A formulação clássica do ceticismo sobre o mundo externo pergunta: como podemos saber que existem objetos ordinários, como mesas, quando não podemos descartar hipóteses céticas – por exemplo, a possibilidade de estarmos em uma simulação global ou sendo enganados por um gênio maligno? Essa formulação se concentra na dúvida sobre a existência de objetos externos. Você olha para a superfície da mesa à sua frente, sente sua textura sob a mão, mas será que há realmente uma mesa ali, ou apenas a aparência dela criada por uma fonte enganosa de experiências?
O veridicalismo propõe uma estratégia anti-cética alternativa: mesmo que você esteja em um cenário cético, como uma simulação, suas crenças sobre a existência de objetos ordinários ainda seriam verdadeiras. A mesa que você vê é, de fato, uma mesa — uma mesa simulada. Portanto, o fato de você não saber se está em uma simulação não anula o seu conhecimento de que há uma mesa diante de você. De acordo com essa abordagem, a veracidade das crenças sobre objetos ordinários independe do modo como esses objetos existem: físicos, simulados ou mentais, ainda são “mesas”, e portanto, sua crença não é falsa.
Mas o veridicalismo falha porque transfere o problema cético de "o que existe?" para "o que é aquilo que existe?". Se a mesa que você percebe é uma simulação, então o seu conhecimento de que “há uma mesa” não diz nada sobre o que a mesa realmente é. Estamos novamente imersos em incerteza, só que agora sobre a natureza das coisas e não mais apenas sobre sua existência. Assim, o problema cético não se dissolve — ele apenas se desloca.
O que está em jogo, então, não é simplesmente saber se há mesas, cadeiras ou árvores, mas saber o que são essas entidades. São elas físicas? Simuladas? Mentais? Quando admitimos que uma mesa simulada “ainda é uma mesa”, operamos uma mudança conceitual significativa — ampliamos a ontologia dos objetos ordinários para incluir entidades cuja natureza é radicalmente distinta daquela que normalmente atribuímos a elas. Isso tem consequências profundas tanto para a epistemologia quanto para a metafísica.
O ceticismo, sob essa luz, não pode mais ser tratado apenas como uma questão sobre a possibilidade de conhecimento empírico. Ele ameaça o próprio campo de investigação das ciências e da metafísica, ao questionar se sabemos do que essas áreas tratam. A ciência investiga leis e estruturas do mundo físico; mas se não sabemos se estamos em uma simulação, como podemos afirmar que seus objetos de estudo realmente existem como pensamos?
É necessário, portanto, reconsiderar a formulação padrão do argumento cético. A questão não deve ser apenas se sabemos que há mesas, mas se sabemos o que é uma mesa. E isso nos obriga a refletir sobre os fundamentos do conhecimento, não apenas na relação entre sujeito e objeto, mas na mediação entre experiência e realidade ontológica.
A abordagem veridicalista tenta evitar o ceticismo ao redefinir os critérios de verdade das crenças perceptivas, mas ao fazê-lo, esvazia o conteúdo dessas crenças. Saber que há uma mesa deixa de significar algo substancial, já que não se sabe se ela é física, digital ou imaginá
O veridicalismo realmente resolve o problema cético?
O veridicalismo tem sido interpretado, por alguns filósofos, como uma tentativa de dissolução do problema cético, e não exatamente como uma resposta direta a ele. Segundo essa leitura, a crença ordinária de que existem mesas não distingue entre mesas céticas (sk-mesas) e não-céticas; portanto, não deveríamos nos preocupar com a possibilidade de não sabermos se existem mesas não-céticas. A implicação é que o próprio problema cético seria ilusório, pois não haveria nada de preocupante nos cenários céticos ou na nossa incapacidade de descartá-los. No entanto, essa dissolução encontra resistência em dois níveis. Primeiro, mesmo que essa estratégia nos liberte da ansiedade epistemológica, ela não elimina a questão condicional: se o ceticismo padrão é de fato preocupante, o veridicalismo não é uma solução reconfortante. Segundo, e mais importante, é altamente implausível que o veridicalismo consiga realmente validar o nosso pensamento ordinário sobre o mundo.
