A pandemia de 2020 inseriu no vocabulário do turismo de eventos o conceito de “evento bolha” e trouxe à tona a importância da resiliência no setor. Antes, o discurso sobre sustentabilidade focava-se nas pegadas ecológicas, na relação custo-benefício e nos efeitos distributivos – quem ganha e quem perde. Contudo, a crise sanitária global provocou uma reflexão profunda sobre a capacidade de resiliência dos eventos individuais, dos portfólios de eventos e das populações como um todo. Em um cenário em que eventos se mostraram especialmente vulneráveis a condições externas, tornou-se evidente que a gestão de portfólio – com ênfase em redes, sinergias e aproveitamento estratégico – deve ser o principal caminho para alcançar a resiliência do setor.
O conceito de resiliência, até então secundarizado nos debates tradicionais sobre sustentabilidade, ganhou novo peso, pois o inesperado mostrou que eventos isolados dificilmente sustentam a continuidade sem uma base integrada de suporte. As estratégias passaram a focar na adaptação, diversificação e inovação contínua para enfrentar choques imprevisíveis, inclusive questões sanitárias, econômicas e sociais. Essa reorientação tem impulsionado pesquisas que avaliam impactos e estratégias de recuperação, levando a um campo mais crítico e multidimensional de estudos.
Nesse contexto, o trabalho de campo emerge como ferramenta essencial para a compreensão das dinâmicas reais do turismo e eventos. Originário da antropologia, o trabalho de campo não é apenas uma técnica, mas um compromisso profundo com o entendimento dos vínculos entre pessoas e lugares, dos sentidos e das experiências vividas. Por meio dele, os pesquisadores capturam não só dados, mas o significado social, político e ético embutido nas práticas turísticas.
O campo não se limita ao tempo e local onde a pesquisa ocorre, mas está imbricado em múltiplas dimensões, incluindo os espaços políticos, sociais e metodológicos. Assim, o pesquisador deve refletir antecipadamente sobre sua posição, postura e as relações de poder envolvidas para garantir uma abordagem ética e transparente. Nos últimos anos, a “virada reflexiva” tem estimulado uma maior autoanálise e consciência política do pesquisador em sua atuação, especialmente no que tange à comunicação e interpretação dos dados.
No turismo, o foco tradicionalmente recaía sobre métodos quantitativos, identificando “quem, o quê, quando e onde” dos fenômenos. Porém, a valorização crescente dos métodos qualitativos, que exploram o “como” e o “porquê”, enriquece o campo de estudos com análises mais profundas das motivações, conexões e significados dos atores envolvidos.
Um exemplo concreto que ilustra a complexidade do turismo e da resiliência é o caso das ilhas Fiji, no Pacífico Sul. Apesar de sofrerem golpes militares e instabilidade política – que causaram quedas significativas nos fluxos turísticos –, as ilhas mantiveram o crescimento do setor por meio de estratégias como descontos, marketing intenso e a promoção de destinos menos afetados politicamente. Os turistas, majoritariamente vindos da Austrália e Nova Zelândia, buscam essencialmente lazer, o que fortalece a economia local e gera milhares de empregos diretos. A infraestrutura aeroportuária e portuária também é vital para manter a conectividade das diversas ilhas e atender a demanda do turismo de cruzeiros e voos interregionais.
É crucial que o leitor entenda que a resiliência no turismo e nos eventos não é um atributo estático, mas um processo contínuo de adaptação que envolve múltiplas escalas e atores. Envolve também uma análise crítica das condições políticas e sociais que moldam o acesso e a distribuição dos benefícios do turismo. Por fim, o trabalho de campo, ao inserir o pesquisador no meio dessas relações complexas, oferece um olhar indispensável para compreender as forças ocultas, os conflitos e as possibilidades de transformação real.
Como a linguagem molda o turismo e os significados culturais em um mundo globalizado?
A linguagem, longe de ser um mero instrumento de comunicação, emerge como um elemento construtivo essencial para a compreensão do mundo e para a criação de sentidos no turismo. Seguindo a tradição de Ferdinand de Saussure, compreende-se que cada signo linguístico é composto por um significante e um significado, cuja relação é arbitrária e dinâmica, refletindo-se nas múltiplas e mutáveis interpretações que a linguagem pode assumir em diferentes contextos. Esse caráter fluido e multivalente da linguagem revela-se particularmente potente no campo turístico, onde os discursos e narrativas exercem papel central na construção das experiências e na produção de sentidos culturais e sociais.
