A descoberta racional de medicamentos tradicionalmente se concentrou na identificação de moléculas capazes de se ligar a um alvo específico, seja um receptor de proteínas, enzima ou outro tipo de proteína. Este paradigma, que se apoia na especificidade biológica das proteínas, tem sido a base das ciências biológicas. A noção de "especificidade biológica", como exemplificado por pares de afinidade como o coenzima NAD+ e as desidrogenases, ou a biotina-avidina, sugeria uma correspondência exclusiva e direta entre a molécula de droga e o seu alvo. No entanto, nas últimas décadas, essa narrativa foi profundamente questionada.

A ideia do "míssil mágico", proposta por Paul Ehrlich em 1907, sugeria que um medicamento poderia se ligar a um agente patogênico específico sem afetar tecidos saudáveis. A premissa central de que os medicamentos possuiriam uma afinidade única por seus alvos foi defendida como um pilar do desenvolvimento de novos tratamentos. No entanto, com o avanço das pesquisas, ficou claro que a especificidade biológica das proteínas era mais flexível e complexa do que se pensava. As proteínas, ao contrário do que se imaginava, muitas vezes carecem de especificidade absoluta, e sua interação com ligantes pode ser mais promiscuamente distribuída do que o inicialmente sugerido.

A polifarmacologia emerge como um conceito que desafia as ideias tradicionais. Ela refere-se à capacidade de uma molécula de medicamento se ligar a múltiplos alvos diferentes, e essas interações podem ser terapeuticamente vantajosas. Esse fenômeno de "promiscuidade dos medicamentos" reflete o comportamento flexível das proteínas, que muitas vezes não possuem uma afinidade exclusiva e podem interagir com diversos ligantes. Esse aspecto é crucial para entender como as proteínas evoluíram e como elas desempenham múltiplas funções dentro de processos biológicos complexos.

A descoberta de proteínas "multifuncionais", ou com atividades adicionais além de suas funções catalíticas tradicionais, como exemplificado pelas lipases que, além de digerirem gorduras, podem também realizar atividades de esterificação e formação de ligações de carbono, alterou profundamente nossa compreensão sobre a função proteica. Esse fenômeno, conhecido como "moonlighting", demonstra que uma proteína pode ter várias funções que não estão necessariamente relacionadas ao seu papel original.

Outro aspecto significativo que desafiou a visão clássica sobre a especificidade biológica foi o conceito de desordem intrínseca nas proteínas. Ao contrário do que se imaginava, não é necessário que as proteínas possuam um local de ligação pré-formado para interagir com seus ligantes. A descoberta de regiões ou proteínas desordenadas, que formam seus sítios de ligação apenas ao interagir com um ligante, ampliou a compreensão sobre as possibilidades de interação entre proteínas e drogas.

Esses avanços têm implicações significativas no desenvolvimento de medicamentos, pois sugerem que a ideia de uma droga "específica" para um único alvo pode ser limitada. Em vez disso, as drogas podem ser mais eficazes se forem projetadas para interagir com múltiplos alvos, explorando a "promiscuidade" das proteínas. O conceito de polifarmacologia pode, assim, ser visto como uma estratégia mais ampla para o tratamento de doenças complexas, como aquelas causadas por infecções parasitárias, em que múltiplos mecanismos terapêuticos podem ser ativados simultaneamente.

Além disso, a pesquisa sobre o "imprinting" de proteínas revelou que uma proteína pode adquirir uma "impressão" de um ligante específico, retendo sua capacidade de se ligar ao ligante mesmo após a remoção do mesmo. Esse fenômeno é uma das manifestações da flexibilidade das proteínas e tem sido explorado para melhorar a eficiência das enzimas e, por conseguinte, das terapias baseadas em proteínas.

Portanto, a visão moderna sobre a especificidade biológica das proteínas, longe de ser rígida e definida, é fluida e adaptativa. A polifarmacologia, que explora essa flexibilidade, abre novas possibilidades no tratamento de doenças, incluindo infecções parasitárias, onde as drogas podem ser redesenhadas para interagir com múltiplos alvos biológicos, oferecendo um arsenal terapêutico mais amplo e potencialmente mais eficaz.

