TedQual da Organização Mundial do Turismo, evidencia a necessidade de aprimoramento e reconhecimento acadêmico e profissional. A maioria dos funcionários que atuam no setor aprende através da prática, em um modelo de aprendizagem no trabalho, o que aponta para desafios na qualidade e na padronização dos serviços oferecidos.

O turismo burkinense concentra-se principalmente em festivais culturais e feiras comerciais, com destaque para o Festival Pan-Africano de Cinema e a Semana das Artes e Ofícios Africanos, eventos que promovem a valorização da cultura local e a atração de visitantes regionais e internacionais. A comunicação, fortemente baseada no francês e nas línguas nacionais Moore, Fulfulde e Jula, limita o alcance para turistas que não dominam esses idiomas, restringindo a diversificação dos mercados emissores de visitantes.

Burundi, situado na região dos Grandes Lagos da África Oriental, compartilha características similares de vulnerabilidade e potencial turístico. Com uma população de cerca de 11,5 milhões, sua economia é fortemente agrícola, empregando mais de 90% da população, e enfrenta desafios profundos relacionados à instabilidade política, conflitos recentes e pobreza generalizada. No entanto, o país tem avançado na formulação de estratégias integradas para o desenvolvimento econômico e social, com o turismo figurando entre os setores prioritários. A visão nacional para 2018–2027 enfatiza a importância de transformar o turismo em um motor sustentável de crescimento econômico, alavancando os recursos naturais, culturais e sociais para gerar efeitos multiplicadores na redução da pobreza e no desenvolvimento humano.

O aumento do número de turistas registrados entre 2015 e 2017 demonstra um movimento de recuperação e crescimento do setor, ainda que o turismo não seja amplamente reconhecido como uma carreira profissional viável, devido à escassez de formação formal e à dependência de treinamentos internos e oportunidades no exterior. Em parceria com países vizinhos e membros da Comunidade da África Oriental, Burundi investe em medidas comuns para facilitar o turismo regional, como a implementação de um visto único e a promoção de rotas turísticas multi-destinos.

É fundamental compreender que, tanto em Burkina Faso quanto em Burundi, o turismo não é apenas uma atividade econômica, mas um fenômeno profundamente ligado à estabilidade política, à segurança e à qualidade das instituições educacionais e regulatórias. O fortalecimento do setor requer investimentos em infraestrutura, capacitação profissional, certificação internacional, promoção cultural e, sobretudo, a criação de ambientes seguros para turistas e operadores locais. Além disso, a valorização das línguas locais e a adaptação dos serviços para públicos diversos podem ampliar o potencial de atração, fortalecendo a imagem desses países no cenário turístico global.

A interseção entre desafios de segurança, desenvolvimento humano limitado e a busca pela construção de uma identidade cultural e econômica sustentável torna o turismo nesses países um campo de estudo crucial para entender os processos de desenvolvimento em contextos vulneráveis. A atenção acadêmica e a formulação de políticas devem caminhar juntas para permitir que o turismo desempenhe seu papel como vetor de transformação social e econômica, promovendo inclusão, preservação cultural e crescimento equilibrado.

Como o Turismo Está Transformando a China: Perspectivas e Desafios no Século XXI

Nos últimos 40 anos, a China vivenciou uma transformação significativa em seu setor de turismo, impulsionada pela reforma e pela abertura econômica iniciada no final da década de 1970. Antes disso, o turismo na China estava restrito a uma função política e diplomática, limitado ao turismo receptivo, com viagens internacionais sendo controladas por empresas estatais. Com a transição para uma economia de mercado, a China começou a ver o turismo como uma fonte importante de receitas externas e crescimento econômico. Em 2019, a indústria do turismo no país alcançou um crescimento notável, com os gastos dos turistas domésticos atingindo RMB 5,730 bilhões (US$ 830,6 bilhões), e as chegadas internacionais chegando a 65,7 milhões, gerando gastos de US$ 131,3 bilhões.

