Nos últimos anos, muitas cidades norte-americanas passaram a ser geridas por entidades estaduais em resposta a dificuldades financeiras ou falhas administrativas no sistema escolar, como ocorreu em Detroit, Camden e Nova Orleans. Essas intervenções, muitas vezes motivadas por um quadro de "má gestão financeira", resultaram em um processo de privatização acelerado, com a introdução de escolas charter, vales de educação e a gestão privada do sistema escolar, substituindo os professores sindicalizados, a gestão pública e a supervisão estatal. A ideia central de tais medidas é justificar uma redução de gastos e um poder mais limitado sobre a infraestrutura local, sem reestruturar efetivamente os mecanismos de arrecadação ou financiamento.

Esse modelo, que busca envolver o setor privado como solução para problemas públicos, apresenta uma série de semelhanças, independentemente do contexto local. Em Philadelphia e Nova Orleans, por exemplo, a ideia de que o governo é ineficaz e corrupto foi uma justificativa para a implantação de gestores privados, que, por sua vez, demonstraram resultados pífios. A nomeação de gestores não-eleitos pela população, muitas vezes com interesses próprios, como ocorreu em Detroit e Nova York, deixou um legado de agravamento da situação financeira e social das cidades afetadas. Em Detroit, a gestão do estado levou a um aumento da dívida municipal em 2005, e em Flint, a intervenção estatal culminou na contaminação da água da cidade, gerando uma crise de saúde pública. A falta de responsabilização política dessas figuras e a contínua prevalência da ideia de que a gestão privada pode resolver os problemas do setor público são questões que permanecem mal resolvidas.

A questão da gestão pública e suas limitações não se restringe apenas ao setor educacional. Durante o período de renovação urbana, que aconteceu entre 1949 e 1970, o uso do domínio eminente (expropriação de terrenos para fins de interesse público) foi largamente empregado para reestruturar cidades, mas sem considerar os direitos das comunidades locais. Na década de 1970, um exemplo importante dessa prática foi o caso de Detroit, quando o então prefeito Coleman Young foi pressionado pela General Motors a expropriar uma área para a expansão de uma fábrica. A resistência de alguns moradores de Poletown, bairro de maioria polonesa, gerou um movimento de oposição que gerou um debate sobre o uso do domínio eminente e os limites da autoridade local.

A resistência ao uso de domínio eminente, principalmente em áreas urbanas e de minorias, ganhou força nos anos seguintes, com a formação de movimentos de direita, como o Instituto para a Justiça, financiado por figuras como Charles Koch, que buscavam restringir os poderes das autoridades locais nesse campo. A luta contra o abuso do domínio eminente, como no famoso caso de Susette Kelo em New London, Connecticut, ganhou destaque nacional e impulsionou uma agenda de reformas que hoje se reflete em uma crescente oposição à utilização de poderes de expropriação para fins de desenvolvimento privado. Contudo, essa oposição se concentra principalmente em questões de direitos de propriedade e, em alguns casos, negligencia outros impactos, como os direitos dos inquilinos ou o planejamento comunitário, frequentemente defendidos pela esquerda política.

Nos últimos anos, em resposta a esses movimentos, a política em torno do domínio eminente tem se tornado mais restritiva em várias partes do país, principalmente após o surgimento do movimento Tea Party e sua ascensão nas eleições de 2010. O foco das reformas atuais, contudo, limita-se à defesa dos direitos de propriedade e à crítica ao uso do poder do Estado para fins de desenvolvimento privado. O debate em torno desses temas, tanto no que diz respeito à gestão pública das cidades como ao uso do domínio eminente, reflete a crescente divisão entre as esferas do público e do privado, com a ênfase no papel do mercado como solução para os problemas do governo local.

É importante considerar que a privatização da gestão pública e a expropriação de terrenos para fins de desenvolvimento não são questões unânimes. As críticas a esses modelos apontam para a perda de controle das comunidades sobre seu próprio destino, além da fragilidade das estruturas de fiscalização e responsabilidade política. A discussão sobre o papel do Estado nas cidades deve ser vista com um olhar crítico, pois as soluções aparentemente rápidas e eficazes, como a substituição da gestão pública por interesses privados, muitas vezes não trazem os resultados esperados e podem agravar ainda mais as desigualdades sociais e econômicas nas comunidades afetadas.

Como a desapropriação e o zoneamento influenciam a descommodificação da terra nas cidades em declínio?

A descommodificação da terra, ou seja, a transformação de terrenos de mercadoria em bens públicos ou não privados, enfrenta desafios complexos, especialmente em cidades com grandes quantidades de propriedades abandonadas ou subutilizadas. O primeiro obstáculo é a aquisição da terra pelo Estado, que pode ocorrer por meio de reversão tributária, desapropriação ou zoneamento.

