A crise da modernidade atual pode ser causada por uma combinação de fatores: mudanças culturais, desigualdade, mídias sociais, desconfiança em relação aos políticos, transformações no trabalho, austeridade e mudanças climáticas. Dentro desse contexto, o populismo e o fundamentalismo surgem como as principais reações sociais. Mas como devemos encarar essas reações? De que maneira podemos refletir sobre os desafios que o mundo moderno nos impõe, sem nos distanciarmos da realidade que vivemos?
Em vez de nos posicionarmos como observadores externos e neutros, talvez seja mais relevante nos inserirmos no contexto global e reconhecermos que estamos, todos, imersos nesse sistema social global em crise. A modernidade não é apenas uma abstração ou uma estrutura distante, mas um fenômeno que se desdobra em uma rede de sistemas de comunicação globalizados, cada um com seus valores e práticas específicos, mas todos com um denominador comum: a humanidade. A crise da modernidade, portanto, não é algo que nos afeta externamente, mas que faz parte intrínseca de nossa existência, de nossa própria identidade e destino coletivo.
Tomemos, por exemplo, o direito, que é um sistema social universal. Embora os sistemas legais variem de um país para outro, todos partilham um objetivo central: a justiça. O conceito de igualdade diante da lei, por mais imperfeito que seja na prática, é um valor universal. De modo semelhante, a religião, com suas diversas expressões no mundo moderno, reconhece a dignidade intrínseca do ser humano, enquanto a arte e a ciência, mesmo em suas especializações, contemplam a humanidade como um todo, buscando traduzir a experiência humana em formas de entendimento e expressão. Todos esses sistemas, embora diversos em suas manifestações, baseiam-se no pressuposto fundamental de que somos, enquanto seres humanos, parte de um mesmo coletivo.
Entretanto, há um estímulo universal que nos força a perceber nossa condição de humanidade comum: a crise climática. Cientistas, meios de comunicação e até nossa própria experiência nos confrontam com uma realidade inescapável: todos, independentemente de nossa nacionalidade ou classe social, estamos no mesmo barco. Alguns de nós chegarão mais cedo, outros mais tarde, mas a verdade é que estamos todos sujeitos ao mesmo destino. Nesse sentido, a necessidade de colaboração, de fazer sacrifícios pelo bem comum, é um impulso forte para criar um sentido de pertencimento compartilhado. A crise climática não é mais uma questão isolada ou local, mas um fenômeno global que exige uma resposta universal.
No entanto, para que o sistema social global sobreviva e funcione de maneira eficiente, é necessário que o universal se conecte com o particular, o global com o local. A comunicação não deve se restringir ao topo da pirâmide, mas precisa fluir em todas as direções, de cima para baixo e de baixo para cima, de forma que todas as partes do sistema informem e influenciem as outras. Esse processo de interconexão é essencial para a coesão do sistema social global. Porém, o risco de tratar o “local” de forma literal, como um espaço físico restrito, é grande. Ao contrário, os sistemas sociais são redes de comunicação que ocupam um espaço social, e não geográfico. O “local” não se refere a uma cidade ou região específica, mas às partes menores dentro de um sistema global interconectado.
A essência da modernidade está na contínua diferenciação dos sistemas sociais em subsistemas cada vez mais especializados. No campo das ciências, por exemplo, o conhecimento sobre o ser humano se desenvolveu de forma diferenciada: a ciência social, a psicologia, a economia, a política, entre outras áreas, expandiram-se em diversas disciplinas ao longo do tempo. Cada uma dessas áreas, apesar de seus focos distintos, parte de uma compreensão comum sobre a humanidade e busca entender a dinâmica das relações humanas em um contexto social.
Na psicologia social, por exemplo, o estudo da identidade social e dos conflitos entre grupos ocupa um papel central. A formação da identidade e as relações intergrupais têm sido amplamente analisadas e aplicadas a diversos contextos, como organizações, instituições e política. A compreensão desses fenômenos é essencial para entender como as reações sociais, como o populismo e o fundamentalismo, se desenvolvem em resposta às crises da modernidade.
A partir dessa análise, torna-se claro que as reações que estamos testemunhando, longe de serem respostas isoladas, fazem parte de uma dinâmica mais ampla de fragmentação e especialização que caracteriza a modernidade. No entanto, apesar dessa tendência à diferenciação, é fundamental reconhecer a interdependência entre os diferentes sistemas sociais e o fato de que, enquanto seres humanos, compartilhamos uma realidade comum. A crise da modernidade não pode ser abordada apenas como um fenômeno técnico ou político, mas como um reflexo da complexa rede de relações sociais que nos constitui. É preciso, portanto, uma reflexão profunda sobre como cada um de nós, em nosso cotidiano, contribui para essa crise e como podemos agir para criar soluções coletivas.
Como o “Nós” Pode Se Quebrar: A Fragilidade das Identidades Populistas e Fundamentalistas
Os movimentos populistas e fundamentalistas enfrentam desafios que vão além da simples insatisfação com as promessas não cumpridas. No cerne de sua narrativa, que se constrói em torno da polarização entre o "Nós" e "Eles", há uma fragilidade intrínseca que, se não for bem administrada, pode levar ao enfraquecimento do movimento. Como as identidades sociais, tão fundamentais para esses grupos, podem perder sua força psicológica? Como é possível que as certezas ideológicas sejam abaladas por dúvidas aparentemente pequenas?