O avanço do conhecimento sobre a polifarmacologia e a promiscuidade das proteínas também oferece uma nova perspectiva para a prática da medicina personalizada, na qual as abordagens terapêuticas são adaptadas às características biológicas complexas dos pacientes. Essas novas abordagens não apenas desafiam as ideias estabelecidas sobre o tratamento de doenças, mas também mostram que as soluções terapêuticas podem ser mais multifacetadas do que se pensava, dependendo de como as interações entre medicamentos e proteínas são aproveitadas.

Como o Reaproveitamento de Medicamentos Pode Combater Infecções Bacterianas Multirresistentes: Uma Análise de Terapias Inovadoras

O reaproveitamento de medicamentos, prática que consiste em utilizar fármacos já aprovados para novas indicações terapêuticas, tem se mostrado uma abordagem promissora para enfrentar desafios modernos no tratamento de infecções bacterianas, especialmente aquelas causadas por patógenos multirresistentes. Este conceito é especialmente relevante no contexto da crescente resistência aos antibióticos, que está tornando algumas infecções quase impossíveis de tratar com as terapias convencionais. Diversos estudos recentes têm demonstrado que compostos originalmente desenvolvidos para tratar doenças como o câncer podem, surpreendentemente, apresentar eficácia contra infecções bacterianas, particularmente aquelas causadas por bactérias resistentes.

Um exemplo notável dessa abordagem envolve o uso de moduladores do receptor de estrogênio, como o raloxifeno, que mostrou ter efeitos positivos na redução da formação de trampas extracelulares de neutrófilos (NETs). As NETs são estruturas produzidas por células imunes para capturar patógenos, mas também podem contribuir para a inflamação e o agravamento de infecções. O raloxifeno, tradicionalmente utilizado no tratamento de osteoporose, tem se mostrado eficaz na modulação dessa resposta imune, diminuindo os danos causados pela infecção e melhorando os resultados clínicos em modelos experimentais de infecção.

Além disso, o uso de compostos como o galho de ferro, que interfere no metabolismo do ferro em patógenos como Pseudomonas aeruginosa, está sendo explorado como uma estratégia para enfraquecer a capacidade de sobrevivência bacteriana. O ferro é um elemento essencial para o crescimento bacteriano, e ao inibir sua captação, é possível reduzir a virulência e aumentar a eficácia de outros tratamentos antibacterianos. Estudos demonstram que o galho de ferro não apenas interrompe a assimilação de ferro pelas bactérias, mas também pode agir diretamente sobre a produção de toxinas, como a piocianina, um dos principais fatores de virulência de P. aeruginosa.

Em paralelo, drogas como o tamoxifeno, amplamente utilizadas no tratamento de câncer de mama, estão sendo investigadas quanto à sua atividade antimicrobiana. O tamoxifeno, e seus metabólitos, demonstraram eficácia na inibição de processos bioquímicos críticos em bactérias multirresistentes, como Acinetobacter baumannii e Escherichia coli. Estudos recentes indicam que, quando combinados com antibióticos convencionais, esses compostos podem reverter a resistência bacteriana, oferecendo uma alternativa valiosa para o tratamento de infecções complicadas.

Essa abordagem de reaproveitamento de medicamentos não se limita apenas a moléculas como o tamoxifeno. Outros agentes como a mitomicina C, a toremifeno e o minociclina estão sendo avaliados quanto à sua capacidade de afetar a formação de biofilmes bacterianos, uma das principais formas de resistência bacteriana. Biofilmes são estruturas complexas formadas por comunidades bacterianas que se aderem a superfícies e se protegem contra a ação de antibióticos. Drogas que podem interromper ou modificar essa formação têm grande potencial para tratar infecções crônicas ou difíceis de erradicar, como aquelas causadas por Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA).

Outra área promissora envolve o uso de terapias direcionadas que buscam desarmar os sistemas de defesa bacterianos, como as bombas de efluxo, que são responsáveis por expulsar os antibióticos das células bacterianas. Um estudo recente mostrou que, ao combinar fluoroquinolonas com inibidores de bombas de efluxo, é possível superar uma das principais barreiras à eficácia dos antibióticos em Staphylococcus aureus, oferecendo uma alternativa terapêutica crucial.

É importante compreender que o reaproveitamento de medicamentos não é uma solução mágica, mas uma estratégia que, aliada à pesquisa contínua e a um entendimento aprofundado da biologia das bactérias, pode representar uma ferramenta vital na luta contra a resistência antimicrobiana. A eficácia dos tratamentos pode variar dependendo da cepa bacteriana, do estágio da infecção e da combinação de terapias utilizadas. Portanto, cada caso deve ser cuidadosamente analisado para determinar a melhor abordagem terapêutica.

