O neuroma de Morton é uma condição multifatorial em que uma série de fatores anatômicos, mecânicos, neurais, inflamatórios e isquêmicos interagem para causar dor e outros sintomas nas extremidades dos pés. Esse distúrbio, muitas vezes subestimado, está diretamente ligado a alterações biomecânicas, pressões repetitivas sobre nervos interdigital e condições anatômicas preexistentes.

Em primeiro lugar, é essencial compreender que fatores anatômicos são cruciais para o desenvolvimento do neuroma de Morton. Em uma parcela significativa da população, existe uma comunicação anômala entre o ramo do nervo plantar medial e o terceiro espaço interdigital, formando um nervo interdigital mais espesso e, consequentemente, mais vulnerável a traumas. Este nervo coalescido pode, ainda, passar por áreas de maior compressão, como sob a cabeça do metatarso ou a articulação metatarsofalângica, o que favorece a lesão repetitiva do nervo. Além disso, o espaço interdigital do pé, especialmente entre o segundo e o terceiro metatarso, é anatomica e funcionalmente mais estreito em comparação com os outros espaços, o que pode agravar o atrito e a pressão sobre o nervo. A diferença na mobilidade das colunas metatarsais também tem um papel significativo. A coluna lateral, mais móvel, facilita a compressão e fricção dos nervos e bursas, predispondo à neuropatia e bursite, fenômenos frequentemente encontrados no neuroma de Morton.

No âmbito mecânico, alterações na biomecânica do suporte plantar, que afetam a transferência de carga para os metatarsos menores, também são fatores determinantes. Condições ortopédicas que alteram o alinhamento dos pés, como o encurtamento do gastrocnêmio ou problemas como o hálux valgo, podem exacerbar a pressão sobre os nervos interdigital. O uso de sapatos de salto alto, que posicionam os dedos em dorsiflexão máxima, aumenta ainda mais o risco de compressão do nervo na região metatarsofalângica, intensificando a neuropatia. Essa explicação ajuda a justificar o maior número de casos entre mulheres, já que o salto alto é um fator de risco significativo. Outras condições, como a atrofia da gordura plantar e disfunções como o pé cavo ou o pé plano, também contribuem para a vulnerabilidade do nervo, aumentando a probabilidade de lesões por tração ou compressão.

Outro fator essencial na fisiopatologia do neuroma de Morton é a compressão neural. A compressão do nervo interdigital, especialmente no nível do ligamento intermetatarsal transverso, é um dos elementos mais debatidos na literatura. Lesões histológicas observadas nesses nervos revelam mudanças significativas, evidenciando que o comprometimento neurológico resulta da interação direta do nervo com estruturas compressivas no pé. A neuropatia de compressão resulta da combinação das características anatômicas do espaço osteofibrótico onde o nervo está localizado, associado a fatores mecânicos como os descritos anteriormente.

A inflamação também desempenha um papel crítico na evolução do neuroma. A bursite intermetatarsal traumática, associada à pressão excessiva ou ao uso repetido dos pés, pode gerar irritação nos nervos adjacentes. Com o tempo, essa irritação pode evoluir para fibrose perineural, agravando ainda mais o quadro de dor. Além disso, alterações nas articulações metatarsofalângicas, como deformidades nos dedos menores ou dislocação da articulação metatarsofalângica, podem resultar em neuropatia por tração mecânica ou alterações inflamatórias nas estruturas moles do pé.

Um fator adicional que pode contribuir para o desenvolvimento de neuropatia em pacientes com neuroma de Morton é a diminuição do suprimento sanguíneo para os nervos periféricos. Embora a pesquisa sobre a isquemia como fator etiológico não seja tão enfatizada atualmente, estudos histopatológicos do neuroma de Morton indicam a presença de vasos arteriais de calibre reduzido, o que sugere que a diminuição da irrigação sanguínea pode contribuir para a fibrose e neuropatia do nervo interdigital.

