Durante o regime fascista italiano, o controle da informação não era apenas uma questão de censura, mas uma estratégia sistemática para moldar a percepção pública segundo os interesses do Estado. A preocupação com a credulidade popular levou à proibição de notícias sobre supostos milagres, exceto aqueles tradicionalmente aceitos, como o episódio de San Gennaro em Nápoles. Essa prática revelava um esforço deliberado para limitar narrativas que pudessem fomentar misticismo ou desconfiança, mantendo um discurso controlado e racionalizado.
Além disso, o regime impunha padrões rigorosos sobre a representação da mulher, enfatizando imagens de saúde e vigor, associadas ao papel materno e à vitalidade da nação. As jovens com cintura “de vespa” ou mulheres de calça em bicicletas eram censuradas, pois contrariavam o ideal fascista de feminilidade. A manipulação da imagem pública se estendia até ao clima, com ordens explícitas para diminuir notícias sobre o mau tempo, criando um ambiente de otimismo forçado.
No âmbito jornalístico, a rigidez era extrema: a presença da fala de Mussolini em primeira página era mandatória, e qualquer erro de digitação no texto era inaceitável, sob pena de apreensão da edição. Fotografias também estavam sob rigoroso controle: o Duce jamais aparecia sozinho, mas sempre em meio a multidões entusiásticas, e imagens que o mostrassem em situações desfavoráveis, ao lado de religiosos ou vítimas de tragédias, eram proibidas. A fiscalização era tão minuciosa que Mussolini pessoalmente revisava fotos para eliminar qualquer detalhe que pudesse prejudicar sua imagem, desde uma pose inadequada até a presença de pessoas “desgraciadas”.
O financiamento estatal à cultura e à imprensa funcionava como um instrumento adicional para assegurar a conformidade. Jornalistas, escritores, artistas e intelectuais eram amplamente subvencionados pelo Ministério da Cultura Popular (Minculpop), recebendo valores significativos, o que os vinculava diretamente ao regime e minava a independência intelectual. Essa dependência econômica criou uma rede de colaboração em que a oposição era praticamente inexistente.
O controle fascista ultrapassava a imprensa e alcançava a educação superior e a produção cultural. Instituições acadêmicas, científicas e mesmo a enciclopédia nacional foram moldadas para refletir os valores do regime. A Enciclopédia Italiana, dirigida pelo filósofo Giovanni Gentile sob a supervisão do próprio Mussolini, exemplifica como o saber foi reestruturado para reforçar a ideologia fascista. Mesmo com contribuições de intelectuais não alinhados, a obra não representava a diversidade do pensamento italiano, pois grandes figuras culturais recusaram participar em protesto contra a instrumentalização da cultura pelo fascismo.
A visão do fascismo sobre o poder da informação era totalitária: os meios de comunicação tornaram-se extensões do aparelho estatal, e a cultura foi submetida à lógica do regime, eliminando dissidências e consolidando um discurso hegemônico. Compreender essa dinâmica é essencial para entender como regimes autoritários se apropriam da mídia e da cultura para perpetuar sua dominação.
É importante reconhecer que o controle da informação não se limitava à censura visível, mas envolvia uma rede complexa de incentivos econômicos, manipulação simbólica e repressão direta. O impacto dessa política vai além do conteúdo divulgado, moldando hábitos, valores e percepções sociais. O leitor deve perceber que o fascismo buscava não só controlar o que se dizia, mas o próprio imaginário coletivo, criando um ambiente onde a verdade oficial se impunha como única realidade possível. Tal compreensão é fundamental para refletir sobre os mecanismos contemporâneos de manipulação da informação e a fragilidade da liberdade intelectual sob regimes autoritários.
Como a manipulação de dados e o medo moldam o caminho para o autoritarismo?
O uso de Big Data nas democracias contemporâneas não representa apenas um avanço tecnológico, mas também uma ameaça insidiosa à própria essência do processo democrático. O argumento de que os dados não afetam a liberdade de escolha do eleitor ignora o fato de que eles moldam profundamente as condições dessa escolha. A coleta e análise de dados em larga escala simplificam a conquista de votos não por meio do convencimento racional, mas pela manipulação emocional e pela segmentação extrema. O resultado não é o fortalecimento da democracia, mas a sua erosão: o confronto de ideias se reduz a um teatro retórico entre indivíduos já convencidos, onde não há real disputa dialética, mas apenas reforço mútuo de crenças.