Cremos, ordinariamente, não apenas que há mesas, mas que essas mesas não são ilusões demoníacas, nem entidades geradas por inteligências artificiais num sistema simulado. Essas suposições ordinárias não são sustentadas pelo veridicalismo. O fato de que os cenários céticos parecem contradizer nossas crenças intuitivas indica que há algo nelas que o veridicalismo não consegue preservar. Se alguém descobrisse que toda a sua vida é parte de uma simulação computacional operada por seres externos ao seu universo, essa descoberta chocaria profundamente, exatamente porque vai de encontro às nossas pressuposições mais básicas — de que vivemos em um mundo externo estável, independente da mente, e não gerado por um artifício alheio.
O veridicalismo pode salvar algumas crenças ordinárias — por exemplo, que há uma mesa — mas não outras, como a de que essa mesa é feita de madeira no sentido comum, ou que ela existe fora de qualquer sistema ilusório. A pergunta crucial é se preservar apenas esse tipo reduzido de crença é suficiente para dissipar nossas inquietações epistêmicas. Afinal, outras suposições já foram desmentidas pela ciência — como a ideia de que a mesa não é composta quase inteiramente de espaço vazio — sem que isso tenha causado uma crise cética total. Mas há uma diferença fundamental entre revisar o entendimento material da mesa e reconhecer que não sabemos se ela sequer é real em qualquer sentido robusto.
Ademais, mesmo se aceitarmos que o veridicalismo permite um número maior de crenças ordinárias válidas do que o ceticismo padrão, isso não parece, por si só, epistemicamente significativo. Saber que há uma mesa de madeira com uma xícara sobre ela, que está em uma sala em determinada cidade — tudo isso pode ser considerado conhecimento sob o veridicalismo. Mas esse ganho é apenas superficial, pois as possibilidades que essas crenças não conseguem excluir permanecem intactas. O veridicalismo apenas reformula os mesmos dados sob termos menos exigentes.
O problema se agrava com a contabilidade das crenças. Quantas crenças estão realmente envolvidas em algo tão simples quanto "há uma mesa"? Cada pequena variação da afirmação pode ser contada como uma nova crença: há uma mesa a menos de dez metros, a menos de doze metros, e assim por diante. O mesmo vale para aquilo que não sabemos: que a mesa é independente da mente, que não é fruto de uma simulação, que não foi causada por um demônio, etc. O número de crenças que não conseguimos validar sob o veridicalismo é igualmente vasto e indefinido.
As crenças ordinárias não se limitam àquelas que verbalizamos com frequência. Não dizemos rotineiramente “há uma mesa diante de mim”, e mesmo assim essa crença é tomada como paradigmática. O mesmo deveria valer para a crença de que a mesa não é fruto da imaginação de alguma entidade. O fato de tais crenças não serem ditas não as torna menos ordinárias. Portanto, o veridicalismo, ao preservar um subconjunto superficial das crenças ordinárias, falha em restaurar a confiança epistêmica completa. Ele não fornece, afinal, um conhecimento mais robusto sobre o mundo do que o que o ceticismo padrão permite. Apenas redescreve o mesmo território com palavras mais permissivas.
Importa destacar que o veridicalismo, ao evitar a conclusão cética (de que não sabemos nada sobre o mundo externo), o faz às custas de adotar uma definição extremamente ampla e permissiva do que pode ser considerado "mesa". Mas essa escolha terminológica não altera o conteúdo do conhecimento, apenas sua aparência linguística. Como ilustra Parfit, saber que se sentirá enjoado no mar sem saber se isso conta como “dor” é diferente de não saber o que se sentirá. A questão não é sobre qual cenário se vive, mas sobre como descrevê-lo. Assim, saber que se sente algo, sem saber como nomeá-lo, é distinto de não saber o que se sente. Aplicado ao veridicalismo, a situação é semelhante: não se trata de saber mais sobre o mundo, mas apenas de reorganizar a linguagem.
É fundamental compreender que, embora o veridicalismo ofereça uma aparência de solução, ele continua comprometido com a premissa cética de que não sabemos o que realmente causa nossas experiências. E se é justamente isso que nos preocupa, então o veridicalismo, no fim das contas, nada resolve. Ele pode multiplicar as crenças que parecem válidas, mas isso não dissolve a inquietação fundamental: a de que podemos viver em um mundo cujas causas últimas permanecem ocultas, inacessíveis, talvez inexistentes, no sentido que intuitivamente supomos.
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