A crise da modernidade impõe à nossa compreensão do eu e da identidade questões complexas que vêm se intensificando nas últimas décadas. A percepção de si mesmo, profundamente vinculada à autonomia e à capacidade de controlar o destino pessoal, enfrenta desafios consideráveis em um mundo cada vez mais marcado pela incerteza e pela mudança rápida. A ideia de que somos os arquitetos de nossa própria vida e dos nossos próprios resultados parece diluir-se diante de uma realidade onde as forças externas, como sistemas financeiros impiedosos e a corrupção política, tiram a capacidade de agência individual. Como podemos manter nossa autoestima em um cenário onde o controle parece escapar das nossas mãos?
A crise do eu moderno também se reflete na organização de nossas percepções internas, aquelas que nos definem enquanto indivíduos e, por consequência, enquanto membros de uma sociedade. Um dos principais fatores é o desejo de manter ou elevar nossa autoestima, que se torna um motor poderoso para muitas ações. A necessidade de nos vermos de forma positiva, muitas vezes moldada pelas interações sociais, nos leva a interpretar o comportamento alheio de maneira a justificar nossa própria imagem. Assim, entramos em movimentos sociais que parecem conferir-nos poder e virtude, o que nos ajuda a construir um sentido de pertencimento, como se participássemos de algo maior, algo que valida nossas crenças e nossas ações.
Ademais, a saliência das nossas identidades sociais – as percepções que têm maior relevância em momentos específicos – é crucial. A identidade social de um londrino, por exemplo, leva-o a evitar o contato visual e conversas com estranhos no metrô, enquanto um cristão renascido, diante de uma situação tida como “ímpia”, se vê impulsionado a tirar a Bíblia da mochila para evangelizar. Este exemplo ilustra a complexidade das identidades sociais e das percepções que o ser humano organiza dentro de si. Algumas pessoas possuem uma vasta gama de identidades sociais, enquanto outras se veem com uma identidade central que predomina em todas as situações.
O nível de complexidade do eu é ampliado quando se considera como essas percepções e identidades se relacionam entre si. Um psicólogo, por exemplo, pode se identificar primariamente com sua profissão, mas, ao mesmo tempo, ser acadêmico em outro contexto. Essas diferentes identidades podem ser usadas para guiar o comportamento, justificar ações já realizadas ou explicar reações diante de certas situações. A flexibilidade das percepções também permite a adaptação a diferentes circunstâncias, mas ela carrega consigo o risco de uma fragmentação da identidade, especialmente em tempos de mudanças rápidas e imprevisíveis.
A tensão entre a diferenciação e a integração das percepções do eu também é um aspecto relevante. Alguns indivíduos preferem se associar a grupos sociais altamente diferenciados, pertencentes a seitas obscuras, por exemplo, enquanto outros se identificam com categorias sociais amplas, como os fiéis. O eu altamente diferenciado pode florescer em um ambiente homogêneo e seguro, mas encontra dificuldades quando precisa interagir com outros grupos de características distintas. Essa fragmentação da identidade é um reflexo de uma sociedade que se torna cada vez mais atomizada e desintegrada, onde as conexões entre os indivíduos se enfraquecem e os espaços de interação se tornam mais impessoais.
É importante também entender como os diferentes tipos de identidade influenciam a explicação e a atribuição de eventos e resultados. O individualismo moderno leva muitos a atribuir seus sucessos a suas próprias capacidades, esforços e escolhas. No entanto, os fracassos tendem a ser atribuídos aos outros, o que favorece a ideia de que somos os responsáveis por tudo o que acontece em nossa vida. Nesse contexto, explicações em termos de sorte ou de fatores estruturais e históricos são descartadas, visto que a lógica da responsabilidade individual se sobrepõe a qualquer outra explicação.
