O uso de células-tronco como terapia para doenças pediátricas e neonatais, embora promissor, ainda enfrenta desafios técnicos e científicos consideráveis. Seja para doenças neurológicas, gastrointestinais ou outras condições graves, as terapias com células-tronco precisam ser avaliadas com cuidado em termos de fontes celulares, rotas de administração e, acima de tudo, segurança e eficácia.

No contexto das doenças neurológicas, como a encefalopatia hipóxico-isquêmica (EHI), hemorragia intraventricular (HIV), paralisia cerebral e autismo, a aplicação de células-tronco tem mostrado resultados positivos em modelos pré-clínicos, mas a transição para tratamentos eficazes e seguros em seres humanos ainda é um processo complexo. A pesquisa sobre o impacto das células-tronco no cérebro em desenvolvimento indica que, apesar da excelente capacidade de reparo endógeno em neonatos e crianças, o cérebro em desenvolvimento continua altamente suscetível ao estresse oxidativo. Nesse cenário, as células-tronco não permanecem no cérebro, mas secretam fatores de crescimento imunomoduladores e trofóticos, que desempenham um papel crucial na redução da inflamação, estresse oxidativo, e na promoção da neurogênese e angiogênese.

A EHI, que frequentemente resulta em paralisia cerebral, tem sido uma das condições mais estudadas. O tratamento com células-tronco tem mostrado resultados promissores, como a infusão de células-tronco derivadas do sangue do cordão umbilical em cordeiros com EHI, que diminuiu significativamente a neuroinflamação e a apoptose neuronal. O uso de células-tronco mesenquimatosas (MSCs) de diversas fontes, em conjunto ou não com terapias como a hipoterimia, também tem mostrado efeitos benéficos. No entanto, a escolha do momento ideal para a administração celular, a rota de entrega e a dosagem permanecem como questões não resolvidas. Estudos experimentais indicam que a infusão precoce de células oferece melhores resultados, embora pesquisas indiquem que as MSCs administradas até 10 dias após o início do dano cerebral neonatal também podem melhorar os resultados.

Em relação à paralisia cerebral, as terapias com células-tronco mostram efeitos positivos a curto prazo, mas mais investigações são necessárias para entender os mecanismos subjacentes do reparo celular. Um metaestudo recente sobre terapias com células-tronco para paralisia cerebral sugeriu que elas, com ou sem reabilitação, têm um efeito modesto, mas superior, sobre a função motora grosseira, comparado apenas à reabilitação. Embora os efeitos adversos sejam raros, esses estudos envolvem amostras pequenas, e os estudos controlados randomizados com acompanhamento a longo prazo são necessários para validar essas terapias.

O autismo, uma condição caracterizada por um desequilíbrio no sistema imunológico e aumento da produção de citocinas inflamatórias, também tem sido alvo de terapias com células-tronco. Em modelos de roedores, as células-tronco mostraram melhora na neurogênese do hipocampo e redução de comportamentos estereotípicos. Embora estudos clínicos iniciais mostrem segurança nas terapias com células-tronco, a evidência de benefícios terapêuticos é ainda limitada, e mais ensaios clínicos de grande escala são necessários para avaliar a real eficácia dessas terapias no tratamento do autismo.

Além disso, a hemorragia intraventricular (HIV) em prematuros é uma condição grave que também tem sido alvo de tratamentos com células-tronco. Estudos pré-clínicos indicam que a administração de células-tronco derivadas do sangue do cordão umbilical pode atenuar os danos cerebrais causados pela HIV. Ensaios clínicos iniciais demonstraram que a infusão de MSCs via intraventricular em prematuros com HIV foi bem tolerada, sem efeitos adversos graves. Porém, ainda existem questões a serem resolvidas em relação à melhor forma de administração, ao momento adequado e ao mecanismo exato de neuroproteção oferecido por essas terapias.

No campo dos distúrbios gastrointestinais, como a enterocolite necrosante (NEC), modelos experimentais mostraram que as células-tronco podem ajudar a preservar a integridade epitelial intestinal, reduzir a translocação bacteriana e melhorar a proliferação de enterócitos. Embora os estudos pré-clínicos mostrem promissores resultados, ainda não há ensaios clínicos em andamento sobre a utilização de células-tronco para o tratamento da NEC. A escolha do momento e da terapia adequada continua sendo um desafio significativo.

Apesar de todos esses avanços, o maior obstáculo permanece a implementação clínica das terapias com células-tronco. Além de questões técnicas, como a obtenção de células adequadas, a determinação da melhor dose e a escolha da rota de administração, questões éticas e financeiras também devem ser cuidadosamente analisadas. Embora os tratamentos com células-tronco mostrem um grande potencial, os custos elevados e o tempo necessário para preparar as células podem ser barreiras significativas. A necessidade de pesquisas adicionais é clara, mas os resultados iniciais são suficientemente promissores para justificar a continuidade dos estudos.