No âmbito do turismo, a linguagem não é apenas veículo para transmitir informações, mas também um espaço simbólico onde se inscrevem poderes, valores e identidades. Análises sobre o uso de metáforas em contextos turísticos mostram como certas representações podem tanto reforçar estruturas de dominação quanto abrir possibilidades para diálogos interculturais, como no caso da mobilidade entre turistas e comunidades indígenas em ambientes árticos, que promove uma cooperação transcultural e a ressignificação das relações com a natureza.
A aprendizagem de línguas estrangeiras durante viagens educativas exemplifica a dimensão experiencial da linguagem no turismo, ultrapassando a mera aquisição de habilidades para abarcar aspectos de risco, navegação e imaginação, os quais transformam as percepções do turista e ampliam sua consciência global e cosmopolita. Nesse sentido, a linguagem no turismo pode ser vista como um meio para a realização de uma cidadania global, reforçando aspirações e posicionamentos socioculturais em um mundo interconectado.
Os produtos simbólicos do turismo — desde materiais promocionais, imagens de destinos, até produções culturais como festivais — funcionam como textos que podem ser “lidos” para revelar as relações de poder, os imaginários e as subjetividades que moldam o turismo contemporâneo. Esses textos exercem o que é chamado de “poder declarativo”, capaz de construir e desconstruir a imagem de povos e lugares, guiando as expectativas e comportamentos dos turistas. A perspectiva sociolinguística de Graham Dann evidencia como o discurso turístico frequentemente posiciona o turista como um sujeito infantilizado, que deve ser protegido do risco e guiado em seu comportamento, revelando as estruturas de controle subjacentes ao ato de viajar.
Na economia neoliberal atual, o discurso turístico também serve para legitimar iniciativas de desenvolvimento que privilegiam línguas dominantes, como o inglês, em projetos de volunturismo. Essa prática, sob o véu da educação para cidadania global, muitas vezes limita a reflexão crítica dos participantes e reproduz lógicas imperiais, marginalizando outras línguas e culturas locais. O crescimento das narrativas digitais e das avaliações on-line intensificou o poder simbólico dos turistas, cujas opiniões podem influenciar diretamente a reputação e o sucesso de destinos e serviços turísticos. Contudo, a ausência de responsabilidade e o caráter anônimo de muitas dessas avaliações apresentam desafios éticos e políticos, uma vez que refletem expectativas externas que nem sempre dialogam com as visões das comunidades anfitriãs.
Em resposta a esses processos, diversas comunidades têm buscado resgatar e revitalizar suas línguas por meio do turismo, reconhecendo-o como uma plataforma para afirmar identidades culturais e reafirmar laços locais em meio às pressões da globalização. Essa apropriação estratégica do turismo demonstra como tanto a linguagem quanto o turismo são fenômenos dinâmicos, que podem ser instrumentalizados para expressar autoafirmações e narrativas plurais, contrapondo-se às imposições homogeneizadoras do capitalismo globalizado.
Entender a intersecção entre linguagem e turismo exige, portanto, um olhar atento às múltiplas camadas de significado e poder que se manifestam nesse espaço. A linguagem não apenas reflete as relações sociais e culturais presentes no turismo, mas é também uma força ativa na sua produção e transformação. Os processos discursivos e comunicativos presentes no turismo são simultaneamente locais e globais, culturais e econômicos, pessoais e políticos. A compreensão desse entrelaçamento é fundamental para que possamos reconhecer o turismo não apenas como uma atividade econômica ou recreativa, mas como um campo complexo de negociação de identidades, valores e saberes.
Além disso, é essencial considerar que a experiência linguística no turismo carrega implicações éticas profundas. O contato entre diferentes línguas e culturas, mediado pelo turismo, pode tanto abrir espaço para o respeito e a valorização das diferenças quanto reproduzir desigualdades e práticas coloniais disfarçadas. A sensibilidade para essas tensões deve guiar a reflexão crítica dos envolvidos no turismo, seja como profissionais, pesquisadores ou viajantes.
