A equação de Vlasov emerge da análise do movimento de partículas sob uma abordagem Hamiltoniana, representando a evolução de distribuições de partículas em fase espacial. A partir de uma equação fundamental da mecânica hamiltoniana, podemos escrever a equação de continuidade para um sistema de partículas, análoga à conservação de massa em dinâmica de fluidos. A equação que descreve a evolução da distribuição de partículas é dada por:

tf+u(q,p)f=0\partial_t f + \mathbf{u} \cdot \nabla_{(q,p)} f = 0

onde f(q,p,t)f(q, p, t) é a função de distribuição de partículas e u=(q˙,p˙)\mathbf{u} = (\dot{q}, \dot{p}) é o campo vetorial Hamiltoniano representando o movimento das partículas. Essa equação implica que, em um sistema isolado de partículas, a distribuição de partículas ao longo do espaço de fase não se altera, ou seja, a função de distribuição ff permanece constante ao longo do tempo.

Ao expandir o Hamiltoniano h(q,p)h(q,p), que representa a energia total de uma partícula, obtemos a forma mais comum da equação de Vlasov:

ft+pmfqVqfp=0\frac{\partial f}{\partial t} + \frac{\mathbf{p}}{m} \cdot \frac{\partial f}{\partial q} - \frac{\partial V}{\partial q} \cdot \frac{\partial f}{\partial p} = 0

onde V(q,p)V(q,p) é o potencial, mm é a massa da partícula, e p\mathbf{p} e q\mathbf{q} são as variáveis conjugadas. Esta equação é um exemplo clássico de uma equação de transporte, comum na teoria cinética.

A conexão com a teoria cinética se torna mais evidente quando se observa que, embora a equação de Vlasov descreva a evolução da função de distribuição ff, ela se aplica a sistemas de partículas que interagem, mas sem colidir de maneira direta. A partir dessa formulação, passamos a uma descrição mais complexa de flujos de partículas, considerando as equações de Hamilton e o uso das funções de distribuição para capturar fenômenos de transporte em sistemas físicos, como a dinâmica de gases.

Uma das formas alternativas de escrever a equação de Vlasov é através de um formalismo Lie-Poisson, que facilita a análise de sistemas com simetrias complexas. A equação então se transforma na seguinte forma:

ft+{f,h}=0\frac{\partial f}{\partial t} + \{ f, h \} = 0

onde {f,h}\{f, h\} é o colchete de Poisson canônico, que descreve a dinâmica da função de distribuição ff em fase espacial.

O formalismo Lie-Poisson é útil porque ele confere uma estrutura algébrica ao conjunto de funções no espaço de fase, permitindo tratar as simetrias do sistema e realizar transformações mais gerais sobre essas funções. De forma prática, o método de Lie-Poisson é frequentemente utilizado para analisar sistemas físicos mais gerais, como em fluidos, onde a conservação de certos momentos (como energia ou helicidade) é crucial para a descrição do comportamento do sistema.

Quando o sistema de partículas descrito pela equação de Vlasov é relacionado com dinâmicas de fluidos, observamos que, no caso dos fluidos compressíveis, as equações podem ser formuladas usando uma abordagem de Lagrangiana reduzida, onde o campo de velocidade u\mathbf{u} está relacionado com a densidade advectada DD. Essa densidade, por sua vez, segue a equação de continuidade, que garante que a densidade de partículas seja preservada ao longo do movimento do fluido:

Dt+(uD)=0\frac{\partial D}{\partial t} + \nabla \cdot (\mathbf{u} D) = 0

Este tipo de equação é análogo à equação de continuidade clássica usada para descrever a conservação de massa em fluidos. Quando aplicada a fluidos barotrópicos, a energia interna e(D)e(D) está diretamente relacionada à densidade, e as equações que governam a dinâmica do fluido podem ser derivadas a partir dessa estrutura.

Além disso, ao se considerar a equação de Euler para um fluido incompressível, as equações de movimento podem ser obtidas através de uma condição de incompressibilidade D=1D = 1, que implica que a divergência do campo de velocidade seja nula. Neste caso, a equação de continuidade para o fluido se reduz a uma condição de conservação de volume:

Dt+(uD)=0\frac{\partial D}{\partial t} + \nabla \cdot (\mathbf{u} D) = 0

Por fim, a equação de Euler para fluidos incompressíveis é derivada do formalismo Hamiltoniano, onde a conservação de energia e a estrutura de Lie-Poisson permitem descrever a dinâmica do fluido de maneira precisa, incluindo fenômenos como a circulação e o vorticidade.

A abordagem Hamiltoniana e o uso de funções de distribuição são essenciais para a compreensão de sistemas contínuos e a derivação das equações que regem o movimento de partículas e fluidos. A relação entre as equações de Vlasov, a dinâmica de fluidos barotrópicos e incompressíveis, e o formalismo de Lie-Poisson oferece uma estrutura poderosa para modelar e entender sistemas físicos complexos, em que a simetria e a conservação de momentos desempenham um papel crucial.

Qual a relação entre holonomia e fase geométrica nas mecânicas clássica e quântica?

A interconexão entre a matemática e a física é profundamente ilustrada no exemplo intitulado “Elroy e seu chapéu” encontrado na referência [MaMoRa1990]. Esse exemplo revela que uma propriedade matemática da mecânica geométrica, chamada holonomia, está intimamente ligada à verdadeira natureza da fase geométrica observada no efeito Aharonov-Bohm na física quântica. Essa relação nos lembra a observação de Hermann Flaschka, citada no início do livro: "A tarefa mais difícil é pensar em exemplos viáveis que revelem algo novo" [Fl2015].