Além disso, fatores extrínsecos como lesões traumáticas, tumores ou outras lesões compressivas no pé, como cistos sinoviais, pseudoartroses metatarsais ou nódulos reumatóides, podem gerar sintomas neurológicos semelhantes aos do neuroma de Morton. Qualquer trauma direto no nervo, seja por queda de objeto pesado ou lesões prévias no pé, pode resultar em neuropatia traumática.

Diante de todo esse quadro, o diagnóstico do neuroma de Morton é fundamentalmente clínico, e muitos especialistas consideram que o exame físico é o "padrão-ouro". A queixa mais comum dos pacientes é dor neurítica, frequentemente descrita como uma sensação de "pisar em algo estranho" ou "meia enrugada", com a dor irradiando para os dedos correspondentes. Além disso, é possível que o paciente relate sintomas como formigamento, dormência ou anestesia nos dedos afetados.

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Quais são as técnicas e resultados da artrodese e artroplastia do tornozelo no tratamento da osteoartrite difusa?

A abordagem cirúrgica para a artrodese do tornozelo pode ser realizada através de uma incisão cutânea localizada 1 cm medialmente ao tendão de Aquiles, estendendo-se proximalmente por cerca de 10 cm desde a inserção calcânea. Após a retração lateral do tendão de Aquiles, a dissecção roma expõe o septo intramuscular transverso, que é aberto cuidadosamente para revelar o ventre muscular do flexor longo do hálux (FLH). O espaço entre o FLH e o feixe neurovascular é desenvolvido, e o músculo é elevado da tíbia posterior com auxílio de um elevador periostal. Retratores de Hohman são posicionados nas bordas medial e lateral da tíbia para expor completamente a face posterior do tornozelo. A seguir, a articulação do tornozelo é liberada da cartilagem remanescente e preparada para a fusão, conforme descrito. A fixação normalmente é realizada com dois parafusos canulados, inseridos dorsalmente na tíbia em direção ao colo do tálus. Alternativamente, placas podem ser utilizadas, como a placa lâmina inserida posteriormente no corpo do tálus e fixada na tíbia, ou placas padrão.

A artrodese artroscópica do tornozelo é uma alternativa minimamente invasiva, com acesso por portais anteriores em paciente em decúbito dorsal ou por portais posteriores em decúbito ventral. Utiliza-se um abrasor para remover a cartilagem, com cuidado para preservar a maior parte possível do osso subcondral, mantendo o contorno natural da articulação. Um burr cria múltiplos orifícios no osso subcondral para maximizar a superfície sangrante, conferindo à articulação um aspecto semelhante a uma “bola de golfe”. Após a redução do tálus, parafusos canulados percutâneos são utilizados para fixação.

No pós-operatório, após a cicatrização das feridas e redução do edema, o imobilizador inicial é substituído por gesso abaixo do joelho ou bota ortopédica. Pacientes sem enxerto ósseo são liberados para carga conforme tolerado após quatro semanas, enquanto aqueles com enxerto devem manter carga parcial nas primeiras oito semanas, evoluindo para carga total posteriormente.

As taxas de consolidação da artrodese variam entre 60% e 100%, com grandes estudos relatando cerca de 90%. O risco de não consolidação aumenta significativamente em pacientes com fusão prévia da articulação subtalar e em deformidades em varo. Embora os efeitos da artrodese no joelho sejam mínimos, o aumento compensatório do movimento nas articulações talonavicular e subtalar eleva o risco de osteoartrite adjacente nessas regiões.

A artroplastia total do tornozelo foi inicialmente tentada nos anos 1970, mas os primeiros implantes apresentaram falhas catastróficas. Com a evolução do entendimento da cinemática do retropé e aprimoramento dos implantes nas décadas seguintes, a artroplastia tornou-se alternativa viável à artrodese, proporcionando resultados clínicos mais consistentes ao reproduzir a mecânica fisiológica do tornozelo.

