A Anomalia de Ebstein (EA) é uma condição cardíaca rara e complexa, que afeta principalmente a válvula tricúspide e o ventrículo direito. Em crianças e adolescentes com níveis de função NYHA III a IV, com cianose progressiva, insuficiência cardíaca direita e arrítmias, a cirurgia pode ser considerada. À medida que a função do ventrículo direito em crianças com EA se deteriora, o agravamento da função cardíaca se torna inevitável, e a intervenção precoce é crucial para proteger a função do coração direito. Alguns estudos sugerem que a regurgitação tricúspide severa, identificada pela ecocardiografia, indica a necessidade de cirurgia, sendo que a reconstrução cônica da válvula tricúspide é uma técnica amplamente utilizada nesse contexto.

A reconstrução cônica começa com a liberação do tecido da válvula anterior e parte das cordas tendíneas das válvulas posterior e septal. O tecido é então rotacionado e suturado em um anel para restaurar a conexão normal entre a válvula tricúspide e o anel atrioventricular. A reconstrução tem como objetivo reduzir a regurgitação, restaurando a função da válvula e mantendo a integridade da função dos ventrículos esquerdo e direito.

Antes da cirurgia, é essencial realizar uma avaliação minuciosa da criança. O acompanhamento da tolerância ao exercício, presença de cansaço, palpitações e sintomas de síncope são fundamentais. O exame físico deve ser focado na detecção de sinais como hepatomegalia, cianose e sons cardíacos anormais. A ecocardiografia é o principal método diagnóstico, embora a cateterização cardíaca, devido ao risco de indução de arritmias, não deva ser utilizada rotineiramente, salvo em casos excepcionais.

Em termos de gestão anestésica, a principal preocupação é garantir que a função do coração direito seja preservada e otimizada. Durante a indução anestésica, deve-se tomar cuidado com o uso de anestésicos intravenosos, pois a dilatação do átrio direito pode interferir na dinâmica circulatória, atrasando a resposta ao fármaco. A indução deve ser lenta para evitar flutuações hemodinâmicas significativas. Também é crucial monitorar de perto o ritmo cardíaco, dado que até 20% das crianças com EA podem apresentar síndrome de pré-excitação, aumentando o risco de taquicardia supraventricular.

Durante a cirurgia, a monitorização constante da pressão venosa central (PVC) e da pressão sistólica arterial é fundamental. A colocação de um eletrodo de desfibrilação externo é uma medida preventiva em casos de arritmias. Em alguns pacientes, a circulação de Glenn pode ser realizada para reduzir o retorno venoso ao coração direito, protegendo sua função. Esse procedimento melhora a perfusão pulmonar e diminui a pressão na veia cava inferior, aliviando parte da carga sobre o ventrículo direito.

No período pós-operatório, a gestão do volume sanguíneo é crucial. O monitoramento da PVC deve ser mantido entre 20 e 26 cm H2O, enquanto a pressão na artéria pulmonar deve ser controlada para evitar hipertensão pulmonar. A administração de líquidos deve ser cuidadosamente balanceada para evitar sobrecarga no ventrículo direito, e o uso de medicamentos inotrópicos pode ser necessário para otimizar a contratilidade do ventrículo direito. A cateterização da artéria pulmonar é, no entanto, evitada devido à dificuldade na medição do débito cardíaco em pacientes com regurgitação tricúspide.

Após a reconstrução cônica, o ventrículo direito pode não conseguir se adaptar adequadamente às mudanças hemodinâmicas, devido ao comprometimento da sua contratilidade. Nesse contexto, a estabilização hemodinâmica é alcançada através do uso de drogas inotrópicas, controle rigoroso da resistência vascular pulmonar e suporte contínuo para garantir um fluxo sanguíneo adequado.

Além das considerações técnicas relacionadas à gestão anestésica e ao tratamento cirúrgico, é fundamental que os profissionais de saúde envolvidos estejam preparados para lidar com as complexidades emocionais e psicológicas que afetam as famílias de crianças com EA. O suporte psicológico, tanto para a criança quanto para seus familiares, é um aspecto crucial que deve ser considerado ao longo de todo o processo de diagnóstico, tratamento e recuperação.

Gestão Anestésica na Cirurgia de Fontan em Pacientes Pediátricos com Atresia Tricúspide

A cirurgia de Fontan é um procedimento complexo destinado a pacientes com defeitos cardíacos congênitos que resultam em circulação univentricular, como a atresia tricúspide. Esta cirurgia visa restaurar a circulação adequada, redirecionando o fluxo sanguíneo de forma a contornar a função do ventrículo direito, que está comprometido. Através da intervenção, busca-se melhorar a oxigenação do sangue e reduzir a sobrecarga volumétrica do coração, preservando a função ventricular e minimizando a dilatação atrial. Ao longo dos anos, a técnica evoluiu, e agora existem diferentes abordagens cirúrgicas, como a utilização de túnel intracardíaco ou conduíte extracardíaco, dependendo das condições anatômicas e hemodinâmicas do paciente.

A avaliação pré-operatória do paciente candidato à cirurgia de Fontan é crucial. Ela deve incluir exames como ecocardiograma, eletrocardiograma e cateterismo cardíaco, que permitem identificar a anatomia pulmonar, a resistência vascular pulmonar (PVR), e a pressão transpulmonar. Condições como resistência pulmonar elevada, estenose pulmonar significativa ou fração de ejeção ventricular inferior a 25-30% eram anteriormente contra-indicações absolutas para a cirurgia. Contudo, com os avanços na técnica e na capacidade de correção de certas anomalias, essas limitações podem ser minimizadas, permitindo que um maior número de pacientes se beneficie da cirurgia de Fontan.