O primeiro desafio para a coesão do "Nós" é de natureza abstrata, ligada ao equilíbrio que qualquer sistema social precisa manter entre diferenciação e integração. Se um movimento se torna excessivamente diferenciado, com identidade rígida e imutável, ele pode afastar aqueles que ainda buscam um senso de pertencimento mais fluido e inclusivo. Movimentos fundamentalistas, por exemplo, podem se tornar tão sectários que as diferenças entre suas várias facções ou em relação a outras correntes religiosas se tornam irrelevantes, tornando-se difíceis de justificar para novos aderentes. Se, por outro lado, os limites entre o movimento e os demais sistemas sociais são difusos demais, a identidade do "Nós" se torna vaga e ineficaz. Movimentos populistas enfrentam exatamente esse problema, com suas fronteiras amplas e muitas vezes imprecisas. Definir quem é o "verdadeiro" nacional ou o "verdadeiro" cidadão torna-se cada vez mais complicado, pois esse indivíduo é mais definido pelo que ele não é — não é elite, não é político, não é especialista, não é imigrante — do que por qualquer característica positiva específica.
Essa indefinição dificulta a construção de uma identidade forte e mobilizadora, uma vez que as pessoas de diferentes origens podem se reconhecer em categorias tão amplas. A mobilização de indivíduos de diversas origens para uma ação comum, por exemplo, torna-se uma tarefa complexa. A relação entre o "Nós" e o "Eles", portanto, perde sua eficácia, uma vez que o "Nós" não possui uma definição suficientemente robusta para se distinguir com clareza do "Eles".
O segundo risco vem de uma questão psicológica mais profunda: o movimento precisa que seus aderentes vejam a identidade do grupo como algo central para o seu próprio conceito de si mesmos. Em outras palavras, para que o movimento tenha sucesso, ele deve se tornar a principal força organizadora da vida dos seus membros. No entanto, as sociedades modernas, com seus múltiplos sistemas sociais e fontes de influência, dificultam a manutenção de uma única identidade dominante. O indivíduo moderno é exposto a uma diversidade de contextos e identidades ao longo do seu dia, o que impede a prevalência de uma única narrativa. Fundamentalistas, por exemplo, podem tentar transformar cada interação social em uma oportunidade de conversão ou de imposição de uma explicação sobrenatural. Por sua vez, os populistas frequentemente veem conspirações e perseguições em toda parte, o que os leva a desqualificar o saber especializado, mesmo quando ele é crucial para o bem-estar social ou a verdade.
Essa busca pela clareza e simplicidade, ainda que atraente em um nível psicológico, entra em conflito com a complexidade do mundo moderno. A pressão para manter uma identidade centralizada e imutável esbarra nas inúmeras identidades que os indivíduos devem negociar ao longo do dia, em uma variedade de contextos sociais. Um exemplo claro disso é o movimento anti-vacinas, onde as narrativas populistas contra a ciência colidem com a realidade médica e com a necessidade de tratamentos comprovados, o que torna essa postura insustentável a longo prazo.
Um terceiro obstáculo ocorre quando os líderes dos movimentos falham em representar a identidade prototípica do "Nós". Quando um líder populista, por exemplo, é desmascarado como parte da elite contra a qual ele diz lutar, ou quando um líder fundamentalista é encontrado em contradição com os preceitos morais que ele prega, o impacto psicológico sobre os seguidores é devastador. Esse distanciamento entre o líder e o movimento mina a confiança e a coesão interna. Movimentos populistas podem ser particularmente vulneráveis a isso, já que líderes que se apresentam como "anti-sistema" muitas vezes acabam sendo parte integrante do sistema que afirmam combater. A descoberta de que os líderes vivem de maneira contraditória, ou que se aliam com aqueles contra os quais se levantam, pode resultar em uma crise de identidade para o grupo.
Além disso, os líderes enfrentam a resistência de seus seguidores quando sugerem mudanças nos objetivos do movimento, especialmente se essas mudanças comprometerem a narrativa do retorno à "era dourada" que muitos desses movimentos prometem. Mudanças que questionem as premissas básicas ou que sugerem adaptações à realidade podem ser vistas como traições ou como um enfraquecimento da pureza original do movimento. Esse impasse pode levar ao enfraquecimento do movimento ou até à sua desintegração.
No entanto, mesmo diante dessas ameaças, é fundamental que tanto populistas quanto fundamentalistas ajustem suas abordagens, mantendo uma visão clara sobre o que mantém seus seguidores unidos. Para os populistas, isso significa encontrar um meio termo entre a inclusão excessiva e a exclusão total, criando uma identidade nacional que seja forte e clara, mas também flexível o suficiente para atrair diferentes segmentos da sociedade. Para os fundamentalistas, o desafio é equilibrar a pureza de suas crenças com a necessidade de engajamento com o mundo exterior, sem perder a essência do que defendem.

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