A maioria dos implantes utiliza abordagem anterior para exposição da articulação, seguida de remoção dos osteófitos, tecido sinovial e cápsula excessiva. Em tornozelos congruentes, a ressecção óssea objetiva posicionar os componentes tibial e talar perpendicularmente à linha de gravidade do corpo. Em tornozelos inclinados, distinguem-se dois subgrupos: um em que a inclinação do tálus decorre da perda de altura articular e ligamentos frouxos, passível de correção por distração intraoperatória; outro com deformidade intraarticular fixa que exige balanceamento meticuloso dos tecidos moles, frequentemente associado a pés em varo, tratado com liberação medial (ligamento deltóide superficial, tendão tibial posterior, ligamento spring) e, ocasionalmente, osteotomia do maléolo medial.

Após a implantação, o alinhamento, o balanceamento ligamentar e a amplitude de movimento são reavaliados. Instabilidades ligamentares requerem reforço, e limitações de dorsiflexão são tratadas com ressecção da cápsula posterior e alongamento do tendão de Aquiles.

No pós-operatório, a imobilização varia conforme procedimentos combinados. Em artroplastias isoladas, geralmente são utilizados gesso ou bota ortopédica por seis semanas, com permissão para carga precoce conforme tolerado.

Os índices de sobrevivência dos implantes variam, com estudos indicando cerca de 89% após dez anos, e taxas anuais de falha em torno de 1,2%. Diferentes registros internacionais apresentam variações, influenciadas pela diversidade de implantes utilizados e pela experiência dos cirurgiões — aqueles que realizam menos de 20 artroplastias por ano tendem a apresentar piores resultados. Fatores como diabetes controlado, peso e etiologia da osteoartrite parecem não impactar significativamente o prognóstico, mas o tabagismo eleva o risco de complicações na cicatrização e resultados negativos. Infecção, particularmente por Staphylococcus aureus e estafilococos coagulase-negativos, é a complicação mais temida, com taxa relatada em torno de 4,7%, maior que a observada em artrodese.

É fundamental compreender que a escolha entre artrodese e artroplastia depende não apenas do estado da articulação e da deformidade, mas também do perfil clínico do paciente e da experiência do cirurgião. A artrodese oferece alta taxa de consolidação e estabilidade, porém com restrição da mobilidade e risco aumentado para degeneração de articulações adjacentes. A artroplastia possibilita preservação do movimento articular e melhora da função, mas exige cuidadosa avaliação do alinhamento, balanceamento ligamentar e controle rigoroso das complicações infecciosas. O sucesso em ambos os procedimentos depende de planejamento cirúrgico meticuloso, técnica adequada e manejo pós-operatório rigoroso.

Além do procedimento técnico, o entendimento das alterações biomecânicas subsequentes é essencial para o manejo a longo prazo. A adaptação do retropé e dos demais segmentos do membro inferior às mudanças articulares deve ser monitorada para minimizar o impacto sobre outras articulações e evitar sequelas funcionais. A reabilitação adequada e o acompanhamento multidisciplinar são componentes indispensáveis para otimizar os resultados clínicos.

Tratamento das Lesões Osteocondrais do Talus: Uma Abordagem Clínica e Experimental

As lesões osteocondrais do talus representam um desafio significativo para os cirurgiões ortopédicos devido à complexidade de seu tratamento e à variabilidade dos resultados. Essas lesões, que envolvem tanto o osso subcondral quanto a cartilagem articular, podem ser causadas por traumas repetitivos ou impactos agudos, sendo uma preocupação comum em pacientes com dores crônicas no tornozelo. Sua classificação e tratamento requerem uma compreensão detalhada das opções disponíveis, assim como a consideração de fatores como idade, tamanho da lesão e a presença de sintomas.