A gestão anestésica durante a cirurgia de Fontan é um desafio multifacetado. Antes do bypass cardiopulmonar (CPB), a indução da anestesia pode ser realizada através da inalação de gases anestésicos ou da administração intravenosa de agentes sedativos. A monitorização invasiva da pressão arterial é essencial, e frequentemente é colocada uma linha arterial após a indução da anestesia. Além disso, a manutenção da pressão venosa central (CVP) é crucial para calcular a pressão transpulmonar e estimar a resistência vascular pulmonar. Se necessário, pode-se usar medicamentos inalatórios como óxido nítrico ou prostaciclinas para reduzir a PVR e melhorar o fluxo sanguíneo pulmonar.

Após a circulação extracorpórea, o foco da gestão anestésica é reduzir a resistência vascular pulmonar e otimizar o fluxo sanguíneo para os pulmões. Isso pode ser alcançado por meio de uma série de estratégias, incluindo a inalação de oxigênio puro, manutenção de uma alcalose moderada, e controle rigoroso das pressões ventilatórias. A ventilação mecânica com pressão positiva deve ser cuidadosamente balanceada, pois pode reduzir o retorno venoso e aumentar a resistência vascular pulmonar. Em alguns casos, o uso de dispositivos de ventilação assistida, como o dispositivo de pressão negativa no tórax, pode ser necessário para manter uma adequada ventilação e oxigenação pós-operatória.

Durante a recuperação, a manutenção do ritmo sinusal é vital para preservar o pré-carga ventricular e a função cardíaca. O uso de fármacos inotrópicos pode ser necessário para tratar a disfunção ventricular, enquanto a correção de qualquer insuficiência valvar atrioventricular deve ser realizada imediatamente. O monitoramento constante das pressões atriais e do CVP é necessário para ajustar as intervenções e garantir que a resistência vascular pulmonar esteja controlada.

Outro aspecto importante na gestão anestésica é a preparação para complicações potenciais. O reabertura do esterno pode levar a complicações como sangramentos massivos, e por isso, a equipe cirúrgica deve estar bem preparada com sangue suficiente e acesso venoso adequado. A utilização de estratégias para facilitar a ressuscitação volêmica e o controle da pressão intratorácica também é fundamental. Além disso, é importante que os anestesiologistas estejam cientes das particularidades relacionadas à ventilação em pacientes com circulação Fontan, uma vez que o fluxo pulmonar é passivo e principalmente ocorre durante a expiração.

Em relação à analgesia pós-operatória, a abordagem tem mudado com o tempo. Anteriormente, grandes doses de analgésicos eram usadas, mas agora, técnicas de anestesia com doses menores de fentanil e combinação com anestésicos inalatórios, além de bloqueios nervosos, são preferidas. Isso ajuda a melhorar a recuperação pós-operatória, permitindo uma extubação mais precoce e uma melhor recuperação funcional do paciente.

O gerenciamento da anestesia em pacientes submetidos à cirurgia de Fontan é uma tarefa altamente especializada e deve ser abordada com um planejamento detalhado. Embora as técnicas atuais de anestesia e cirurgia tenham melhorado consideravelmente o prognóstico desses pacientes, a vigilância constante e a adaptação das estratégias terapêuticas durante o processo são essenciais para o sucesso do tratamento.

Gestão Anestésica em Pacientes com Disfunção Cardíaca e Anomalias Coronárias

A avaliação da função cardíaca no contexto anestésico é uma tarefa complexa que requer uma análise cuidadosa dos fatores clínicos do paciente, do grau de obstrução das vias aéreas e da história de arritmias. Em particular, em pacientes com hipertrofia obstrutiva do ventrículo esquerdo (HOCM), a função cardíaca e os riscos anestésicos devem ser avaliados com extrema atenção para garantir a manutenção do ritmo sinusal, o controle adequado da pré-carga e da pós-carga e a minimização das flutuações hemodinâmicas que podem agravar a obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo (LVOT).

Pacientes com HOCM frequentemente apresentam sintomas de insuficiência cardíaca, arritmias e episódios de síncope, o que exige uma abordagem anestésica cuidadosa e o uso de estratégias para evitar complicações intraoperatórias. O controle da hipovolemia, a evitação de taquicardia e a estabilização da função ventricular são essenciais para evitar a exacerbação da obstrução do LVOT. Além disso, a história médica do paciente deve ser minuciosamente analisada, especialmente no que se refere a eventos familiares de morte súbita ou histórico de arritmias, que podem ser indicativos de risco elevado.

A ecocardiografia pré-operatória e os exames de ressonância magnética (RM) são ferramentas importantes para avaliar a função diastólica e a presença de disfunção ventricular, ajudando na decisão sobre o tipo de anestesia a ser utilizado. Em alguns casos, a monitoração invasiva, como o cateterismo da artéria pulmonar ou o uso de dispositivos de monitoração como o PiCCO, pode ser necessária para avaliar o estado hemodinâmico e ajustar a reposição volêmica de forma mais precisa.

Durante o procedimento, a utilização de agentes com atividade β-adrenérgica, como dopamina, dobutamina ou isoproterenol, deve ser evitada, pois eles podem induzir uma aceleração excessiva da frequência cardíaca, agravando a disfunção ventricular. No caso de arritmias atriais agudas, a cardioversão elétrica deve ser realizada de forma imediata, uma vez que a contração atrial é crucial para o preenchimento ventricular adequado.

É importante ressaltar que, em situações de obstrução do LVOT, o uso de vas