A consequência imediata dessa lógica é a polarização radical. Os algoritmos, guiados por interesses eleitorais, tendem a empurrar as opiniões para os extremos, tornando o diálogo impossível e o embate inevitável. Em vez de promover o consenso, Big Data constrói trincheiras ideológicas. O caminho que leva à intolerância, à rigidez e à violência torna-se perigosamente curto. A pandemia de coronavírus apenas acelerou esse processo, ao introduzir uma nova dimensão de controle social. A paradoxal demanda por mais vigilância, legitimada pelo medo da doença, criou o precedente para um modelo distópico de sociedade em que a transparência deixa de ser um valor democrático e passa a ser instrumento de vigilância total.
O cineasta soviético Eisenstein, em seu projeto não filmado "A Casa de Vidro", antecipava esse pesadelo: um mundo onde todos veem e são vistos, onde a transparência se transforma em opressão. A metáfora de Eisenstein encontra eco hoje no uso de tecnologias de rastreamento e vigilância digital, que podem ser facilmente convertidas em ferramentas de autoritarismo, mesmo sob a fachada de legalidade democrática.
No passado, instrumentos legais também foram usados para legitimar a destruição da democracia. A chamada Lei Acerbo, aprovada na Itália em 1923, é um exemplo emblemático. Ela previa que a coalizão que obtivesse 25% dos votos receberia automaticamente dois terços das cadeiras no Parlamento. Com isso, eliminava-se a representatividade proporcional, um dos pilares do sistema democrático. Esta lei não foi imposta por um golpe militar, mas aprovada por um parlamento eleito. Através do voto, Mussolini institucionalizou o autoritarismo. E, embora aplicada apenas nas eleições de 1924, abriu caminho para a consolidação do regime fascista após a vitória da Lista Nacional — aliança entre fascistas, liberais e católicos conservadores.
A violência como instrumento político foi outro componente fundamental dessa ascensão. Os squadristi, milícias fascistas, empregavam táticas de terror para silenciar a oposição socialista e sindicalista. Atacavam sedes de jornais, casas de deputados, sindicatos e manifestações. O objetivo era claro: destruir a coesão e a comunicação entre os adversários, impondo uma hegemonia pelo medo. A destruição sistemática da imprensa crítica teve papel essencial. Sem uma mídia plural, o antifascismo perdeu sua capacidade de articulação nacional.
No entanto, a narrativa oficial produzia uma imagem heroica desses atos. Filmes como Camicia Nera, com roteiro supervisionado pelo próprio Mussolini, reescreviam a história, culpando liberais e socialistas pelo caos e apresentando os fascistas como salvadores da pátria. A retórica fascista apropriava-se do vocabulário militar romano para construir uma identidade marcial: os jovens militantes eram os principi, prontos para o combate, enquanto os veteranos eram os triari, reserva estratégica. Essa encenação de glória e sacrifício sustentava o mito da violência necessária.
O episódio de Sarzana, em 1921, é ilustrativo da brutalidade desses anos. Seiscentos camisas-negras tentaram invadir a cidade para libertar fascistas presos. Foram enfrentados pelas forças da ordem, resultando em mortes. A violência não era monopólio de um lado: tanto os fascistas quanto os seus opositores, e até mesmo os representantes do Estado, participaram de confrontos mortais. Antonio Gramsci denunciava os massacres nos jornais, tentando dar visibilidade a uma verdade que o regime nascente tentava apagar.
O que se revela, então, é a complexa engenharia social e legal que permite ao autoritarismo se vestir com as roupas da legalidade. A manipulação de dados, a violência direcionada, o controle da narrativa pública e o uso do medo como mecanismo de adesão são ferramentas que, quando combinadas, constroem uma forma de poder que não precisa mais do golpe para se impor. Ele entra pela porta da frente, legitimado por eleições manipuladas e leis aprovadas sob aparente normalidade.
É crucial compreender que a democracia não morre apenas quando tanques tomam as ruas. Ela se desfaz em silêncio, quando os dados moldam a opinião, quando o medo substitui a liberdade, quando a violência se torna invisível porque é seletiva e legalizada, e quando o cidadão, em troca de segurança, entrega voluntariamente sua autonomia.