A microfratura, uma das técnicas mais utilizadas no tratamento de lesões osteocondrais do talus, tem mostrado resultados variáveis. Embora seja eficaz em muitas situações, a técnica apresenta limitações, especialmente em lesões maiores e em pacientes mais velhos. Estudos indicam que a microfratura resulta em um reparo fibrocartilaginoso, que pode não ser tão funcional quanto o tecido cartilaginoso original. A introdução de métodos complementares, como injeções de ácido hialurônico e plasma rico em plaquetas (PRP), tem sido explorada como formas de melhorar os resultados do tratamento, incentivando a regeneração da cartilagem de forma mais eficaz.

A terapia de células-tronco e a utilização de concentrados de aspirado de medula óssea também têm se mostrado promissoras, com estudos demonstrando resultados positivos em modelos experimentais, como os realizados em equinos. Esses tratamentos, embora ainda em fase de avaliação, apresentam um grande potencial para acelerar a regeneração da cartilagem e proporcionar uma recuperação funcional mais próxima do tecido original. Em modelos experimentais de ovinos, por exemplo, a combinação de microfratura com PRP tem demonstrado uma melhora significativa na regeneração da cartilagem articular.

Entre as abordagens mais inovadoras, o transplante osteocondral autólogo (mosaicplastia) tem sido considerado uma alternativa valiosa, especialmente para lesões maiores e mais profundas. Esse procedimento, que envolve o transplante de fragmentos de cartilagem e osso de áreas não carregantes do paciente, tem mostrado boa eficácia em termos de restauração da função e alívio da dor, com resultados de longo prazo que variam entre 2 e 7 anos. O uso de autógrafos de cartilagem e osso do próprio paciente, embora eficaz, apresenta desafios relacionados à limitação de áreas disponíveis para doação, além de potenciais complicações no local do doador.

Os avanços na imagem por ressonância magnética (IRM) também têm desempenhado um papel crucial no diagnóstico e acompanhamento do tratamento dessas lesões. A IRM permite uma avaliação precisa da extensão da lesão, ajudando na escolha do tratamento mais adequado. A comparação entre os achados clínicos e as imagens por IRM também tem sido uma ferramenta importante para a classificação das lesões e na definição dos melhores protocolos de tratamento.

Embora a maioria dos tratamentos seja direcionada à restauração da cartilagem articular, é fundamental lembrar que a função articular do tornozelo não depende apenas da cartilagem, mas também da integridade do osso subcondral. O reparo bem-sucedido de lesões osteocondrais deve, portanto, considerar ambos os componentes, evitando que alterações subcondrais resultem em falhas no tratamento e na progressão da osteoartrite.

Além disso, a reabilitação pós-operatória desempenha um papel fundamental no sucesso do tratamento, sendo um fator frequentemente subestimado. O fortalecimento muscular, o controle do movimento articular e a reeducação funcional são componentes essenciais para garantir o sucesso a longo prazo. O acompanhamento clínico e a avaliação contínua da evolução da lesão são imprescindíveis para identificar precocemente possíveis complicações ou falhas no tratamento.

Outro ponto importante a ser destacado é a importância da escolha adequada do tipo de tratamento com base nas características individuais do paciente, como a idade, o nível de atividade e as expectativas de resultado. Pacientes mais jovens e fisicamente ativos podem se beneficiar de abordagens mais agressivas, como o transplante osteocondral, enquanto os pacientes mais velhos ou com lesões menores podem responder bem a terapias conservadoras, como a microfratura combinada com terapias biológicas.

O tratamento das lesões osteocondrais do talus continua sendo um campo dinâmico da medicina ortopédica, com pesquisas constantes e novos tratamentos em desenvolvimento. As opções terapêuticas devem ser personalizadas de acordo com as necessidades do paciente, e a combinação de técnicas pode, muitas vezes, resultar em melhores resultados a longo prazo. A análise cuidadosa dos dados clínicos, juntamente com a avaliação das condições biomecânicas do tornozelo, é fundamental para o sucesso do tratamento.