A reversão tributária acontece quando uma entidade pública registra um ônus sobre um imóvel devido ao não pagamento de impostos pelo proprietário. Em muitos casos, esses débitos acumulam-se a ponto de o município ou condado poder leiloar a dívida. Quando não há lance inicial, o imóvel pode ir a um segundo leilão por valores simbólicos, fazendo com que vastas áreas revertam para a posse pública. Detroit é um exemplo extremo, com mais de 72 mil lotes vagos sob controle público, o que, em tese, facilitaria a conversão desses espaços para usos públicos que aumentassem o valor ambiental e social da cidade, criando escassez e, portanto, demanda por moradias remanescentes.

Entretanto, limitações legais e institucionais restringem o potencial dessa estratégia. A maioria dos processos de execução fiscal é controlada a nível de condado, onde interesses suburbanos podem limitar o poder de gestão urbana central. Além disso, leis estaduais frequentemente obrigam que os imóveis revertidos estejam disponíveis para venda, o que impede a transformação permanente desses terrenos em parques ou reservas naturais. A escassez de recursos financeiros nas cidades comprometidas também dificulta a manutenção desses espaços, criando um ciclo de abandono mesmo sob propriedade pública.

Outra estratégia discutida é o uso do zoneamento para declarar determinadas áreas como não edificáveis, evitando a necessidade de aquisição ativa de terrenos. Isso poderia permitir que as cidades se reorganizassem em núcleos mais densos, cercados por áreas públicas ou naturais. Contudo, esta medida enfrenta sérios desafios legais, pois “downzoning” — a redução da possibilidade construtiva — pode ser interpretado como uma desapropriação indireta, tanto para proprietários atuais quanto futuros, abrindo caminho para litígios caros e demorados. Propostas mais cautelosas sugerem a permissão de usos alternativos, como agricultura comercial, para justificar a mudança sem configurar apropriação indevida.

Por fim, a desapropriação direta via domínio eminente é uma ferramenta que os municípios ainda possuem, mas seu uso em bairros altamente abandonados é delicado e custoso. Além das restrições legais estaduais e condais, existe o problema da quantidade significativa de moradores restantes nessas áreas. A compensação justa, prevista pela desapropriação, exige recursos financeiros que a maioria dessas cidades não detém, além de gerar uma crise social ao deslocar populações vulneráveis para locais onde o custo de vida é muito maior, dificultando sua realocação.

É importante considerar que a descommodificação da terra não é uma simples questão de propriedade ou uso do solo. Trata-se de uma transformação profunda das dinâmicas urbanas, que deve contemplar não só os aspectos legais e econômicos, mas também as realidades sociais dos moradores, os interesses políticos regionais e a capacidade institucional das cidades. A gestão desses terrenos abandonados exige um equilíbrio delicado entre criação de valor público, respeito às normas jurídicas e justiça social para os habitantes que permanecem em áreas em transição. Sem essa compreensão integrada, propostas de descommodificação podem gerar mais conflitos do que soluções duradouras.

Como o Declínio Urbano Foi Planejado: O Papel das Forças Conservadoras na Desintegração das Cidades

O declínio urbano não é um fenômeno espontâneo ou inevitável; é, de fato, um processo meticulosamente planejado. As forças que sustentam a degradação das cidades e a erasure de bairros inteiros são não apenas específicas, mas também bem financiadas e prontas para serem acionadas. Os esforços para revitalizar os ambientes urbanos ou promover a concentração populacional em zonas específicas geralmente surgem como propostas vagas, muitas vezes sem qualquer chance real de serem implementadas, especialmente quando se contrapõem aos interesses de grupos conservadores que têm como principal objetivo a exclusão dos mais pobres dos centros urbanos. Esses grupos não são defensores da austeridade, mas praticantes de um planejamento estratégico que visa transformar as partes mais caras da economia territorial em novas oportunidades de investimento.

Nos últimos anos, o conceito de "ajuste urbano" (ou "right-sizing") tem se tornado uma tendência crescente, sendo defendido por aqueles que acreditam na redução da população urbana para uma configuração mais "natural". Porém, é crucial que os urbanistas e moradores das cidades afetadas sejam céticos em relação a tais planos. Não se trata de uma revelação sobre como a cidade deveria crescer após um longo período de expansão descontrolada; trata-se de uma tentativa de redefinir esse crescimento, ajustando-o para interesses específicos do mercado. O "ajuste urbano" não é uma epifania pós-crescimento; é uma estratégia para reconfigurar o espaço urbano em torno das necessidades do capital, muitas vezes em detrimento das necessidades sociais e ambientais.