Além disso, o uso dessas terapias exige um entendimento detalhado da farmacocinética e farmacodinâmica dos compostos, assim como seus efeitos colaterais e interações com outros medicamentos. O potencial de repurposing de drogas, embora promissor, necessita de ensaios clínicos rigorosos para garantir a segurança e a eficácia das combinações terapêuticas propostas.

Como o Redesenvolvimento de Medicamentos Pode Combater a Tuberculose Multirresistente e Extensivamente Resistentes

A tuberculose (TB) continua sendo um problema significativo de saúde pública mundial, especialmente em suas formas mais complexas, como a tuberculose multirresistente (MDR-TB) e a tuberculose extensivamente resistente (XDR-TB). Ambas representam formas de infecção em que o Mycobacterium tuberculosis, a bactéria causadora da doença, desenvolveu resistência a múltiplos medicamentos. O tratamento da MDR-TB exige o uso de medicamentos de segunda linha, que geralmente são menos eficazes, mais prejudiciais e requerem um período de tratamento estendido, geralmente entre 18 e 24 meses. No caso da XDR-TB, a situação é ainda mais grave, pois a resistência se estende a quase todos os tratamentos disponíveis, o que limita severamente as opções terapêuticas.

A resistência aos medicamentos em TB é impulsionada por vários fatores, incluindo tratamentos inadequados ou incompletos, medicamentos de baixa qualidade e a transmissão de cepas resistentes. Em muitas partes do mundo, os sistemas de saúde não estão adequadamente equipados para lidar com a MDR-TB e a XDR-TB, resultando em desfechos precários e na contínua transmissão de cepas resistentes. Embora a OMS tenha desenvolvido estratégias globais para combater a tuberculose, como a estratégia "End TB", o combate à TB requer uma abordagem multifacetada. Iniciativas globais visam reduzir a ocorrência e a taxa de mortalidade por TB, além de abordar o desafio das cepas resistentes aos medicamentos, com ênfase na detecção rápida, tratamento imediato e na consideração dos fatores sociais que influenciam a saúde e contribuem para a transmissão da doença.

O tratamento da TB convencional envolve uma combinação de medicamentos, como isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol, que são eficazes contra a maioria das cepas da doença. Contudo, um obstáculo significativo no tratamento atual da TB é a toxicidade dos medicamentos utilizados, que pode causar efeitos adversos graves, como danos ao fígado, problemas no sistema digestivo e complicações neurológicas. Medicamentos como a isoniazida e a rifampicina estão frequentemente associados à hepatotoxicidade, o que pode ser fatal se não for monitorado adequadamente. Esses efeitos adversos frequentemente resultam em pacientes que não cumprem os regimes de tratamento, especialmente aqueles que já enfrentam outras condições de saúde. A duração prolongada do tratamento também representa um desafio considerável, com a necessidade de os pacientes tomarem múltiplos medicamentos diariamente por pelo menos seis meses, o que impõe um peso significativo, particularmente para indivíduos em ambientes com recursos limitados.

Além disso, a adesão ao tratamento é dificultada pela duração prolongada, que pode chegar a dois anos no caso da MDR-TB e XDR-TB, e pela necessidade de supervisão contínua dos pacientes. Muitos, especialmente em países de baixa e média renda, enfrentam dificuldades financeiras para arcar com o tratamento, devido ao custo elevado dos medicamentos de segunda linha, que são menos eficazes e mais caros do que os medicamentos padrão. Esse cenário torna o tratamento da MDR-TB e da XDR-TB um desafio não só clínico, mas também econômico e social.

Neste contexto, surge uma estratégia inovadora e promissora: o reposicionamento de medicamentos. Esse processo envolve o uso de medicamentos já aprovados para tratar outras doenças e testá-los contra novas patologias, como a TB resistente. A principal vantagem do reposicionamento de medicamentos é que ele aproveita a experiência já acumulada sobre a segurança, propriedades farmacológicas e efeitos adversos desses medicamentos. Assim, é possível pular as fases iniciais do desenvolvimento de novos medicamentos, como estudos de toxicidade e segurança, que já foram amplamente avaliados para outras condições. Além disso, a pesquisa sobre medicamentos existentes pode ser realizada de maneira mais rápida e com custos reduzidos, o que oferece uma solução potencialmente mais acessível para a luta contra a resistência medicamentosa em TB.