Como o discurso político e as divisões sociais moldaram as eleições de 2016 e o fascismo moderno
A eleição de 2016 nos Estados Unidos representou um ponto de inflexão histórico, marcado por uma dinâmica inédita em que grande parte do eleitorado votou mais contra um candidato do que a favor do outro. Donald Trump utilizou uma retórica inflamável que, segundo Jason Stanley em How Fascism Works: The Politics of Us and Them, serviu para mobilizar sua base eleitoral, corroendo as raízes democráticas do país. Seu discurso evocava uma nostalgia por um passado mítico, propositalmente construído como idealizado e irreal, cuja função principal era cativar eleitores. Esse mito, contudo, não tinha outra finalidade senão a manutenção e a expansão do poder pessoal e partidário, onde o respeito às instituições e à lei foi subordinado ao objetivo de vencer eleições.
O papel do Partido Republicano foi decisivo nesse processo: a busca por um candidato vitorioso, independentemente de sua aderência às normas democráticas, revelou a fragilidade das instituições frente à ambição política e econômica. Trump, por sua vez, projetava seus interesses empresariais juntamente com os políticos, em uma simbiose entre poder econômico e poder eleitoral.
Essa dinâmica não é inédita na história política. O fascismo italiano, por exemplo, sofreu rupturas internas profundas entre seus grupos urbanos e rurais, cuja violência não se restringia apenas à luta contra opositores, mas se manifestava em confrontos internos. O Pacification Pact de 1921, proposto por Mussolini, buscava um acordo entre Fascistas e Socialistas para conter a violência, evidenciando as divergências entre as facções. Para Mussolini, era vital que o fascismo deixasse de ser um movimento apenas de intransigência de classe para se transformar em uma força política com apoio popular amplo, mas a resistência dentro do próprio movimento demonstrava o quanto essa transformação era complexa e contraditória.
Voltando ao contexto contemporâneo, é essencial desfazer o mito de que a eleição de Trump foi um fenômeno exclusivo das classes populares e ignorantes. Sua base eleitoral incluía regiões tradicionalmente democratas, como o chamado “rust belt” no Meio-Oeste, onde trabalhadores altamente sindicalizados mudaram seu voto em massa. Essa mudança reflete transformações profundas na composição social e econômica do país, ampliadas pela crise econômica de 2008, que deixou milhares de pessoas à margem dos processos produtivos e aumentou o ressentimento contra as elites políticas tradicionais.
O voto em Trump também se configurou como um voto anti-establishment, semelhante ao que ocorreu com o Brexit no Reino Unido. No entanto, rotular seus eleitores simplesmente como racistas ou xenófobos simplifica uma reação complexa que pode ser entendida como uma resistência cultural a políticas migratórias percebidas como invasivas e ameaçadoras às tradições e raízes religiosas ocidentais. Essa percepção alimenta um sentimento coletivo de culpa e alienação, que vem sendo explorado por lideranças políticas para consolidar apoio.
Além disso, a campanha eleitoral de 2016 revelou a fragilidade do debate político centrado em programas e visões de mundo claras. Tanto Trump quanto Clinton representavam escolhas calculadas por seus partidos, afastadas da expressão genuína de um projeto político voltado ao bem comum. O impacto de investigações judiciais e campanhas midiáticas também foi decisivo para moldar a opinião pública, mostrando como estratégias comunicativas podem influenciar decisivamente o resultado eleitoral.
É importante compreender que essas dinâmicas políticas contemporâneas são parte de um fenômeno mais amplo, no qual a polarização e o enfraquecimento das instituições democráticas refletem a crescente insatisfação das populações diante das transformações econômicas e culturais aceleradas. A nostalgia de um passado idealizado, a crise das identidades nacionais e o questionamento das elites tradicionais são elementos que se entrelaçam, dando origem a discursos populistas e autoritários que desafiam os valores democráticos.
A análise dessas tendências exige atenção à complexidade das causas que impulsionam movimentos políticos como o fascismo moderno e o populismo contemporâneo, entendendo que se trata de fenômenos multifacetados, cujas raízes estão tanto na economia quanto na cultura e nas estruturas sociais. O conhecimento desses aspectos permite uma leitura crítica do presente e dos desafios que a democracia enfrenta diante da emergência de lideranças e movimentos que instrumentalizam o medo e o ressentimento para alcançar o poder.