Esse crescimento não se limita apenas ao número de turistas que visitam o país, mas também reflete uma mudança nas prioridades do governo. O turismo, que já foi visto como uma ferramenta de diplomacia e intercâmbio cultural, agora é uma parte integral da economia nacional, representando aproximadamente 11% do PIB da China em 2019. A contribuição do turismo para o crescimento econômico é evidente, mas o impacto vai além das finanças. A centralidade do turismo no desenvolvimento do país também é uma questão de qualidade de vida para seus cidadãos, uma vez que o governo reconhece que o turismo pode contribuir para o bem-estar social e o fortalecimento da coesão social.

O governo chinês também tem enfatizado a sustentabilidade no desenvolvimento turístico. O 13º Plano Quinquenal de Desenvolvimento de Turismo, que abrange o período de 2016 a 2020, coloca como objetivo a promoção do "desenvolvimento equilibrado e sustentável do turismo", com ênfase na preservação dos recursos naturais e culturais. A criação do Ministério da Cultura e Turismo em 2018 foi um passo importante nessa direção, integrando ainda mais o turismo à política cultural do país.

No entanto, esse crescimento exponencial também trouxe desafios. O turismo na China, em particular nas grandes cidades e atrações turísticas, tem enfrentado problemas de “overtourism” (turismo excessivo). A pressão sobre os recursos naturais e o impacto ambiental de um turismo de massa crescente se tornaram questões prementes. Além disso, as mudanças políticas, econômicas e sociais recentes, bem como a pandemia global de COVID-19, alteraram as dinâmicas do setor, forçando as autoridades a reconsiderar estratégias de gestão e o modelo de turismo que o país deseja seguir no futuro.

O turismo chinês também se expandiu além das fronteiras nacionais. Os turistas chineses, agora entre os maiores gastadores internacionais, viajaram por todo o mundo, com destinos em todos os continentes. Isso resultou em uma crescente dispersão do turismo chinês, com os cidadãos cada vez mais procuraram destinos mais distantes, como os Estados Unidos e países da Europa. Para muitos desses destinos, os turistas chineses se tornaram uma fonte vital de receita, algo que não era imaginável há algumas décadas.

Essa transformação tem raízes em mudanças profundas na própria sociedade chinesa. O aumento da classe média, com maior poder aquisitivo e acesso a viagens internacionais, tem sido um dos principais motores dessa expansão do turismo. Juntamente com o crescimento econômico, a melhoria na infraestrutura, como aeroportos, redes ferroviárias e serviços turísticos, ajudaram a tornar a China não só um destino mais acessível, mas também mais atrativo para os turistas internacionais.

Além disso, o turismo na China não se limita mais aos grandes centros urbanos como Pequim, Xangai e Hong Kong. O governo tem promovido fortemente o turismo rural, visando diminuir as disparidades regionais e fomentar o desenvolvimento de áreas menos desenvolvidas. O turismo tem se mostrado uma ferramenta eficaz para promover a inclusão social, reduzir a pobreza e melhorar as condições de vida nas zonas rurais. No entanto, as iniciativas de desenvolvimento rural ainda precisam de um equilíbrio cuidadoso para evitar os problemas do turismo massivo nessas regiões.

O setor também passou a ser regulado e promovido de maneira mais estratégica, com o estabelecimento de leis, como a primeira Lei de Turismo da China em 2013. O objetivo dessas políticas é garantir que o turismo se desenvolva de forma ordenada, atendendo aos padrões de qualidade e sustentando os recursos ambientais e culturais.

Olhando para o futuro, as perspectivas do turismo chinês são promissoras, com a continuação do crescimento econômico, melhoria nas infraestruturas e serviços turísticos e o fortalecimento de uma legislação que favoreça o desenvolvimento sustentável. A China está se posicionando como um dos destinos turísticos mais importantes do mundo, mas os desafios permanecem. Para que o turismo continue a ser uma força positiva no país, será crucial que a gestão turística foque em estratégias que promovam o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental e cultural.

Entender a evolução do turismo na China não é apenas perceber o crescimento de um setor específico, mas sim compreender como ele se entrelaça com as mudanças sociais, econômicas e culturais que o país está vivenciando. O turismo na China é uma janela para a transformação do país e para sua crescente presença no cenário global. Em um mundo cada vez mais conectado, a forma como a China equilibra as necessidades de seus cidadãos com a responsabilidade ambiental e cultural será um dos maiores desafios para garantir um futuro próspero para o setor.