A utilização de medicamentos repaginados para tratar a TB é uma tática crescente, particularmente à medida que os tratamentos convencionais se tornam cada vez mais ineficazes contra as cepas resistentes. Alguns medicamentos de segunda linha, como a bedaquilina e a delamanida, foram introduzidos recentemente e demonstraram alguma eficácia na luta contra a MDR-TB, embora o tratamento de XDR-TB ainda seja uma área carente de opções terapêuticas eficazes. O reposicionamento de medicamentos pode ampliar as opções de tratamento, fornecendo alternativas valiosas quando os medicamentos convencionais falham.

Porém, a implementação desse tipo de abordagem exige uma coordenação global, com investimento contínuo em pesquisa científica, infraestrutura médica e programas de saúde pública. A luta contra a TB resistente não é apenas uma questão de inovação científica, mas também de justiça social. Muitos países de baixa e média renda não têm acesso às novas terapias, o que perpetua o ciclo de resistência e agrava ainda mais a situação. Além disso, a resistência medicamentosa não pode ser combatida apenas com novos medicamentos. É essencial uma abordagem que considere também fatores como o acesso à saúde, a educação em saúde e as condições sociais que favorecem a propagação da doença.

A adoção de métodos diagnósticos mais rápidos e precisos, bem como a redução da duração do tratamento, são fundamentais para enfrentar a crescente ameaça da resistência aos medicamentos. Outra frente importante é o desenvolvimento de vacinas mais eficazes, como a vacina BCG, que ainda é amplamente utilizada, mas não é completamente eficaz contra todas as formas da doença. A criação de novas vacinas, mais eficazes e amplamente distribuídas, seria um passo fundamental para a erradicação da TB, especialmente em populações de risco elevado.

Portanto, o reposicionamento de medicamentos oferece um caminho promissor na batalha contra a tuberculose resistente. No entanto, este é apenas um componente de uma estratégia mais ampla e complexa, que deve envolver tanto a inovação científica quanto o enfrentamento das condições sociais e econômicas que facilitam a disseminação da doença. O sucesso nesse combate dependerá de uma abordagem global coordenada, que una pesquisa, acesso à saúde e medidas de prevenção eficazes para finalmente superar essa ameaça persistente.

Reformulação de Medicamentos para o Tratamento de Infecções Helmintíase: Expandindo o Arsenal Terapêutico contra Vermes Parasitários

A infestação por helmintos é um problema de saúde pública que afeta populações em diversas regiões do mundo, especialmente em áreas com condições sanitárias precárias. Os helmintos, que pertencem aos filos Platyhelminthes (vermes achatados) e Nematoda (vermes redondos), causam doenças chamadas helmintíases. Estas doenças têm um impacto significativo na saúde humana e animal, sendo responsáveis por morbidades crônicas, déficits no desenvolvimento e elevando o ônus socioeconômico, especialmente em países em desenvolvimento. As helmintíases estão entre as chamadas "doenças tropicais negligenciadas" (DTNs), que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são doenças associadas à pobreza e exigem ações eficazes por parte dos governos.

A complexidade dos ciclos de vida desses parasitas, combinada com fatores ambientais e socioeconômicos, contribui para a sua prevalência persistente e os desafios contínuos na luta contra essas infecções. Nesse contexto, os medicamentos anti-helmínticos desempenham um papel crucial no tratamento e controle das helmintíases. No entanto, a resistência medicamentosa, a eficácia limitada contra certas espécies de parasitas e os efeitos adversos desses medicamentos ressaltam a necessidade urgente de novas opções terapêuticas. O alto custo de desenvolvimento de novos anti-helmínticos é uma barreira adicional, especialmente em mercados que não oferecem grande retorno financeiro, como é o caso de países de baixa e média renda.

A descoberta de novos medicamentos exige altos investimentos em pesquisa, testes pré-clínicos e clínicos, aprovações regulatórias e processos de fabricação. Além disso, o tempo necessário para a conclusão desses processos, somado à alta taxa de falhas, eleva ainda mais o custo de novos tratamentos. Isso torna o desenvolvimento de novos anti-helmínticos financeiramente inviável, especialmente para as farmacêuticas, que geralmente priorizam doenças com maior demanda e retorno comercial. As condições socioeconômicas, as limitações no acesso à saúde e as prioridades de saúde pública concorrentes são outros obstáculos ao acesso a tratamentos eficazes em áreas endêmicas.

