Lenin, em suas reflexões sobre a relação entre arte e política, abordava frequentemente a distinção entre o que ele via como um "artista tradicional" e o "artista revolucionário". Quando se referia a figuras como Chaliapin, ele claramente colocava o artista como alguém à parte das questões políticas, definindo-o como "um artista e nada mais". Chaliapin, com suas ações de subordinação ao czar, não deveria ser julgado com base em critérios políticos, uma vez que sua contribuição se limitava ao campo artístico, descomprometido com as lutas sociais ou políticas do proletariado. Em outras palavras, Chaliapin, no entendimento de Lenin, representava a arte como uma esfera distinta da política.
Porém, quando Lenin se referia a Max Gorky, a abordagem era distinta. Gorky, para Lenin, não poderia ser apenas um artista. Ele era, simultaneamente, um escritor e um político. Lenin acreditava que Gorky, por ser um autor de grande influência entre os trabalhadores, possuía um papel político intrínseco, sendo visto pelos proletários como alguém cuja arte estava irrevogavelmente ligada aos seus interesses. Esse vínculo entre a arte de Gorky e o movimento revolucionário impunha-lhe uma responsabilidade política: ele não podia se limitar à sua condição de artista. Isso se refletia na atitude de Lenin em relação a Gorky, que era marcada por uma firmeza intransigente em questões fundamentais, embora sempre reconhecendo e respeitando a particularidade do talento artístico de Gorky.
Esse tratamento que Lenin dispensava ao escritor reflete uma tentativa de conciliar o respeito pela arte com a exigência da lealdade política. A separação que Lenin estabelecia entre a arte de Chaliapin e a de Gorky não significava que ele fosse indiferente à arte, mas sim que ele via a arte como parte integrante da luta política. A arte não era algo despolitizado ou neutro em sua visão, pois ela deveria ser um veículo para as ideologias revolucionárias e o fortalecimento do proletariado.
No entanto, essa postura de Lenin não se limitava apenas ao domínio da literatura. Ela também se aplicava à sua relação com outros artistas e pensadores que, mesmo sendo amigos ou aliados do movimento socialista, muitas vezes apresentavam visões e comportamentos que não correspondiam às expectativas políticas do momento. Em relação a poetas como Heine, Marx também demonstrou uma combinação de paciência e exigência, reconhecendo o valor artístico, mas sem jamais abrir mão de sua postura política. Quando Heine aceitou subsídios do governo francês ou quando o poeta se afastou do movimento socialista, Marx, apesar de sua admiração, não hesitou em corrigir os desvios que considerava incompatíveis com a causa proletária.
Essa complexidade nas relações entre arte e política, e a constante busca de um equilíbrio entre os interesses artísticos e os políticos, era uma característica fundamental do pensamento de Lenin. O que ele defendia era a compreensão de que a arte, para ser verdadeira e revolucionária, deveria estar a serviço da luta política. Assim como Marx e Engels, Lenin acreditava que não havia uma oposição irreconciliável entre arte e política, mas uma relação dialética que deveria ser constantemente trabalhada. O papel do político, nesse contexto, não era apenas combater a arte dissidente, mas orientar, influenciar e, quando necessário, corrigir a arte para garantir que ela permanecesse alinhada aos ideais da revolução.
A relação entre arte e política nunca foi simples, mas o que Lenin e os outros líderes revolucionários reconheciam era que essa dialética era essencial para o desenvolvimento da revolução socialista. Eles não viam as contradições entre o político e o artista como algo imutável, mas como uma dinâmica a ser constantemente resolvida e adaptada. Assim, a arte deveria ser guiada pela revolução, mas também era um espaço em que a luta de ideias e a tensão entre diferentes forças sociais e políticas podiam se manifestar de forma complexa e profunda.
O Princípio Heróico na Literatura e a Influência da Tradição Popular
A análise do conceito de heroísmo, especialmente em suas manifestações na literatura, revela um campo vasto e multifacetado de reflexão estética e ideológica. No estudo do erudito búlgaro Boris Mikhalkov, a compreensão do heroísmo na literatura é abordada como uma categoria estética complexa, enraizada tanto nas tradições populares quanto nas inovações artísticas. Em seu livro O Sentimento Estético da Classe Vencedora, Mikhalkov investiga como o heroísmo se articula como o principal elemento de estrutura de uma obra literária, sendo a dominância de um princípio que organiza um sistema de significados estéticos e ideológicos.