Por fim, o quão disposto uma pessoa está a aceitar mudanças em sua percepção do eu é uma questão central. A questão da continuidade da narrativa de vida é um reflexo de como os indivíduos lidam com o passado, o presente e o futuro. Enquanto no passado, em tempos mais previsíveis, a vida seguia uma narrativa linear e coerente, no contexto atual – onde o risco e a incerteza predominam – a narrativa da vida tende a se fragmentar. Mudanças rápidas e inesperadas no cenário social e no mercado de trabalho, como a substituição de empregos por algoritmos e a transição para uma economia digital, fazem com que muitos se vejam perdendo a capacidade de contar uma história contínua sobre si mesmos.
A percepção de controle sobre a própria vida, em uma sociedade que se distancia das certezas do passado e se volta para o virtual e o impessoal, gera uma crise existencial para muitos. A dificuldade de se adaptar a essas novas formas de vida, onde o tempo é fragmentado e a continuidade parece perdida, é uma das questões mais prementes da atualidade. Como podemos, então, reorganizar nossa visão de nós mesmos e recuperar algum grau de controle sobre nossas vidas e nossas escolhas? Esse é o grande dilema da modernidade líquida, que, longe de nos fornecer respostas claras, desafia-nos a refletir profundamente sobre quem somos e o que podemos fazer para reconstruir um senso de identidade que nos permita viver de maneira mais autêntica em um mundo em constante transformação.
Como Funcionam os Movimentos Reacionários? O Caso de Erdogan e o Populismo Contemporâneo
O populismo e o fundamentalismo, embora com diferentes ideologias e perspectivas, compartilham uma estrutura psicológica comum que os impulsiona. Ambos se revelam como reações contra a modernidade, não apenas como um sistema social dominante, mas também como um ideário que fragmenta as sociedades em múltiplos sistemas com diferentes objetivos, valores e práticas. A diversidade de perspectivas e critérios de verdade resultante dessa fragmentação é algo que tanto populistas quanto fundamentalistas rejeitam, uma vez que são, por definição, absolutistas. Para eles, existe apenas um sistema de crenças correto — o seu próprio — e qualquer outro ponto de vista é uma ameaça a essa verdade absoluta.
A fragmentação da sociedade, um traço central da modernidade, é vista com grande desconfiança por esses movimentos. Eles se opõem à ideia de uma realidade plural, que implica na inexistência de uma crença universal. O populismo, que lida com a política e os valores, e o fundamentalismo, que apresenta uma visão mais cósmica e religiosa, compartilham a hostilidade a essa pluralidade, muitas vezes manifestada em formas de confronto direto ou, em alguns casos, em isolamentos em enclaves sociais ou religiosos. A reação contra os sistemas jurídicos, científicos e culturais é uma das características mais notáveis desses movimentos, que veem essas instituições como parte de um sistema corrupto e decadente.
Tanto os populistas quanto os fundamentalistas são conduzidos por narrativas de identidade, em que se definem como os "verdadeiros" em contraste com os "falsos" ou "heréticos". Estes estereótipos, como "a elite burocrática" ou "os falsos profetas", são amplamente difundidos e aceitos dentro dessas comunidades. Essa dicotomia entre o "Nós" e "Eles" sustenta uma forma de polarização que alimenta o ressentimento e a desconfiança em relação ao "outro". Esses movimentos têm suas emoções e motivações alimentadas por histórias épicas de luta contra um inimigo que ameaça sua identidade, seja este o estado, as elites ou qualquer outra forma de autoridade. Além disso, esses líderes operam dentro de um repertório narrativo que envolve uma explicação simples e direta dos eventos: quando as coisas vão bem, é porque "nós" — o povo ou os fiéis — triunfamos, mas quando as coisas vão mal, "eles" ou "Satanás" são os culpados.
O aspecto que diferencia o populismo e o fundamentalismo de outras narrativas sociais é sua natureza restauracionista. Ambos prometem um retorno a um passado idealizado, que, por definição, nunca existiu da forma como é apresentado. A nostalgia de um tempo melhor, mais puro ou mais justo é uma característica essencial que motiva esses movimentos, apesar de ser uma promessa impossível. O "relógio da história" não pode ser retrocedido, pois a modernidade não é uma etapa temporária, mas uma força contínua que molda e reconfigura a sociedade global.