A ideia de que o mercado é um sistema natural e autossuficiente tem raízes profundas na ideologia conservadora moderna. Para muitos conservadores, o mercado deve ser soberano, e qualquer tentativa de subjugar o mercado a normas sociais não apenas provoca o declínio das cidades, mas também impede a emergência de uma versão mais justa e eficiente do mercado. O sonho da utopia do mercado livre está sustentado pela crença de que intervenções progressistas, como regulamentações ambientais ou trabalhistas, ou ainda uma tributação justa para garantir uma economia social estável, são obstáculos ao funcionamento natural do mercado. Em uma visão conservadora, as políticas de bem-estar, os sindicatos e os impostos elevados são intervenções artificiais que distorcem o "ordem natural", enquanto as medidas que favorecem os interesses do capital, como as leis de falências, os portos e estradas subsidiados e a legislação sobre contratos, são vistas como elementos essenciais para o funcionamento do mercado livre.

Essas ideias ecoam a visão do século XIX que o economista Karl Polanyi discutiu em A Grande Transformação, quando afirmou que o "laissez-faire" (ainda que frequentemente promovido como uma "não-intervenção" natural do mercado) na verdade é uma forma de planejamento social. O mercado livre, ao contrário do que defendem muitos conservadores, não é um fenômeno espontâneo. Ele é, sim, moldado por uma série de políticas públicas que favorecem a acumulação de riqueza por uma minoria, ao mesmo tempo em que despojam a grande maioria da população de seus direitos e recursos. Polanyi chamou atenção para a hipocrisia dessa visão, observando que o mercado "natural" é sustentado por um conjunto de medidas jurídicas planejadas para garantir o funcionamento do capitalismo.

Hoje, o declínio urbano é frequentemente explicado por forças econômicas globais "naturais", como a desindustrialização e a globalização. Essas explicações sugerem que cidades como Detroit, Cleveland e Gary foram simplesmente vítimas de um processo econômico imutável. No entanto, essa visão ignora o fato de que essas cidades foram, na verdade, alvos de um processo intencional de privação. O que muitos explicam como a "desindustrialização inevitável" foi, em grande parte, uma escolha política que visava a fuga de capitais e populações brancas para outras áreas, desmantelando as economias locais e deixando as comunidades mais pobres, geralmente de minorias, para enfrentar as consequências. A retirada de capital e pessoas não foi um fenômeno casual ou natural, mas uma decisão estratégica com profundas implicações para a estrutura urbana e social dessas cidades.

O conceito de "neoliberalismo", conforme discutido por Peck e Tickell em Neoliberalizing Space, oferece uma maneira útil de entender como o declínio urbano é planejado dentro de uma agenda conservadora mais ampla. De acordo com os autores, o neoliberalismo atua de duas formas: primeiro, desfazendo os avanços sociais e econômicos estabelecidos durante o período Keynesiano, como cortes em impostos e programas sociais. Segundo, introduzindo novas medidas jurídicas que dificultam a implementação de alternativas progressistas, como limites constitucionais para aumentos de impostos sobre propriedade. Essa abordagem tem sido aplicada de forma sistemática nas cidades, com a eliminação de políticas de habitação justa, ação afirmativa e medidas de dessegregação escolar. Em paralelo, políticas públicas que restringem as práticas de proprietários ausentes e de grandes proprietários de imóveis foram afrouxadas, e o financiamento para programas de bem-estar social foi drasticamente reduzido.

Essa dinâmica não é apenas uma questão de políticas públicas sendo implementadas de forma técnica, mas de um movimento político mais amplo, cujo objetivo é alterar a estrutura social das cidades de forma a concentrar poder e riqueza nas mãos de uma pequena elite. Por trás do que muitos percebem como uma "falência" de áreas urbanas, há um conjunto de decisões políticas e econômicas planejadas para desestruturar as economias locais e despojar as classes mais baixas de seu acesso à cidade e seus recursos.

O planejamento do declínio urbano, portanto, deve ser entendido não apenas como um resultado de forças globais, mas como o produto de escolhas políticas e econômicas que buscam preservar e aumentar o poder de uma minoria. Os danos causados por essas políticas são profundos e duradouros, afetando não só as economias locais, mas também as vidas dos habitantes das cidades, especialmente os mais vulneráveis. Entender essa dinâmica é crucial para quem busca não apenas compreender as causas do declínio urbano, mas também agir para reverter essas políticas e reconstruir um espaço urbano mais inclusivo e justo.

Como o Racismo Laissez-Faire Forma a Política Conservadora e a Estrutura Social

A aplicação desigual da empatia na política moderna revela muito sobre a dinâmica racial contemporânea. Quando não se menciona explicitamente a questão racial, muitos legisladores conservadores insistem que suas políticas não têm natureza racista. Essa mesma dinâmica pode ser observada em áreas como a supressão do voto e o encarceramento. Políticas que afetam desproporcionalmente as populações negras são frequentemente justificadas com argumentos que nada têm a ver com raça, mas que, ao serem acompanhados de explicações alternativas, bastam para convencer outros conservadores de que suas ações não são motivadas por animosidade racial.

