Nas eleições presidenciais de 2016, muitos analistas sugeriram que a vitória de Donald Trump estava enraizada no apoio massivo de trabalhadores brancos de classe baixa, especialmente aqueles com renda inferior à média nacional. No entanto, dados analisados por Nicholas Carnes e Noam Lupu (2017) revelam uma realidade um pouco diferente. Ao examinar a composição do eleitorado de Trump, eles descobriram que a maioria de seus apoiadores provinha de grupos de maior renda, desafiando a ideia de que Trump atraiu um grande número de trabalhadores de classe baixa.

De fato, uma parcela significativa dos eleitores de Trump, tanto nas primárias quanto na eleição geral, vinha de grupos de renda média (entre $50.000 e $100.000 anuais) e alta (acima de $100.000). Carnes e Lupu concluem que a ideia de que Trump obteve seu apoio principalmente entre os trabalhadores é um mito, pois a maioria de seus eleitores não se encaixava nesse perfil. Se definirmos classe trabalhadora de maneira ampla, como aqueles com rendimentos abaixo da média nacional, ainda assim dois terços do eleitorado de Trump não seriam considerados trabalhadores.

Outro dado relevante é a educação dos eleitores. Mais de dois terços dos votantes de Trump não possuíam diploma universitário, o que é frequentemente associado à classe trabalhadora. No entanto, este dado também não distingue de maneira significativa os eleitores de Trump daqueles de outros candidatos republicanos. Carnes e Lupu observam que a proporção de eleitores de Trump sem diploma universitário era similar à de outros candidatos republicanos bem-sucedidos. Além disso, a maioria dos eleitores brancos de Trump sem diploma possuía uma renda familiar superior a $50.000, com 20% deles pertencendo à faixa de renda superior a $100.000.

É, portanto, questionável se é adequado classificar esses eleitores como membros da classe trabalhadora apenas com base na ausência de um diploma universitário. Apenas 25% dos eleitores brancos de Trump nas eleições gerais apresentavam tanto uma renda abaixo da média quanto a falta de um diploma universitário. Essa informação desafia a narrativa de que Trump obteve sua vitória com o apoio de uma base sólida de trabalhadores brancos de classe baixa.

Em relação à acusação de que o voto em Trump foi impulsionado por preconceitos raciais, é importante reconhecer que as campanhas eleitorais de Trump, tanto nas primárias quanto nas eleições gerais, frequentemente adotaram uma retórica agressiva contra imigração ilegal e contra minorias. No entanto, a análise de Morris Fiorina (2018) sugere que os eleitores de Trump tinham uma predisposição racial ligeiramente menor do que os eleitores de Mitt Romney, seu antecessor republicano nas eleições de 2012. Isso desmente a ideia de que o voto em Trump foi amplamente motivado por racismo.

Além disso, é interessante observar que Trump obteve um desempenho relativamente bom entre os eleitores latinos, especialmente entre as latinas, um dado que muitos analistas não previam, dado seu discurso agressivo contra imigração ilegal e seu ataque direto ao México. O apoio latino a Trump foi superior ao de Romney, o que refuta a ideia de que seu discurso anti-imigração resultaria em uma perda substancial de apoio entre esse grupo.

A crítica de que Hillary Clinton ignorou os eleitores de classe trabalhadora também merece ser reconsiderada. Uma análise das palavras mais frequentes em seus discursos de campanha revela que Clinton abordou de maneira recorrente questões como emprego, economia e os trabalhadores. Ela fez esforços significativos para conquistar os estados do Rust Belt, como Michigan, Wisconsin e Pennsylvania, investindo mais em anúncios e equipe de campanha do que Obama em 2012. Apesar disso, Clinton perdeu esses estados por margens estreitas. Se ela tivesse obtido apenas 40.000 votos a mais nesses três estados, teria vencido as eleições.

Esses estados, no entanto, não eram, como muitos pensaram, certezas democráticas. Eles têm um histórico de alternância entre candidatos republicanos e democratas. Michigan, por exemplo, foi uma escolha dividida nas 17 eleições presidenciais anteriores a 2016. Wisconsin e Pennsylvania também demonstraram resultados variados ao longo do tempo. A perda de Clinton nesses estados não deve ser vista como um evento histórico inesperado, mas sim como uma consequência da natureza das eleições em estados que tradicionalmente se comportam como estados "flutuantes".

Em suma, a eleição de 2016 não representa uma ruptura radical na política americana. A alegada "terremoto eleitoral" não foi tão profundo quanto alguns analistas sugeriram. Trump obteve mais votos da classe trabalhadora do que os candidatos republicanos anteriores, mas o movimento foi dentro do esperado, dado o contexto eleitoral. Os eleitores de Trump, longe de serem impulsionados por um sentimento de crise racial ou econômica, estavam simplesmente respondendo a um desejo de mudança na direção da política americana, refletindo a insatisfação generalizada com a política do status quo.