Como o Turismo Moldou e Desafia a Sustentabilidade das Maldivas
Desde o início do turismo nas Maldivas em 1972, a transformação econômica do país foi rápida e profunda, com o setor turístico substituindo a pesca como principal fonte de renda. Hoje, 164 ilhas funcionam como resorts enclausurados, totalmente autossuficientes em energia, dessalinização de água, tratamento de esgoto e transporte, demonstrando a complexidade e a sofisticação da infraestrutura turística local. Além disso, outros 120 resorts estão em desenvolvimento, revelando a contínua expansão do setor.
A regulação impõe que os operadores empreguem pelo menos 50% de trabalhadores locais, mas essa meta enfrenta obstáculos significativos. Fatores socioculturais, como os baixos salários e a relutância dos maldivos em trabalhar nos resorts, dificultam a integração da população local à indústria. O treinamento e a formação são centralizados pela Faculdade Governamental de Hospitalidade e Turismo, que busca suprir a demanda por mão de obra qualificada.
O perfil dos visitantes também sofreu alterações: em 2019, os principais mercados emissores foram China, Índia, Itália, Alemanha e Reino Unido, com uma duração média de estadia diminuída de 8 para 6,3 dias nas últimas duas décadas. O turismo doméstico ainda é pouco expressivo economicamente e não é devidamente contabilizado.
As Maldivas enfrentam desafios globais, principalmente as mudanças climáticas, que ameaçam a sustentabilidade do destino insular. Pesquisas têm explorado não só os impactos ambientais, mas também as repercussões socioculturais, incluindo o bem-estar das comunidades locais e os padrões de carreira dentro do turismo. Estudos recentes indicam que o modelo enclausurado do turismo pode ser visto como um “mal gerenciado”, dado o distanciamento social e econômico entre visitantes e habitantes, exacerbado por representações culturais islâmicas que moldam as interações.
A indústria turística maldiva reflete a tensão entre crescimento econômico e sustentabilidade social e ambiental, com a necessidade urgente de diversificação dos produtos turísticos, como a operação de pousadas em ilhas habitadas, que poderiam aproximar turistas e comunidades locais, promovendo benefícios mais equilibrados. A vulnerabilidade climática e a pressão sobre os recursos naturais exigem uma abordagem integrada que combine inovação, política pública eficaz e engajamento comunitário.
É fundamental compreender que o sucesso do turismo nas Maldivas não reside apenas no aumento do número de visitantes ou no crescimento econômico imediato, mas na capacidade do país de preservar sua identidade cultural, garantir a inclusão social e proteger seu ecossistema diante das mudanças globais. O turismo sustentável deve ser repensado como um processo dinâmico, que considere a interdependência entre os atores locais, a indústria e o meio ambiente, para que a atividade continue a ser uma fonte de prosperidade a longo prazo.
Como as Tecnologias Emergentes Afetam o Bem-Estar e o Comportamento Turístico: Uma Abordagem Psicológica
O estudo da psicologia do turismo tem ganhado crescente sofisticação, incorporando perspectivas de várias áreas do conhecimento, incluindo a psicologia evolucionista, as abordagens sociais e discursivas, e as experiências subjetivas dos turistas. Ao longo dos anos, os pesquisadores se concentraram em entender como as tecnologias emergentes, como as mídias sociais e os dispositivos móveis, impactam as experiências turísticas e as decisões dos turistas, em um cenário dinâmico e cada vez mais mediado por ambientes informacionais. Esses avanços não são apenas questões tecnológicas, mas também psicológicas, pois nos levam a questionar como as mudanças no comportamento dos turistas podem influenciar o seu bem-estar e as interações com os outros membros da sociedade, tanto turistas quanto residentes.
Do ponto de vista psicológico, as tecnologias e os meios de comunicação digitais apresentam um impacto profundo na percepção e nas decisões dos turistas, influenciando não só a escolha do destino, mas também as expectativas em relação à experiência. A crescente dependência de tecnologias como os smartphones, as redes sociais e as plataformas de compartilhamento de experiências tem gerado um ambiente no qual as decisões dos turistas não são mais baseadas apenas em informações objetivas ou diretas, mas em uma rede complexa de interações, emoções e influências sociais. Isso levanta questões sobre o papel dessas tecnologias no bem-estar subjetivo dos turistas, especialmente no que diz respeito ao impacto das escolhas realizadas em ambientes saturados de informações.