Como o fascismo moldou a comunicação política moderna?
A relação entre fascismo e os meios de comunicação foi estruturante para a consolidação do poder autoritário no século XX, e suas reverberações ainda ecoam nos regimes e estratégias populistas atuais. Benito Mussolini compreendeu, de forma intuitiva e brutalmente eficaz, que o controle da narrativa era tão vital quanto o controle das instituições. A fundação do Il Popolo d’Italia, jornal que servia simultaneamente como instrumento de propaganda e mecanismo de manipulação da opinião pública, foi um marco inaugural dessa compreensão. Não se tratava apenas de informar, mas de moldar afetos, fidelidades e percepções. Mussolini usou o jornal como plataforma para enaltecer figuras como Wilson, atacar os bolcheviques e alimentar uma narrativa nacionalista que combinava orgulho histórico com ressentimento social.
Esse projeto não se limitou à imprensa escrita. O advento da rádio e do cinema ofereceu novas possibilidades de penetração simbólica. A EIAR (Ente Italiano Audizioni Radiofoniche), central estatal de rádio, foi usada com maestria para difundir uma estética da autoridade: a voz do Duce, direta, solene, invariavelmente teatral, entrava nos lares como dogma. A fundação do Istituto Luce permitiu ainda o uso extensivo de cinejornais e documentários. Obras como Camicia Nera e Il Viaggio del Duce in Piemonte não eram simples registros, mas artefatos meticulosamente manipulados para exibir um líder infalível, rodeado de massas extasiadas, numa mise-en-scène de unanimidade e ordem.
Esse uso da mídia como extensão do poder não foi acidental. A estética fascista repousava sobre um pacto entre forma e conteúdo: imagens coreografadas, vozes impostas, slogans repetidos à exaustão. Como destacou Giorgio Fabre, havia uma consciência aguda sobre o poder hipnótico da repetição e da encenação. A comunicação não era um canal, mas uma armadura ideológica.
As semelhanças com dinâmicas contemporâneas não são coincidência. Donald Trump, por exemplo, demonstrou uma intuição semelhante à de Mussolini ao compreender que, na era digital, o Twitter podia ser o novo púlpito do carisma autoritário. A imprensa tradicional foi sistematicamente desqualificada como “fake news”, enquanto canais aliados como a Fox News serviam de caixa de ressonância. A manipulação do medo — seja ele o medo da imigração, da decadência econômica ou da perda de identidade nacional — ecoa a retórica fascista clássica.
A força dessas narrativas repousa, em ambos os casos, na simplificação extrema dos antagonismos: nós contra eles, o povo contra as elites, a nação contra o inimigo interno. Essa lógica de exclusão e identificação se ancora não apenas na linguagem, mas também nas imagens, nos gestos, nos rituais midiáticos. Como observou Emilio Gentile, o fascismo não foi apenas um movimento político, mas uma “religião política” — uma forma de fé civil, com seus dogmas, seus mártires, seus sacramentos.
A presença constante de personagens como Roberto Farinacci e Giovanni Giuriati nas estruturas do regime e sua atuação direta na propaganda exemplificam a centralização da mensagem. A imprensa, o rádio, o cinema — todos eram braços de uma mesma vontade: eliminar a autonomia do pensamento. Essa eliminação não se dava por censura direta apenas, mas sobretudo pela saturação simbólica, pela imposição de um léxico único, pela repetição de imagens que expulsavam a dúvida.
O que isso ensina ao leitor contemporâneo é que o fascismo não foi um desvio exótico da política europeia, mas uma fórmula eficaz de engenharia emocional e social, replicável sob novas roupagens. A cultura da destruição, o ataque ao pluralismo, a estetização da política, a fabricação constante do inimigo — tudo isso não desapareceu, apenas mudou de meios. Do Il Popolo d’Italia ao algoritmo do Facebook, o elo é direto: a captura da subjetividade coletiva por meio da performance política.
Importa reconhecer que essa performance exige cumplicidade social. O fascismo, como lembrou Gram

Deutsch
Francais
Nederlands
Svenska
Norsk
Dansk
Suomi
Espanol
Italiano
Portugues
Magyar
Polski
Cestina
Русский