Como a Carvão Ativado e a Irrigação do Intestino Afetam a Absorção de Substâncias Tóxicas: Abordagens e Desafios

O carvão ativado é um dos tratamentos mais comuns para intoxicações, com base em seus diversos benefícios teóricos, como a adsorção direta de substâncias tóxicas, a prevenção da absorção sistêmica e a interrupção da recirculação entero-hepática de fármacos ou seus metabólitos. O conceito de "diálise intestinal" foi introduzido para descrever o processo no qual o carvão ativado, ao passar pelo intestino, cria um gradiente de concentração que permite que os fármacos circulantes no sistema voltem ao lúmen intestinal e se liguem ao carvão. Este processo contínuo de movimento do carvão pelo trato gastrointestinal pode ser eficaz na remoção de substâncias que ainda não foram absorvidas pelo organismo.

Em alguns casos de ingestão, o carvão ativado é administrado de forma pulsada. Nesse caso, os catárticos devem ser administrados apenas com a primeira dose de carvão ativado do dia para evitar desequilíbrios de líquidos e eletrólitos. É essencial monitorar a atividade intestinal para evitar o impacto do carvão causado por íleo, especialmente em pacientes com envenenamento por anticolinérgicos. No entanto, é importante notar que nem todas as substâncias se ligam ao carvão ativado. Metais como ferro e lítio, certos pesticidas, alguns corrosivos e algumas substâncias alcoólicas têm baixa afinidade com o carvão ativado.

Embora catárticos sejam comumente administrados junto com a primeira dose de carvão, estudos não demonstram que eles melhorem significativamente o prognóstico após uma overdose de medicamentos. Catárticos como o citrato de magnésio, o sulfato de magnésio e o sorbitol são usados devido à sua alta osmolaridade, que promove a entrada de líquidos no trato gastrointestinal, estimulando o aumento da peristalse intestinal. Entre esses, o sorbitol se destaca por sua ação rápida, promovendo a evacuação no menor tempo em comparação aos catárticos salinos. No entanto, o uso excessivo de catárticos pode causar desidratação em crianças pequenas, bem como hipermagnesemia, o que impede seu uso em lactentes.

Em relação às contraindicações do carvão ativado, ele não deve ser administrado a pacientes com vias aéreas não protegidas ou com sinais de obstrução ou perfuração gastrointestinal. Entre 6% e 27% dos pacientes que recebem carvão ativado apresentam episódios de vômito, sendo que o risco de vômito pode ser influenciado pela substância ingerida. Pneumonite por carvão, um evento adverso raro, mas grave, é observado em aproximadamente 1,6% dos casos. O carvão também não é recomendado para pacientes que ingerem agentes corrosivos, pois pode obscurecer a visualização durante a endoscopia, a menos que haja outro veneno sistêmico passível de tratamento com carvão ativado.

A irrigação intestinal total (WBI) é uma técnica utilizada para remover substâncias do trato gastrointestinal que não se ligam ao carvão, como ferro ou lítio. Consiste na administração contínua de uma solução balanceada de eletrólitos e polietilenoglicol em volumes relativamente altos. Essas soluções são isosmóticas, o que permite a limpeza mecânica do intestino sem o risco de desequilíbrios de líquidos e eletrólitos, sendo seguras mesmo para crianças pequenas. A WBI pode ser indicada para pacientes que ingeriram grandes quantidades de substâncias tóxicas ou preparações de liberação sustentada, como bloqueadores dos canais de cálcio, ou para aqueles que ingeriram substâncias potencialmente formadoras de concreções, como tinta à base de chumbo ou pacotes de drogas.

Embora a irrigação intestinal possa acelerar o tempo de trânsito de algumas substâncias, não há evidências suficientes para comprovar seus benefícios clínicos. Entre os riscos estão o vômito, que pode ser exacerbado por obstrução intestinal ou íleo, e a necessidade de inserção de um tubo nasogástrico em crianças. Além disso, a WBI não é recomendada para pacientes com anatomia gastrointestinal anômala.

Após a estabilização inicial do paciente, uma história detalhada deve ser obtida, incluindo informações sobre a substância ou substâncias envolvidas, o tempo de ingestão, e outros produtos disponíveis. A coleta de dados deve ser abrangente, incluindo medicamentos de venda livre, medicamentos prescritos anteriores, suplementos, produtos herbais e industriais, além de substâncias de abuso ou produtos químicos de pesquisa. A estimativa da dose potencial ingerida é essencial e deve sempre assumir o pior cenário possível. Uma busca retroativa no ambiente doméstico pode revelar itens que a criança tenha encontrado, como comprimidos no chão ou embalagens descartadas.

Embora muitas exposições em crianças envolvam produtos nontóxicos ou minimamente tóxicos, é importante lembrar que até mesmo uma exposição nontóxica pode levantar preocupações, como gestos suicidas, sinais de estresse do cuidador ou ambientes inseguros. Substâncias tidas como nontóxicas podem ser erroneamente identificadas ou ter sido adulteradas, o que pode levar a um diagnóstico incorreto.

Além disso, é fundamental reconhecer que, mesmo em casos onde o produto ingerido é considerado de baixa toxicidade, a ingestão pode causar consequências graves, dependendo do contexto e da quantidade envolvida. Produtos que geralmente causam alta toxicidade com doses mínimas, como antiarrítmicos, bloqueadores beta, antidepressivos tricíclicos, e opioides, requerem uma abordagem cautelosa e rápida para prevenção de complicações fatais.