Síndrome Compartimental na Perna e Pé: Diagnóstico e Manejo

A síndrome compartimental é uma condição médica grave que, se não tratada adequadamente, pode resultar em sequelas permanentes e até mesmo na morte. Sua ocorrência é frequentemente associada a lesões traumáticas, como fraturas e acidentes de alta energia, e exige uma intervenção cirúrgica imediata para evitar danos irreversíveis aos tecidos musculares, nervosos e vasculares. O diagnóstico precoce é crucial, uma vez que o atraso no tratamento pode levar a complicações significativas.

O diagnóstico de síndrome compartimental geralmente é baseado em uma combinação de sinais clínicos, história do paciente e, muitas vezes, medições da pressão intra-compartimental. Embora os sintomas possam variar, uma das características mais comuns é a dor desproporcional à lesão, associada a distúrbios na função sensitiva e motora dos nervos. Contudo, em alguns casos, o paciente pode não relatar dor intensa devido à alteração do estado de consciência ou à percepção alterada da dor, o que pode dificultar o diagnóstico.

É importante ressaltar que a síndrome compartimental não se limita apenas à perna; o pé também pode ser afetado, embora de forma menos frequente. A síndrome compartimental no pé representa menos de 5% de todas as síndromes compartimentais no corpo humano. Essa condição geralmente resulta de traumas de alta energia, como fraturas calcâneas ou lesões de esmagamento, que causam necrose muscular e danos aos nervos periféricos, podendo evoluir para deformidades como dedos em garra e alterações na biomecânica da marcha.

Quando a síndrome compartimental é diagnosticada, a única forma eficaz de tratamento é a fasciotomia, que visa aliviar a pressão nos compartimentos afetados. Embora a abordagem cirúrgica seja o padrão de ouro, nem todos os casos exigem a liberação de todos os compartimentos. Em algumas situações, a decomposição seletiva de apenas um ou dois compartimentos pode ser suficiente. No entanto, é essencial que o cirurgião tenha um bom julgamento clínico, pois a liberação inadequada pode levar a complicações adicionais, como a necessidade de reconstrução de tecidos moles ou fraturas não cicatrizadas.

Entre as complicações mais temidas, estão a necrose muscular, a insuficiência renal (em decorrência da liberação de produtos tóxicos provenientes da musculatura danificada), e as complicações associadas ao próprio ato cirúrgico, como infecção, cicatrização tardia e danos aos nervos. O risco de amputação ou morte está diretamente ligado ao tempo de intervenção, sendo que a falha no diagnóstico nas primeiras 6 a 12 horas após a lesão pode resultar em danos irreversíveis.

Apesar de sua gravidade, a síndrome compartimental nem sempre é facilmente identificada, principalmente em pacientes com lesões múltiplas ou com trauma associado a fraturas complexas. Em tais casos, a dor pode não ser tão proeminente, o que exige que os médicos estejam particularmente atentos aos sinais clínicos mais sutis, como a alteração na função sensorial e motora dos membros afetados. Além disso, os pacientes com boa condição muscular, como atletas ou indivíduos jovens, podem apresentar sintomas menos evidentes, embora sejam mais suscetíveis à condição devido à maior vascularização dos músculos.

Em relação à síndrome compartimental do pé, a sua detecção precoce é igualmente vital. Esta condição pode ocorrer em casos de fraturas do calcâneo, lesões de esmagamento ou até mesmo após cirurgias menos invasivas, como aquelas realizadas para correção de esporão calcâneo. Mesmo lesões aparentemente menores, como entorses de tornozelo ou fraturas menores, podem evoluir para um quadro de síndrome compartimental, o que demonstra a importância de um diagnóstico diferencial cuidadoso.

