A descolonização é um processo profundamente relacional, que transcende as fronteiras geográficas e políticas, desafiando as estruturas de poder herdadas pela modernidade. Este conceito não deve ser visto como uma mera desconexão do colonialismo, mas como um esforço contínuo para reconfigurar as relações entre as nações, os indivíduos e as identidades. Denetdale, ao abordar o autogoverno diné (navajo), introduz uma análise crítica que é essencial para compreendermos a complexidade das estruturas coloniais, que não apenas dominam as sociedades indígenas, mas também são perpetuadas através das práticas governamentais contemporâneas. Ela observa que, embora as nações tribais tenham sido formadas dentro de estruturas democráticas ocidentais, essas mesmas estruturas carregam consigo as heranças do patriarcado, do sexismo e da homofobia, perpetuando desigualdades profundamente enraizadas.

É nesse contexto que se torna crucial compreender a descolonização não apenas como uma reconquista da autonomia política, mas também como um processo de desconstrução das ideologias coloniais que ainda moldam as sociedades indígenas e suas relações internacionais. A crítica ao neocolonialismo, ao racismo e ao capitalismo de mercado livre emerge como uma chave para repensar as aspirações nacionais que buscam uma autodeterminação autêntica, não limitada pela reprodução das estruturas coloniais. Para os estudiosos, é essencial buscar formas de tornar as aspirações nacionais das comunidades indígenas compatíveis com uma abordagem mais global, em que as interações entre as nações se tornem um meio de resistência e de reconfiguração das relações de poder.

Neste cenário, o conceito de "transitório" de Jodi Byrd se revela como uma abordagem pertinente. Ela aponta para a ideia de que estar "em trânsito" significa viver de maneira relacional, multiplicada, em um mundo onde movimentos e contramovimentos se interligam. O pós-colonialismo e o neocolonialismo continuam a se manifestar em esferas globais, especialmente no Sul Global, onde as geografias pós-coloniais são constantemente reconfiguradas para atender às necessidades econômicas, ambientais e militares do Norte Global. Essa constatação amplia o horizonte da luta pela autodeterminação indígena, indicando que a resistência ao colonialismo não se limita ao território de um único país ou a um movimento restrito, mas é, de fato, uma luta global.

A análise de Kevin Bruyneel sobre as fronteiras coloniais expõe as dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas ao tentar definir suas identidades e desenvolver suas economias e políticas de maneira autônoma. O imperialismo dos Estados Unidos, por exemplo, busca estabelecer limites rígidos para a política indígena, ao mesmo tempo em que mantém um controle sobre os recursos naturais e impõe uma ordem econômica neoliberal. A soberania indígena, nesse sentido, não pode ser pensada isoladamente, mas deve ser vista como um processo interligado às lutas globais contra o imperialismo, o racismo e a desigualdade.

Neste quadro, o movimento BDS (Boycott, Divestment, Sanctions) surge como um exemplo de como as lutas de descolonização podem se conectar em uma escala internacional. Para que o BDS seja verdadeiramente eficaz, não pode se limitar à crítica ao Estado de Israel e ao seu colonialismo direto sobre os palestinos, mas deve incorporar uma análise mais ampla sobre as interconexões entre os processos coloniais no Oriente Médio e as estruturas de dominação globais. Israel, assim como os Estados Unidos, opera em um sistema de repressão militarizada, de colonialismo e de subordinação dos povos à lógica neoliberal. O movimento BDS, portanto, deve ir além de uma resistência localizada, envolvendo uma crítica à estrutura de poder transnacional que sustenta tais regimes.

A ênfase de Omar Barghouti sobre a importância de uma intelectualidade engajada na ação política prática também deve ser central neste debate. Ele aponta para a necessidade de que intelectuais não se distanciem da luta real, mas se imerjam nela, aprendendo com a experiência cotidiana dos ativistas. A descolonização intelectual não pode se contentar com a observação passiva; ela deve ser transformadora e ativista. O BDS, ao se conectar com as lutas de autodeterminação dos povos indígenas, ganha uma dimensão mais profunda, uma vez que reconhece que a luta contra o colonialismo é uma batalha global, que precisa ser travada em várias frentes e em diversos espaços de resistência.

Importante, no entanto, que se entenda que, para que o movimento BDS e outras lutas de descolonização sejam efetivas, é necessário um engajamento constante com as realidades locais e uma compreensão crítica das dinâmicas globais. O colonialismo não desapareceu, ele apenas mudou de forma, e a luta contra ele exige uma contínua adaptação das estratégias. A resistência não é apenas contra as potências coloniais, mas contra as estruturas de dominação que se perpetuam nas economias e políticas globais.

Como a Violência Sustentada pelo Capitalismo Molda as Geopolíticas de Resistência: O Caso de Palestina e El Salvador

A expressão de John Trudell, "bleeding wounds" ("feridas sangrentas"), ao ser colocada em um contexto de "guerra sempre presente", subverte convenções linguísticas e revela a profundidade das feridas nas comunidades oprimidas. Quando usada como adjetivo, "sangrentas" ressalta a gravidade das cicatrizes deixadas pela violência. Mas quando empregada como verbo, "sangrando" sugere a continuidade e a natureza incessante dessas feridas, como se a violência fosse um processo sem fim. Essa ideia de uma violência immanente, que se torna estrutural e visível, está no centro da guerra dos ricos, um conflito que jamais cessa e que, de forma simbólica, conecta lugares e pessoas em um sofrimento universal.