A abordagem de Mikhalkov vai além do simples tratamento de figuras heroicas como símbolos; ele propõe uma análise das camadas ideológicas e estéticas que o heroísmo carrega, desde os cantos populares da Bulgária até as obras da literatura clássica. O autor não se limita a uma visão simplista das tradições heróicas como um mero conjunto de clichês ou fórmulas fixas. Ao contrário, ele as considera como um patrimônio vivo, em constante transformação, impulsionado por um dinamismo dialético que reflete as mudanças e os avanços sociais e políticos.
Em suas reflexões sobre a literatura clássica búlgara, Mikhalkov destaca o papel fundamental dos poetas revolucionários, como Ivan Vazov, no desenvolvimento da imagem do herói, particularmente o herói patriótico, que se torna o símbolo da luta pela liberdade nacional e social. O autor sugere que a força de tais figuras literárias, como o personagem Boicho Ognvanov de Vazov, deriva da expressão de um anseio profundo e coletivo do povo por um herói que personifique a luta e a resistência, alinhando-se às aspirações de liberdade e justiça social que marcam a história da Bulgária.
A ligação entre o heroísmo e o povo é uma das principais ideias exploradas por Mikhalkov. Ele argumenta que a concepção de herói do povo búlgaro tradicionalmente reflete figuras que são mais do que simples vítimas das circunstâncias. Ao contrário, o herói popular é um agente ativo, um mestre da vida, alguém que se opõe às forças opressivas e que se destaca pela coragem e pela nobreza moral. O herói, nesse sentido, é moldado por uma estética popular que, longe de ser estática, está sempre se renovando, refletindo as mudanças e as tensões sociais.
A obra de Mikhalkov revela, então, uma visão do heroísmo como uma qualidade que não é dada ou inata, mas que se reinventa constantemente nas tradições culturais e nas expressões literárias. Não se trata de um traço fixo de uma identidade nacional ou de um caráter imutável, mas sim de um princípio dinâmico que é continuamente reinterpretado. Nesse contexto, o heroísmo não é apenas um reflexo das qualidades do indivíduo, mas também uma representação das lutas sociais e das contradições de uma determinada época.
Ao abordar o heroísmo como uma categoria estética, Mikhalkov também nos convida a refletir sobre as interações entre as tendências conservadoras e progressistas na literatura. As tradições heróicas populares não são isentas de complexidade. Elas coexistem com elementos mais sofisticados e refinados da literatura, como os da estética modernista, mas sempre com um caráter renovador. Mikhalkov, portanto, defende uma leitura crítica dessas tradições, não como algo imutável ou antiquado, mas como um campo fértil de reinvenção e resistência.
A análise do heroísmo, como traço do caráter nacional, não se restringe a uma simples leitura de figuras heroicas em obras literárias, mas é um convite a explorar a tensão entre o velho e o novo, o conservador e o progressista, dentro da cultura e da história de um povo. A compreensão do heroísmo, assim, exige um exame profundo das relações entre arte, política e a experiência vivida das pessoas.
Quando se fala do heroísmo como parte do caráter nacional, é importante perceber que esse conceito não é uma abstração. Ele se materializa nas obras artísticas, nos textos literários criados por indivíduos que, através de sua visão pessoal e estética, traduzem em palavras as forças sociais e históricas que moldam o momento. Isso implica que a análise do heroísmo deve ser entendida como um processo de mediação entre o autor e a realidade histórica e social que ele descreve.
É fundamental, portanto, que ao abordar o heroísmo na literatura, não se perca de vista o caráter dinâmico e a transformação constante das figuras heroicas, que são tanto reflexo das aspirações populares quanto do contexto político e social em que se inserem. A literatura não é apenas um reflexo do passado, mas também uma ferramenta de renovação e afirmação de ideais, uma arena onde o heroísmo é constantemente reescrito, de acordo com as lutas e os desafios do presente.

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