Na mecânica geométrica, o conceito de holonomia é fundamental para a compreensão de certos comportamentos de sistemas dinâmicos. Vamos considerar um sistema composto por dois corpos rígidos em um plano, unidos por um eixo que conecta seus centros de massa. Se I₁ e I₂ são os momentos principais de inércia dos corpos e θ₁ e θ₂ são os ângulos que eles formam com uma direção fixa em um referencial inercial, a conservação do momento angular total para as rotações planas desse sistema é expressa pela equação I₁θ̇₁ + I₂θ̇₂ = μ, onde μ é uma constante do movimento.

O espaço de formas desse sistema descreve sua configuração geométrica, que, neste caso, é um círculo S¹ determinado pelo ângulo relativo ψ = θ₂ − θ₁. A fórmula para a conservação do momento angular torna-se, então, I₂ μ I₁θ̇₁ + I₂(ψ̇ + θ̇₁) = μ ou Amech := dθ₁ + dψ = dt, com I₁ + I₂ I₁ + I₂. Quando o momento angular total μ é zero e o Corpo #2 completa uma revolução, fazendo com que o ângulo relativo ψ aumente de 0 a 2π, encontramos que a rotação do Corpo #1 em relação ao quadro fixo, após uma revolução completa de Corpo #2, é dada por: ∫, Corpo #1 rot 2π (ate) θ₁ = − I₂ I₂ dψ = − 2π. Isso representa o quanto o sistema todo gira em relação ao quadro fixo cada vez que o Corpo #2 completa uma revolução.

Do ponto de vista geométrico, a 1-forma Amech na equação (2.3.2) pode ser considerada como uma conexão plana para o feixe trivial principal S¹ dado pela projeção B(θ₁, ψ) = θ₁. A fórmula (2.3.3) representa a holonomia da conexão Amech quando o ângulo relativo percorre periodicamente o círculo base 0 ≤ ψ ≤ 2π.

Essa mesma conexão Amech aparece no efeito Aharonov-Bohm na física, onde a holonomia descreve o comportamento quântico da fase geométrica. A holonomia também pode explicar fenômenos mais cotidianos, como o comportamento de um gato caindo, que consegue se reorientar no ar, mesmo com momento angular zero. Esse fenômeno é descrito em um feixe de grupos mais complexo, SO(3) × SO(3) → SO(3), onde o ângulo relativo é definido no grupo SO(3).

Além disso, podemos analisar um modelo plano do pêndulo esférico de Foucault, que possui uma holonomia semelhante à do exemplo de Elroy e seu chapéu. Esse modelo ilustra como a mecânica geométrica pode descrever a dinâmica de sistemas com múltiplos graus de liberdade, como o movimento de um pêndulo ou de corpos rígidos, e como as interações entre esses graus de liberdade podem gerar fenômenos complexos e não intuitivos.

No caso do pêndulo de Foucault, que é um exemplo clássico de precessão, podemos usar a mecânica Hamiltoniana para descrever seu movimento. O princípio de ação de Hamilton para o pêndulo de Foucault é dado em coordenadas polares planas (r, θ), onde a ação é uma integral que depende das velocidades radiais e angulares do sistema, bem como da rotação da Terra. A análise das variações dessa integral leva à formulação das equações de movimento, e podemos determinar a solução para o comportamento do pêndulo, que, como resultado, mostra que o plano de oscilação do pêndulo precessiona devido à rotação da Terra. Esse fenômeno é um exemplo clássico da fase geométrica ou do ângulo Berry-Hannay, que descreve a discrepância angular entre o movimento do pêndulo e a rotação da Terra.

A discrepância angular, conhecida como ângulo Berry-Hannay, surge devido à rotação do quadro de referência com frequência angular Ω ≠ 0, perturbando a evolução angular do pêndulo. Após um ciclo completo de oscilação radial, o ângulo θ não retorna ao seu valor inicial, mas é deslocado por uma quantidade ∆θ = ΩT, onde T é o período do movimento radial. Esse deslocamento angular é uma consequência direta da holonomia, que está associada à composição dos mapas de oscilação e rotação do sistema.

A holonomia tem, assim, uma profunda conexão com a física clássica e quântica. Em sistemas dinâmicos, a presença de holonomia pode levar a resultados não triviais, como a precessão do pêndulo de Foucault ou a fase geométrica observada no efeito Aharonov-Bohm. Além disso, a holonomia também pode ser observada em sistemas mais complexos, como o comportamento de um gato caindo ou a interação entre corpos rígidos em um plano.

Em sistemas com múltiplos graus de liberdade, como o pêndulo de Foucault ou o exemplo de Elroy e seu chapéu, a análise da holonomia nos permite entender como a evolução de um grau de liberdade pode afetar os outros. Essa interdependência entre os graus de liberdade é uma característica central da mecânica geométrica e da física clássica e quântica, e entender esses efeitos pode nos ajudar a descrever fenômenos físicos de maneira mais profunda e precisa.

Além disso, é importante perceber que a holonomia e a fase geométrica não se limitam a sistemas simples ou ideais. Elas também podem ser observadas em sistemas mais complexos e em fenômenos que vão além da mecânica clássica, como em sistemas quânticos e em interações de partículas em campos magnéticos, como o efeito Aharonov-Bohm. A matemática por trás da holonomia pode ser usada para explorar uma ampla gama de fenômenos físicos, tanto em contextos clássicos quanto quânticos.