O vínculo entre El Salvador e Palestina, embora muitas vezes ofuscado, é tanto geopolítico quanto cultural. A presença de palestinos em El Salvador, por exemplo, se inscreve em uma relação política mais ampla, que vai além das trocas culturais e aponta para as implicações militares e de opressão mútuas que ambas as regiões sofreram. Israel, ao intervir em favor de juntas militares na América Central, é um exemplo claro de como as dinâmicas internacionais de repressão interagem com o sofrimento das populações locais. No poema de Trudell, a simples menção à Palestina já condena Israel, sem que uma única palavra seja dita diretamente sobre o Estado israelense. O que Trudell faz é uma crítica velada, uma análise sofisticada de um contexto global de dominação imperialista, onde a luta de uma terra pode ser a luta de todas as terras oprimidas.

O sofrimento comum de El Salvador e Palestina ilumina as conexões entre as diversas geografias da opressão e reforça a importância de cada uma dessas lutas na construção de uma narrativa global de resistência. O sofrimento, como um conceito global, é entendido não apenas como uma condição passiva, mas também como uma força ativa de resistência. Trudell, com sua análise estética e poética, coloca em xeque a ideia de que estamos "vivos" sob o capitalismo, sugerindo que, em muitos aspectos, vivemos uma vida cheia de mentiras, onde a alienação e a falta de memória histórica nos tornam prisioneiros de uma lógica que elimina a agência humana. A violência do capitalismo tardio se torna uma violência hipnótica, uma violência sem rosto e sem história, que apaga as identidades e histórias dos povos, sacrificando-as à marcha impessoal do capital. A falta de agência resulta na perda da memória, essencial para a formação da identidade de um povo.

A crítica de Trudell ao capitalismo industrial é clara: ele é responsável por uma vida sem propósito, sem autenticidade, onde os indivíduos se tornam robôs, apenas reações à violência estrutural de um sistema econômico que apenas favorece os poderosos. Esse estado de coisas se reflete em uma sociedade que, ao invés de permitir a verdadeira humanidade, impõe uma falsa consciência do que significa viver, levando a um estado de destruição contínua.

É preciso compreender, no entanto, que a poesia de Trudell, longe de ser uma lamentação, é uma forma de resistência, uma afirmação de resiliência frente ao capitalismo. O poema e sua música, mesmo ao reconhecer a devastação que o progresso capitalista trouxe para o mundo, nunca perdem a fé nos espaços danificados por essa marcha. A inclusão da Palestina no poema é mais do que uma referência geopolítica; é uma forma de afirmar que as lutas de resistência não são isoladas, mas fazem parte de uma luta maior pela liberdade e pela dignidade humana. A Palestina, como uma metáfora geopolítica, representa a opressão mundial, sendo um símbolo de resistência global contra o imperialismo e a colonização. Assim, Trudell não apenas menciona a Palestina, mas sugere que ela é fundamental para a articulação de uma resistência inter/nacional.

Carter Revard, por outro lado, oferece uma resposta mais moderada, mas igualmente profunda, aos temas tratados por Trudell. Em seu poema "A Response to Terrorists", Revard questiona as estruturas imperialistas e coloniais, tratando da questão da terra e da identidade indígena. Sua poesia, em contraste com o estilo intenso de Trudell, adota uma forma mais conversacional, propondo uma reflexão crítica sobre a história da colonização e seus efeitos na identidade cultural dos povos nativos. Revard coloca as questões de uma forma que, embora pareça simples, desafia o leitor a pensar mais profundamente sobre a natureza da violência colonial e a sua relação com o conceito de identidade indígena.

Revard, assim como Trudell, denuncia o processo de destruição das culturas indígenas, mas sua crítica é mais voltada para a dinâmica da colonização interna, onde as identidades dos povos nativos são constantemente forjadas pelo império e sua lógica de destruição. A visão de Revard sobre a fragilidade das culturas indígenas — "pequenas e frágeis", mas resilientes — aponta para a complexidade da sobrevivência dessas culturas dentro de um império global que constantemente tenta apagá-las. No entanto, ele sugere que a verdadeira resistência não está apenas na oposição ao império, mas também na manutenção e afirmação das identidades culturais, mesmo dentro de um sistema que constantemente tenta erodi-las.

Portanto, tanto Trudell quanto Revard oferecem uma crítica pungente ao imperialismo e ao capitalismo, mas o fazem de maneiras distintas. Trudell foca na opressão global e na alienação proporcionada pela lógica capitalista, enquanto Revard se concentra na questão da colonização interna e da luta pela preservação das culturas nativas. Ambos, no entanto, nos convidam a refletir sobre o estado atual do mundo e a necessidade de resistir a um sistema que tenta apagar as histórias e as identidades dos povos.