Diante desses desafios, a reformulação de medicamentos, também conhecida como reposicionamento ou reprofilamento de medicamentos, surge como uma estratégia promissora e mais acessível para o desenvolvimento de novos tratamentos anti-helmínticos. Em vez de criar novos compostos do zero, a estratégia de reposicionamento busca aproveitar medicamentos já existentes, que possuem perfis de segurança e propriedades farmacocinéticas bem estabelecidas, para tratar novas indicações, neste caso, infecções helmintíacas. Isso acelera o processo de desenvolvimento de novos tratamentos, reduzindo custos e riscos, já que os medicamentos em questão já passaram por testes rigorosos para outras condições.

Essa abordagem permite a identificação rápida de candidatos promissores para o tratamento de infecções helmintíacas, facilitando a transição das pesquisas pré-clínicas para os ensaios clínicos e, eventualmente, a implementação em tratamentos. Além disso, o reposicionamento de medicamentos permite aproveitar as tecnologias existentes e as infraestruturas já disponíveis, o que é particularmente importante em contextos de recursos limitados.

O arsenal de medicamentos atualmente disponível para o tratamento de helmintíases inclui uma variedade de fármacos que, embora eficazes, têm limitações importantes. Por exemplo, medicamentos como albendazol, mebendazol e ivermectina são amplamente utilizados no tratamento de infecções causadas por vermes intestinais, como a ascaridíase e a estrongiloidíase. No entanto, esses tratamentos não são eficazes contra todas as espécies de parasitas e, em alguns casos, sua eficácia pode ser comprometida devido ao desenvolvimento de resistência. Outros medicamentos, como praziquantel e niclosamida, são utilizados no tratamento de infecções por vermes planas, como as esquistossomoses e as cisticercoses, mas também apresentam limitações em termos de abrangência e segurança a longo prazo.

O reposicionamento de medicamentos oferece uma esperança renovada, pois pode expandir rapidamente o número de opções terapêuticas, contornando as limitações dos tratamentos tradicionais. Além disso, essa estratégia também pode ser aplicada para descobrir novos mecanismos de ação para fármacos existentes, ajudando a superar problemas como a resistência medicamentosa.

A pesquisa de reposicionamento de medicamentos para helmintíases envolve a triagem de compostos existentes que possam afetar os parasitas de maneira eficaz. O foco está em entender como esses fármacos interagem com os parasitas em nível molecular, se são capazes de inibir o desenvolvimento dos vermes ou se possuem propriedades imunomoduladoras que possam beneficiar o hospedeiro. A literatura científica recente já começa a apresentar resultados promissores nessa área, com diversos compostos sendo avaliados para o tratamento de helmintíases, incluindo aqueles originalmente desenvolvidos para outras condições infecciosas ou doenças autoimunes.

Além disso, a eficácia de um fármaco no tratamento de helmintíases depende de uma série de fatores, como a interação entre o medicamento e o parasita, as características do hospedeiro e o contexto socioeconômico e ambiental em que a infecção ocorre. Para garantir a eficácia de novos tratamentos, é necessário um entendimento profundo desses fatores, além de uma abordagem personalizada para diferentes regiões e populações.

Com a crescente resistência aos medicamentos existentes e as limitações das terapias convencionais, é fundamental que mais esforços sejam feitos para promover a pesquisa e o desenvolvimento de novos tratamentos anti-helmínticos. A reformulação de medicamentos é uma estratégia inteligente e pragmática que pode ampliar rapidamente as opções terapêuticas para combater infecções helmintíacas, ajudando a aliviar o peso dessas doenças sobre as populações mais vulneráveis e a avançar nas metas globais de erradicação das doenças tropicais negligenciadas.

O Potencial da Reutilização de Medicamentos no Tratamento de Helmintíases: Novas Fronteiras Terapêuticas

A reutilização de medicamentos, uma abordagem inovadora que busca adaptar fármacos já aprovados para novas indicações terapêuticas, tem emergido como uma estratégia promissora no tratamento de helmintíases, doenças causadas por vermes parasitas. Esse conceito não só pode acelerar o processo de desenvolvimento de novos tratamentos, como também aumentar a eficiência de fármacos já testados e aprovados, diminuindo custos e tempo de implementação.