Um exemplo claro e atual de como esses processos psicológicos e narrativos operam pode ser encontrado no comportamento político de Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia. Erdogan iniciou sua carreira política representando-se como o "homem do povo", alguém oriundo de uma favela de Istambul e que lutaria contra as elites que governam o país. Sua retórica populista, que inicialmente lhe garantiu apoio popular, fez com que ele fosse visto como um líder legítimo e democráticamente eleito. Contudo, após a tentativa de golpe em 2016, Erdogan aproveitou a crise para enfraquecer as instituições modernas e fortalecer seu poder, atacando diretamente o judiciário e a imprensa, substituindo juízes e jornalistas críticos por aliados leais. O uso do poder executivo para consolidar sua autoridade levou a reformas estruturais no governo turco, permitindo-lhe governar por decretos presidenciais e ter controle absoluto sobre as decisões judiciais, além de um controle cada vez maior sobre as instituições do país.
A estratégia de Erdogan reflete claramente o padrão de reação dos movimentos populistas e fundamentalistas: um ataque direto à modernidade e às instituições que sustentam a ordem democrática e pluralista. Ele construiu uma narrativa de "restauração" de uma Turquia que, segundo ele, estava sendo corrompida pela secularização e pelas elites. Nesse sentido, sua ascensão ao poder não é apenas uma questão de política local, mas um reflexo de um movimento global de reação à modernidade, que também se observa em outros líderes populistas ao redor do mundo.
Além disso, é importante entender que a polarização característica desses movimentos tem implicações profundas para o funcionamento das democracias. O conceito de "inimigo interno" ou "outro", como visto na narrativa populista e fundamentalista, não apenas divide a sociedade, mas também mina a confiança nas instituições, gerando um ciclo de desinformação e hostilidade. O resultado é uma sociedade profundamente fragmentada, onde a convivência democrática se torna cada vez mais difícil.
É essencial perceber que, além da luta pela "verdade" e pela restauração do passado, a ascensão de tais movimentos está muitas vezes ligada a um sentimento generalizado de insegurança e perda de identidade. Em um mundo globalizado, onde as mudanças sociais e econômicas acontecem em um ritmo acelerado, muitos sentem que o seu lugar no mundo está ameaçado. Essa sensação de vulnerabilidade pode ser explorada por líderes populistas e fundamentalistas, que oferecem um senso de pertencimento e segurança ao prometerem a restauração de um estado anterior de pureza ou ordem.
O Populismo e o Fundamentalismo: Reações à Modernidade e seus Desafios
O populismo e o fundamentalismo, em seus diversos formatos, surgem como reações contra a modernidade, não apenas em relação às suas crises, mas também aos valores que ela promove. Esses movimentos consideram que as transformações estruturais da sociedade contemporânea — com sua especialização e racionalização — têm deslegitimado formas de autoridade tradicionais e enfraquecido as noções de identidade coletiva. A modernidade, com sua ênfase na racionalidade, no controle científico e na difusão do conhecimento especializado, cria uma sensação de distanciamento das populações em relação aos seus representantes e líderes espirituais.
Em termos políticos, as pessoas precisam de uma rede de intermediários para compreender o que está acontecendo ao seu redor. Questões como a representação adequada pelos representantes eleitos, os lobbies que influenciam decisões políticas e as estratégias de longo prazo do governo tornam-se complexas demais para serem entendidas sem auxílio. No contexto religioso, os seguidores de uma fé, embora conheçam as práticas e os líderes de sua comunidade, muitas vezes sentem que não possuem influência significativa sobre as decisões que moldam suas instituições. Esse fenômeno reflete a crescente desconfiança nas autoridades — tanto políticas quanto religiosas — e a sensação de impotência em face de sistemas complexos e descentralizados.