Como a Improvisação e Falta de Planejamento Prejudicaram a Presidência de Trump

A presidência de Donald Trump foi marcada por decisões impulsivas e mal fundamentadas em diversas áreas, resultando em um impacto significativo sobre sua capacidade de governar. A ideia de liderança que Trump tentou implementar — centrada em sua figura como um "outsider" que desafiaria o establishment —, ao invés de se mostrar um trunfo, acabou sendo um obstáculo. Sua recusa em delegar responsabilidades de maneira eficaz e sua tendência a tomar decisões com pouca preparação não só afetaram suas políticas, mas também minaram a capacidade de sua administração de se organizar de forma coesa.

Um dos exemplos mais emblemáticos dessa abordagem caótica foi a elaboração do banimento de imigração para cidadãos de países muçulmanos. Originalmente criado por Stephen Miller, um assessor presidencial com pouca experiência em ação executiva, o decreto foi mal formulado desde o início. Em vez de alinhar-se com a legislação existente, o que poderia ter reduzido os desafios legais, o decreto foi vulnerável a uma série de contestações jurídicas. Isso ilustra um padrão de decisões de Trump: tomar medidas precipitadas sem consultar os especialistas necessários, resultando em falhas legais e políticas.

Além disso, a administração de Trump foi marcada por uma divisão interna considerável, dificultando a implementação de sua agenda. A nomeação de funcionários sem a devida atenção à sua competência ou alinhamento com seus objetivos resultou em uma resistência significativa dentro da própria Casa Branca. Em alguns casos, membros do governo tentaram contornar o presidente, alegando que suas decisões eram mal-informadas ou até mesmo prejudiciais para a nação. Um exemplo claro disso foi a questão da interferência russa nas eleições de 2016. Apesar da afirmação de Trump de que a Rússia não havia se envolvido, os serviços de inteligência do governo mantiveram uma posição contrária, forçando o presidente a mudar sua postura publicamente.

Essa desconexão entre as declarações do presidente e as ações de seus funcionários foi uma característica recorrente ao longo de seu mandato. Enquanto Trump fazia declarações muitas vezes contraditórias, os funcionários da administração seguiam outra linha, como no caso de suas interações com a Rússia ou com o Irã. Isso não apenas causou confusão, mas também enfraqueceu a capacidade de sua administração de implementar suas políticas de forma consistente e eficaz.

Em termos de elaboração de políticas, Trump e sua equipe se mostraram incapazes de articular uma agenda clara. Por exemplo, as promessas de reforma da infraestrutura, feitas repetidamente durante sua campanha, nunca se concretizaram, e a reforma da saúde acabou sendo derrotada de forma humilhante devido à falta de uma estratégia coerente e ao fracasso em unir o Partido Republicano em torno de um plano comum. O impacto dessa falta de organização foi visível em várias outras iniciativas, que foram rapidamente minadas pela resistência interna e externa.

Além disso, o estilo de liderança de Trump, voltado para a improvisação e a tomada de decisões rápidas, sem a devida análise ou consulta com especialistas, resultou em políticas mal planejadas e de difícil implementação. Ao tentar impor sua agenda de forma autoritária e sem base sólida, ele deu margem para que outros atores políticos assumissem o controle das discussões, prejudicando ainda mais sua posição no cenário político de Washington.

Por fim, a presidência de Trump demonstrou que a falta de uma estrutura organizacional eficiente e o desprezo pelo processo deliberativo não são estratégias eficazes para governar. Suas ações muitas vezes pareciam mais uma tentativa de agradar sua base eleitoral do que um esforço real para transformar sua visão em políticas viáveis. Esse ambiente de incerteza e desorganização não só prejudicou sua capacidade de avançar com suas propostas, mas também expôs a fragilidade de sua administração diante da complexidade da política americana.

É importante destacar que, além da incapacidade de implementar suas próprias propostas, Trump falhou em aproveitar o potencial das várias instâncias do governo e da estrutura política para alcançar seus objetivos. Ao não reconhecer a importância de uma abordagem mais estratégica e colaborativa, ele enfraqueceu ainda mais sua própria posição, entregando o controle do processo político a outros interesses. Esse vazio de liderança eficaz não só afetou suas políticas, mas também a estabilidade e a reputação da sua presidência.

A Presidência de Trump: Uma Revolução ou Simples Continuidade?

Donald Trump desceu as escadas rolantes do Trump Tower em Nova York, no dia 16 de junho de 2015, para anunciar sua candidatura à presidência dos Estados Unidos. Poucos observadores acreditavam que ele pudesse vencer. Sua campanha, no início, foi vista como uma novidade, quase uma piada. No entanto, o cenário político foi desafiado quando Trump conseguiu, de forma inesperada, conquistar a nomeação do Partido Republicano. Seis meses depois, após uma vitória surpreendente sobre Hillary Clinton, Trump estava se preparando para assumir o cargo de presidente. Esse triunfo se tornou um marco na política americana e gerou uma avalanche de especulações sobre como sua presidência se desenrolaria.