Recentemente, um estudo tem mostrado que doses elevadas de rifampicina podem reduzir significativamente o tempo de tratamento da filariose humana, encurtando a duração do tratamento de várias semanas para apenas 1 a 2 semanas. Atualmente, um ensaio clínico de fase II está em andamento para investigar a eficácia da rifampicina de alta dose no tratamento da oncocercose, uma doença causada por parasitas do gênero Onchocerca. Essas pesquisas abrem novos horizontes na busca por terapias mais eficazes e rápidas para doenças parasitárias complexas e de difícil tratamento (Gokool et al., 2024).

Além da rifampicina, diversos outros medicamentos estão sendo avaliados para a reutilização no tratamento de helmintíases. Por exemplo, fármacos como o flubendazol e o oxbendazol, tradicionalmente utilizados na medicina veterinária para tratar infecções por nematóides gastrointestinais, estão sendo repensados como opções para tratar a filariose humana. O flubendazol já demonstrou, em modelos pré-clínicos, sua eficácia como macrofilaricida, ou seja, capaz de matar as formas adultas dos vermes, um avanço importante, pois os tratamentos tradicionais para a filariose, como a ivermectina, apenas afetam as larvas dos parasitas (microfilárias). A busca por novas formulações orais do flubendazol, com maior biodisponibilidade, é uma das prioridades atuais da pesquisa (Geary et al., 2019).

Outro exemplo interessante é o emodepside, um fármaco de classe dos ciclooctadepsipeptídeos, originalmente utilizado para tratar parasitas gastrointestinais em animais. Estudo recente mostrou que o emodepside tem potencial como tratamento da oncocercose, já estando em ensaios clínicos de fase 2 para avaliar sua eficácia em humanos infectados por Onchocerca volvulus (Pfarr et al., 2023). O auranoftin, um medicamento aprovado para tratar artrite reumatoide, também tem mostrado resultados promissores no combate aos vermes adultos da filariose, agindo como um potente inibidor das enzimas glutatião e tioredoxina redutases, essenciais para a sobrevivência dos parasitas (Bulman et al., 2015; Feng et al., 2020).

Em paralelo, os estudos genômicos comparativos têm possibilitado a identificação de novos alvos terapêuticos, abrindo caminho para mais opções de repaginação de medicamentos. Um exemplo notável é o halofuginone, um medicamento antiprotozoário que tem demonstrado ser um inibidor eficaz da prolil tRNA sintase de Onchocerca volvulus, indicando seu potencial no tratamento de filariose (Goel et al., 2019).

Além disso, a reutilização de medicamentos como o nilotinibe e o paritaprevir, usados para tratar hepatite C crônica e leucemia, respectivamente, também surge como uma oportunidade terapêutica. Estudos computacionais sugerem que esses fármacos podem inibir enzimas de Wolbachia, uma bactéria endossimbiótica essencial para a sobrevivência dos vermes filariformes, oferecendo uma nova abordagem para o controle das infecções filarióticas (Kwarteng et al., 2021).

No campo das helmintíases transmitidas pelo solo, alternativas também estão sendo exploradas. Medicamentos como o oxantel pamoato, tradicionalmente utilizado na medicina veterinária, mostram-se eficazes contra infecções por Trichuris trichiura, embora sua ação seja limitada contra outros parasitas, como Ascaris lumbricoides e ancilostomídeos. O emodepside, novamente, se destaca, mostrando-se promissor também no tratamento de helmintíases transmitidas pelo solo, com eficácia comprovada em modelos experimentais e com resultados positivos em ensaios clínicos de fase 2 (Karpstein et al., 2019; Mrimi et al., 2023).

A reutilização de medicamentos para o tratamento de esquistossomoses também está em andamento. O praziquantel, até o momento o tratamento de escolha, enfrenta desafios relacionados ao risco de resistência. Por isso, pesquisadores buscam alternativas terapêuticas, com alguns estudos focando em medicamentos com potenciais propriedades antiesquistossomóticas.

É importante ressaltar que a reutilização de medicamentos, embora promissora, também enfrenta desafios. A eficácia e segurança dessas drogas em novas indicações devem ser avaliadas com rigor, levando em consideração os efeitos colaterais, as interações com outros medicamentos e as necessidades específicas das populações afetadas pelas helmintíases. Além disso, a resistência aos medicamentos e os custos associados à produção de novos tratamentos continuam a ser questões relevantes que demandam atenção contínua da comunidade científica e de organizações de saúde pública.