A crítica que populistas e fundamentalistas fazem à modernidade não se limita às suas consequências sociais e políticas. Eles também se opõem aos próprios valores que sustentam esses sistemas. A modernidade, ao valorizar a evidência científica, o conhecimento especializado e a busca por respostas racionais, cria uma visão de mundo onde a moralidade tradicional, ligada a instâncias sobrenaturais ou a normas religiosas, perde terreno. A ênfase na racionalidade e na especialização resulta, para esses movimentos, em um distanciamento da "verdade real", que é substituída pela visão da "elite", com sua agenda política e comercial disfarçada de conhecimento legítimo. Em contrapartida, populistas e fundamentalistas defendem um retorno a um mundo onde os valores religiosos ou nacionais dominam e onde os "verdadeiros" representantes do povo são aqueles que compartilham e defendem essas crenças fundamentais.
O populismo, em particular, busca restaurar um modelo de sociedade em que a pluralidade democrática é subvertida. A "verdadeira" nação é representada por um líder carismático que encarna a vontade do povo. Esse líder, ao contrário dos "especialistas" ou das instituições democráticas, é visto como o único capaz de representar a autenticidade e a unidade do povo, livre das divisões causadas pela modernidade. A recusa ao pluralismo é visível no desdém populista pela mídia independente, que é considerada uma ferramenta de manipulação e controle da elite. De modo semelhante, as correntes fundamentalistas, sejam elas religiosas ou políticas, sustentam uma visão absolutista, onde apenas uma verdade é reconhecida — seja a verdade religiosa do livro sagrado ou a verdade política de um sistema homogêneo e fechado.
Os ataques ao sistema legal também são uma característica compartilhada. Para os fundamentalistas religiosos, as leis humanas devem ser subordinadas aos princípios divinos, como a Sharia para os muçulmanos ou a Torah para os judeus. Para os populistas, a separação de poderes e o controle judicial sobre as decisões do governo representam uma ameaça à soberania do povo, e, portanto, deve-se restaurar o poder absoluto da vontade popular, rejeitando os mecanismos legais que limitam esse poder. Nesse sentido, o populismo e o fundamentalismo se tornam um campo de batalha contra as formas de governança democrática e pluralista.
A mídia e a arte são igualmente alvo de ataque. A ideia de uma única verdade, seja ela religiosa ou política, rejeita qualquer forma de diversidade de perspectivas. A liberdade de imprensa e a independência das artes são vistas como inimigas do movimento, que busca uma narrativa única e controlada. Para os populistas, a mídia convencional é parte de uma conspiração das elites, enquanto os fundamentalistas, especialmente em contextos religiosos, veem a arte e a cultura que não se alinham com suas crenças como corrompidas e decadentes. A ciência, por sua vez, também entra em conflito com essas ideologias. Para os fundamentalistas religiosos, o conhecimento científico que contradiz a narrativa sagrada é descartado, e a visão literal dos textos sagrados prevalece sobre qualquer evidência empírica. Para os populistas, qualquer descoberta científica que não sirva aos seus interesses é desqualificada como propaganda ou como parte de uma agenda elitista.
No campo educacional, o choque é igualmente palpável. Enquanto as democracias modernas oferecem uma educação pluralista, que busca formar indivíduos capazes de compreender e navegar entre diferentes sistemas sociais, os fundamentalistas, por sua vez, preferem uma educação que siga estritamente os preceitos de sua fé, com uma ênfase particular na memorização de textos sagrados. A educação, para os fundamentalistas, não é apenas um meio de formar cidadãos, mas um mecanismo de controle para garantir que a próxima geração compartilhe e viva de acordo com sua visão de mundo. Por outro lado, os populistas, com seu enfoque na autossuficiência, valorizam a experiência de vida em detrimento do conhecimento acadêmico formal, vendo a educação convencional como algo distante da realidade e das necessidades do "povo real".
Em suma, o populismo e o fundamentalismo representam movimentos que se opõem à complexidade e à pluralidade do mundo moderno. Eles buscam um retorno a formas de organização social e política mais simples e homogêneas, onde a autoridade é centralizada e a diversidade é minimizada. A ascensão desses movimentos reflete uma crise de confiança nas instituições tradicionais, tanto políticas quanto religiosas, e um desejo profundo de restaurar um sentido de unidade e identidade, frequentemente à custa da abertura e da pluralidade que caracterizam as sociedades democráticas.
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