Além disso, as questões relacionadas ao bem-estar subjetivo se tornam cada vez mais centrais na pesquisa turística. O bem-estar é, em muitos casos, medido por meio da satisfação com a vida e a felicidade relatada pelos indivíduos, mas o impacto do turismo no bem-estar pode ser tanto positivo quanto negativo. Por exemplo, embora as viagens possam proporcionar momentos de lazer, relaxamento e prazer, elas também podem ser fontes de estresse e desconforto, especialmente quando as expectativas não são atendidas ou quando os turistas experimentam um choque cultural ou social. Assim, compreender como a experiência turística pode contribuir para o bem-estar requer uma abordagem que considere não apenas os aspectos emocionais e afetivos da viagem, mas também as dinâmicas sociais e contextuais que envolvem os turistas e os residentes locais.
A psicologia evolucionista oferece outra camada de entendimento sobre o comportamento turístico. Ela sugere que os turistas, de maneira instintiva, buscam experiências que atendem a necessidades psicológicas fundamentais, como a exploração, a busca por status, a formação de laços sociais, a fuga do perigo e até mesmo a procura por parceiros. Esses impulsos estão enraizados em necessidades biológicas e sociais mais profundas, que moldam, em última instância, o comportamento do turista. Essa perspectiva oferece uma explicação para a universalidade de certos comportamentos turísticos e ajuda a compreender as escolhas de destinos e atividades, como a busca por locais exóticos ou atividades desafiadoras, que têm raízes evolutivas ligadas à sobrevivência e à sociabilidade.
No entanto, os desafios contemporâneos, como a escassez de recursos, as mudanças climáticas e a degradação ambiental, levantam questões sobre como as necessidades evolutivas de exploração e consumo podem ser conciliadas com as preocupações sobre a sustentabilidade e o impacto ambiental. O turismo sustentável, com foco na preservação dos recursos naturais e culturais, torna-se um tema emergente na psicologia do turismo, que busca compreender como as experiências turísticas podem ser moldadas para otimizar tanto o bem-estar dos turistas quanto a sustentabilidade do meio ambiente e das comunidades locais.
Outro tema relevante é o papel das emoções na experiência turística. Pesquisas recentes apontam que as emoções desempenham um papel fundamental na forma como os turistas percebem e avaliam suas experiências. A alegria, o entusiasmo, a surpresa e até mesmo o desconforto ou a frustração podem influenciar a maneira como os turistas experimentam um destino e, consequentemente, suas decisões de retorno. As abordagens fenomenológicas são úteis para explorar esses aspectos emocionais, pois se concentram na vivência subjetiva e nas qualidades afetivas da experiência. Dessa forma, as emoções não apenas moldam as percepções dos turistas, mas também se tornam parte integrante do processo de tomada de decisão.
Finalmente, à medida que o turismo se torna mais digital e conectado, novas questões surgem em relação ao equilíbrio entre a vida digital e o descanso físico. O fenômeno do "turismo digital livre", que busca proporcionar experiências de desconexão e recuperação longe das tecnologias, exemplifica o crescente interesse por formas de turismo que promovem o bem-estar mental e emocional. As férias sem dispositivos digitais, por exemplo, têm sido apontadas como uma forma de recuperação e reequilíbrio, onde o turista pode se desconectar de um ambiente saturado de informações e experiências mediadas pela tecnologia.
O futuro da psicologia do turismo enfrenta dois desafios principais. O primeiro é integrar as abordagens psicológicas com os modelos teóricos de turismo provenientes de outras disciplinas, como a sociologia e a antropologia, para proporcionar uma compreensão mais holística do comportamento turístico. O segundo desafio é entender como o turismo se encaixa na vida do indivíduo como um todo, considerando a complexidade da interação entre as experiências turísticas e outros aspectos da psicologia humana, como o desenvolvimento pessoal, as relações sociais e os traços de personalidade.
Além dos aspectos abordados, é crucial considerar o impacto das relações culturais no turismo e o papel que o turismo pode desempenhar na promoção de valores sociais, como a solidariedade e o respeito mútuo. O turismo não é apenas uma busca por prazer individual, mas também uma oportunidade de engajamento com outras culturas e de desenvolvimento de uma maior compreensão do outro, o que pode enriquecer a experiência emocional e psicológica do turista.
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