Um método comum dentro do racismo laissez-faire é a invocação de uma aparente preocupação com as vítimas dessas políticas. Conservadores, por exemplo, argumentam que programas de privação na verdade beneficiarão os negros (mesmo quando está claro que isso não ocorrerá). A combinação de privação, encarceramento, demolição e "redução de direitos" é frequentemente apresentada com a justificativa de que essas medidas melhorarão as condições de vida das populações afetadas. Muitas vezes, os defensores dessas políticas utilizam meias-verdades, distorcendo ou selecionando informações para apoiar um resultado conservador. Elizabeth Hinton e outros teóricos chamam esse processo de "escuta seletiva".

A escalada do encarceramento é justificada com o argumento de que os moradores negros desejam bairros mais seguros, ignorando o fato de que a maioria desses moradores deseja mais proteção policial combinada com programas sociais e melhores oportunidades de emprego, que são escassos. Preocupações legítimas sobre casas vazias em comunidades negras resultam em ações de despejo massivo, mesmo quando a maioria dos moradores preferiria ver o desenvolvimento dessas áreas. Em outras palavras, políticas que pioram as condições ou têm impactos desiguais são frequentemente justificadas com base em interpretações de má-fé das preocupações das comunidades negras. Desde que a legislação ou a política evite uma linguagem ou justificativa explicitamente racista, ela é suficiente para convencer muitos brancos em busca de confirmação de que seu apoio a essas políticas não tem motivação racial.

A teoria do racismo laissez-faire, conforme apresentada por Bobo e outros, vê o surgimento dessa ideologia como algo relativamente orgânico, sem uma conspiração ou organização consciente. Os brancos, assim como qualquer outro grupo, são sociais, conscientes de sua posição e buscam maximizar essa posição dentro da sociedade. O racismo laissez-faire, então, seria apenas a narrativa que surgiu para justificar esses impulsos. No entanto, esta visão é contestada neste livro, pois entende-se que o animus racial não é aleatório, orgânico ou sem uma organização consciente. Na realidade, o movimento conservador tem usado o racismo laissez-faire de maneira deliberada, organizada e extremamente eficaz para implementar uma série de políticas de privação.

O movimento conservador tem se mostrado um agente chave na disseminação e implementação dessas políticas, não apenas por influenciar decisões políticas, mas também por organizar e fortalecer essas ideias dentro da sociedade. A ascensão do neoliberalismo, como parte do movimento conservador, reflete um esforço contínuo para diminuir o estado de bem-estar social e reduzir a regulação econômica, ao mesmo tempo em que se promove a liberdade de mercado e baixos impostos. Essas políticas são justificadas com gestos vagos em direção à liberdade e, por vezes, com referências explícitas aos ideólogos neoliberais como Hayek, Friedman e Rand. No entanto, mesmo essas ideias neoliberais, que parecem dominar o cenário político, são frequentemente impopulares e necessitam de justificação e manipulação para serem aceitas pela maioria.

O neoliberalismo, ao ser uma filosofia política que defende a austeridade, o livre comércio e a baixa tributação, enfrenta grande resistência, mesmo entre os próprios políticos que o defendem. Muitos conservadores, por exemplo, sabem que a austeridade e os cortes sociais são impopulares, mas tentam camuflar essas políticas em promessas mais atraentes, como intervenções militares ou debates sobre direitos como o aborto e o casamento gay. O sucesso do neoliberalismo não se dá apenas pela força das suas ideias, mas pela forma como se conecta com outras correntes conservadoras, como o medo da perda de privilégios econômicos e sociais, que mobiliza grandes parcelas da população.

Essa reação conservadora, em grande parte, é uma resposta ao que é visto como uma perda de poder ou privilégio. A nostalgia por um "passado melhor", onde a ordem social era mais clara e os privilégios mais bem estabelecidos, é uma força central por trás do conservadorismo. A política conservadora tem se estruturado como uma narrativa de perda — de uma época em que as normas sociais e econômicas favoreciam certos grupos, particularmente brancos, e que agora se vêem ameaçados por mudanças sociais, culturais e raciais. Isso explica o ressurgimento de movimentos como a oposição à integração racial e ao New Deal, bem como a resistência a políticas públicas que promovem igualdade de direitos para grupos marginalizados.

As políticas neoliberais e conservadoras, ao mesmo tempo que se apresentam como soluções para um problema de ordem social ou econômica, muitas vezes mascaram intenções mais profundas de manutenção do poder e da desigualdade. Quando analisadas sob a ótica do racismo laissez-faire, essas políticas revelam um padrão de justificação que não apenas nega sua base racial, mas também reforça a desigualdade de uma maneira disfarçada e difícil de contestar.