Embora a liberação de compartimentos seja a intervenção padrão, algumas complicações podem surgir, como a necessidade de enxertos para cobertura de feridas ou a ocorrência de deformidades persistentes. A deformidade do pé, como o pé em cavos ou a deformidade do dedo em garra, pode ser uma consequência tardia, e o tratamento cirúrgico para corrigir essas condições pode ser complexo e exigir múltiplos procedimentos. De acordo com os relatos, até mesmo fraturas menores podem evoluir para síndrome compartimental, destacando a necessidade de monitoramento contínuo e vigilante após qualquer lesão.

É importante lembrar que, apesar da eficácia da fasciotomia, as complicações pós-operatórias não são raras. A cicatrização tardia ou defeituosa, a necessidade de enxertos de pele ou tecidos moles, a persistência de dor ou fraqueza muscular e a dificuldade na cicatrização óssea podem afetar significativamente a recuperação do paciente. Essas complicações não apenas prolongam o período de reabilitação, mas também podem impactar a qualidade de vida a longo prazo, principalmente em pacientes mais jovens ou fisicamente ativos.

Além disso, os pacientes que apresentam risco elevado de síndrome compartimental, como aqueles com múltiplas fraturas ou trauma de alta energia, devem ser monitorados de perto. A vigilância contínua permite detectar precocemente sinais de comprometimento dos tecidos e facilita a intervenção rápida, prevenindo danos irreversíveis. Em casos mais graves, a síndrome compartimental pode levar a um ciclo vicioso de lesões, incluindo a falência renal e a necessidade de amputações, o que reforça a urgência do tratamento adequado.

Por fim, deve-se ter em mente que a síndrome compartimental, embora relativamente rara em comparação com outras lesões ortopédicas, é uma emergência médica que exige um diagnóstico rápido e uma abordagem terapêutica agressiva. O tratamento adequado, especialmente quando realizado nas primeiras horas após a lesão, pode melhorar significativamente os resultados a longo prazo e reduzir as complicações graves associadas à condição.

Como a Biomecânica do Pé e Tornozelo Influencia a Marcha Humana

A atividade muscular mais intensa ocorre na panturrilha, com o pico de geração de força no tornozelo durante a ação concêntrica. Quando o membro oposto entra em contato com o solo (50% do ciclo), o membro homolateral começa a descarregar, preparando-se para a fase de balanço (pré-balanço), e a flexão do joelho acelera, atingindo seu ápice na fase de balanço. Essa dinâmica pode ser observada na curva do registro cinemático do joelho no plano sagital. O duplo pico de flexão do joelho pode ser comparado ao contorno de uma corcova de camelo: o primeiro pico reflete um mecanismo de amortecimento (resistido pelas componentes monoarticulares do quadríceps em ação excêntrica), enquanto o segundo pico assegura a progressão do membro e o levantamento do pé do solo. A flexão ativa do quadril, promovida pelo psoas, é fundamental para atingir o segundo pico de flexão do joelho. Essa situação se torna possível pelo uso das propriedades inerciais do segmento corporal, especificamente da perna. Tal observação levou estudiosos renomados na análise da marcha, como J. Perry, a reconsiderar o fim da fase de apoio como um “descolamento” (pull-off) ao invés de um “impulso” (push-off). O pico de geração de força no tornozelo é um verdadeiro "impulso" que eleva o centro de massa do corpo no final da fase de apoio, aumentando sua energia potencial em detrimento da componente cinética. No entanto, a componente de arrasto do quadril durante a fase de pré-balanço também é indiscutível.