Durante os 18 meses de sua candidatura, especialistas tentaram compreender o fenômeno Trump. Eles buscaram identificar quais características e comportamentos do empresário se diferenciavam das figuras políticas tradicionais e como isso poderia impactar a política interna dos Estados Unidos. No entanto, o foco central dessa análise foi o rótulo de "extraordinário" que muitos atribuíram à sua ascensão ao poder. Essa classificação foi reforçada pelos diversos títulos que Trump recebeu: outsider, disruptor, nacionalista, populista e insurgente. Embora esses termos se sobreponham em certos pontos, eles representam, cada um de uma maneira, a ideia de que a presidência de Trump seria uma ruptura com o tradicional.

No entanto, essa visão precisa ser contestada. A proposta central desta análise é justamente desafiar a ideia de que a presidência de Trump seja extraordinária, argumentando que, na realidade, ela seguiu muitos padrões da política americana já conhecidos. As vitórias de Trump nas urnas foram previsíveis dentro de um sistema eleitoral que, com pequenas variações, tem se repetido ao longo dos anos. O apoio que ele recebeu não foi tão incomum assim. A vitória eleitoral de Trump seguiu o caminho de muitos outros presidentes, e seu estilo e abordagem revelaram mais uma continuidade do que uma revolução política.

Um exemplo claro disso é a análise do comportamento eleitoral. Trump, assim como seus predecessores, obteve apoio de uma base que se manteve fiel a um conjunto de valores e ideologias já estabelecidas. A identidade do eleitorado que o apoiou era, em grande parte, composta por aqueles que já tinham uma forte ligação com o Partido Republicano, ou que viam em sua figura uma representação das frustrações e tensões sociais dentro dos Estados Unidos. O voto de Trump, na essência, não foi uma mudança radical de alianças políticas, mas sim uma continuação de tendências que datam desde décadas anteriores.

Além disso, se considerarmos sua presidência no contexto das políticas implementadas, observamos que suas "conquistas" não foram revolucionárias. As poucas vitórias de Trump em termos de políticas públicas estavam, em sua maioria, alinhadas com as diretrizes do Partido Republicano. A reforma tributária e os esforços para a desregulamentação econômica foram, em grande medida, a continuação de agendas republicanas anteriores, embora apresentadas sob a ótica populista de Trump. Portanto, ao analisar seus feitos no cargo, a impressão de novidade se esvai. O governo Trump foi mais uma reinterpretação das políticas republicanas do que uma ruptura com elas.

Os capítulos seguintes, no entanto, não apenas evidenciam essa continuidade, mas também buscam entender os fatores que explicam por que a presidência de Trump, apesar de toda a sua retórica e da imagem que construiu, não foi tão extraordinária quanto alguns acreditam. O comportamento do presidente, sua personalidade, e suas estratégias de comunicação e legislativas são fatores que corroboram essa visão. Trump era, em muitos aspectos, um produto do sistema político americano, e sua atuação esteve fortemente inserida nos parâmetros de poder e nas dinâmicas políticas de Washington. O presidente, como qualquer outro, precisava lidar com o Congresso, com a mídia e com os sistemas institucionais estabelecidos, o que reduziu suas margens de manobra.

Embora a política externa seja um campo no qual o presidente tenha mais liberdade para agir, isso também não foi suficiente para torná-lo extraordinário. A política internacional, por sua própria natureza, oferece ao presidente mais poder para moldar a agenda, mas mesmo aqui, a presidência de Trump não conseguiu romper com os padrões históricos. A questão das alianças internacionais, a postura em relação ao comércio e a abordagem para com os adversários globais seguiram uma linha que pode ser vista como uma variação das políticas implementadas por administrações anteriores. O que se observou foi um exercício de poder que, embora fosse agressivo em sua retórica, não alterou as bases do sistema internacional de maneira significativa.

Neste contexto, é fundamental entender que, embora as palavras e ações de um presidente possam ter implicações globais, o impacto real de suas políticas, especialmente no que se refere à mudança estrutural, não ocorreu de forma substancial. As interações internacionais que Trump promoveu, seja com aliados tradicionais como a União Europeia ou com potências emergentes como a China, estavam longe de ser uma ruptura radical. Ao contrário, muitas das suas decisões seguiram a lógica da política internacional estabelecida pelos Estados Unidos, sem uma real inovação.

Ao longo de sua presidência, Trump se destacou mais pela forma como sua figura foi moldada por uma narrativa de outsider do que por uma transformação genuína na política americana ou mundial. Embora tenha tentado implementar sua agenda com um estilo muito característico, ele não foi capaz de alterar fundamentalmente as dinâmicas internas ou externas dos Estados Unidos. Ao contrário, seu governo continuou a refletir as lógicas tradicionais do poder político, com todas as limitações e possibilidades que o cargo de presidente dos Estados Unidos implica.