A marcha normal possui cinco atributos essenciais a serem considerados ao avaliar se é patológica ou não: estabilidade durante o apoio, o levantamento do pé do solo durante o balanço, comprimento de passada adequado, pré-posicionamento correto do pé para o contato inicial e conservação de energia. A estabilidade do pé durante a fase de apoio é fundamental para garantir a eficiência biomecânica da marcha. Na fase inicial do ciclo de marcha, o primeiro rocker envolve o contato do calcanhar com o solo, cuja principal função é amortecer o impacto. Todo o membro inferior, juntamente com o esqueleto axial, participa deste efeito de amortecimento. Os músculos do tronco, os flexores do quadril, o aparelho extensor do joelho e as propriedades viscoelásticas dos tecidos fibroadiposos plantares colaboram para amortecer o impacto do contato inicial. O pé possui um mecanismo peculiar de absorção de choque, que utiliza o fenômeno da configuração variável da abóbada plantar. Esse mecanismo é proporcionado pelas articulações tarsais em resposta à carga e resulta na pronação passiva do pé. A pronação ocorre porque o ponto de contato do calcanhar com o solo está ligeiramente fora da projeção do eixo da perna. Se coincidisse exatamente com o eixo, nenhum movimento seria gerado na articulação subtalar no momento do contato inicial. Caso o calcanhar esteja muito distante da projeção da perna, o pé tenderá a virar para a supinação. Isso ocorre em pés varos graves, onde os músculos peroneais (principalmente os peroneais encurtados) acabam sendo sobrecarregados pelo esforço em eversão para o qual não estão preparados. Quando calcanhar e perna estão coaxiais, uma parte significativa do amortecimento é perdida após o contato inicial, o que acaba gerando sobrecarga nos segmentos superiores, resultando em lesões. Essa situação ocorre em formas mais leves de pé varo. Por outro lado, se o calcanhar estiver excessivamente voltado para fora em relação à projeção da perna, o momento passivo de pronação que o pé terá que suportar será tão grande que os inversores, como o tibial posterior, eventualmente serão sobrecarregados, resultando em uma pronação progressiva e claudicação do pé.

Na fase do segundo rocker, que corresponde ao período de apoio monopodal, o padrão de contato com o solo é plantígrado. O pé de apoio é responsável por suportar o peso do corpo, sendo o padrão de contato mais estável. A perna precisa ser esticada ao máximo, de modo que o pé oposto, que está em balanço, não colida com o solo. O tálus, que começou em uma posição pronada no início do segundo rocker, deve mover-se para uma posição supinada. A pronação passiva do pé é transmitida pelo tálus à perna, causando rotação interna, e a rotação externa da perna é transmitida ao pé, gerando supinação. O segundo rocker é controlado exclusivamente pelo sóleo. Sob condições normais, as panturrilhas ficam silenciosas durante esse rocker, de forma a evitar a produção de um momento flexor no joelho, o que seria indesejável, pois comprometeria a manutenção da perna esticada. No entanto, podem ocorrer casos de retração relativa da componente elástica inativa da panturrilha, o que pode gerar sobrecargas em diferentes níveis do pé, desde que o joelho permaneça estendido. Alguns autores consideram essas formas de equinismo como vestígios evolutivos da adaptação do pé, de uma postura quadrúpede para uma postura bipedal plantígrada. A questão que permanece em aberto é: quanto de equinismo é aceitável? A maioria da população provavelmente não atinge, nem de longe, a posição neutra do tornozelo quando o pé invertido é trazido para a dorsiflexão passiva e o joelho permanece estendido.

A função do terceiro rocker é proporcionar a propulsão necessária para a elevação do centro de massa do corpo. Vale sempre lembrar que, neste momento, apenas a parte anterior do pé entra em contato com o solo, através da eminência digitoplantar, enquanto o metatarso permanece perpendicular ao solo. A carga é transferida das extremidades externas para a parte anterior do pé, proporcionando o impulso necessário para o próximo ciclo.

Para além das descrições mecânicas, é importante compreender que o correto funcionamento do pé e tornozelo durante a marcha depende da interação entre a biomecânica e a neurofisiologia. Alterações nos padrões de movimento, como a falta de flexibilidade nos músculos da panturrilha ou desequilíbrios entre os músculos do pé, podem afetar não apenas a marcha, mas também a saúde a longo prazo das articulações envolvidas.