A sociedade moderna está em constante transformação, com uma explosão de sistemas sociais que se subdividem em múltiplos sub-sistemas, e assim sucessivamente, criando uma complexidade quase infinita. No entanto, ao mesmo tempo, é necessário entender que qualquer análise que se queira realizar sobre esse processo deve partir de uma base sólida. Esta base, para o autor deste texto, é a teoria da identidade social, que, embora um ramo específico da psicologia social, fornece as ferramentas necessárias para compreender os movimentos reacionários que ganham força nas sociedades contemporâneas.

É importante, primeiro, destacar que a teoria da identidade social não oferece uma explicação simplista dos comportamentos humanos. Ela vai além de tentar entender as ações de indivíduos unicamente com base em suas personalidades ou habilidades. De acordo com essa abordagem, o comportamento humano deve ser visto como o resultado de uma troca contínua entre o indivíduo e o seu ambiente social, que por sua vez molda tanto a percepção que ele tem de si mesmo quanto suas ações no mundo. Isso significa que os populistas e fundamentalistas não são simplesmente pessoas “estúpidas”, “agressivas” ou “arrogantes” – como frequentemente se atribui a esses grupos – nem são vítimas passivas de um ambiente controlado por líderes carismáticos. A adesão a esses movimentos resulta de uma complexa interação entre fatores psicológicos e sociais.

A teoria da identidade social nos ensina que a identidade de um grupo se constrói na relação com os outros, especialmente em relação aos “outros” externos. Isso implica que os movimentos populistas ou fundamentalistas não surgem isoladamente, mas como uma reação a sistemas sociais mais amplos que são percebidos como injustos ou falidos. O que impulsiona essas reações não é um único fator psicológico ou circunstancial, mas uma série de dinâmicas complexas que envolvem a percepção de ameaças existenciais, perda de controle e um desejo de retorno a uma era percebida como mais pura ou idealizada.

Dentro do campo das ciências sociais, é fundamental entender que a nossa perspectiva não pode ser isolada da realidade social que tentamos explicar. Ao contrário das ciências naturais, que podem se dar ao luxo de analisar uma amostra fora do seu contexto real, os cientistas sociais devem manter uma consciência constante de como suas próprias visões, valores e crenças influenciam suas análises. Nesse sentido, o autor admite que sua própria formação acadêmica e experiência pessoal dentro dos sistemas religiosos e políticos o posiciona de uma maneira particular. Esse viés, no entanto, não invalida sua análise, mas serve para esclarecer aos leitores as limitações e os contextos de sua interpretação.

A crise da modernidade, portanto, não pode ser dissociada de suas múltiplas respostas reacionárias. Movimentos como o populismo e o fundamentalismo, embora muitas vezes vistos como anacrônicos ou excessivamente agressivos, devem ser compreendidos dentro de um contexto global de desilusão com as instituições modernas. O autor destaca que a academia e as instituições sociais têm a responsabilidade de compreender essas reações de forma profunda, sem desmerecer suas causas e sem recorrer a julgamentos simplistas. Por mais que a reação a essas crises de modernidade seja uma parte vital da dinâmica social, é também uma chamada para a reforma radical e, em certos casos, até para a destruição de instituições que não estão funcionando como deveriam.

Além disso, é necessário reconhecer que essas reações não surgem apenas de um ponto de vista político ou religioso, mas de um sistema social global cada vez mais fragmentado. A comunicação entre os diferentes sub-sistemas sociais é vital para a sobrevivência de todo o sistema global. A teoria da identidade social, portanto, oferece um quadro através do qual podemos entender como diferentes sistemas – religiosos, políticos, econômicos e culturais – interagem e se influenciam mutuamente, muitas vezes gerando tensões que se traduzem em movimentos de resistência.

Esse entendimento deve, ao mesmo tempo, nos levar a uma reflexão crítica sobre o papel das instituições acadêmicas e científicas. Os acadêmicos têm um papel duplo: por um lado, devem proteger e melhorar as instituições que os sustentam, e por outro, precisam questionar e, quando necessário, reformá-las. A radicalização das reações sociais pode ser um reflexo da falência dessas mesmas instituições, que não têm conseguido atender às necessidades de suas sociedades. Portanto, ao refletir sobre movimentos populistas e fundamentalistas, é essencial compreender que essas reações muitas vezes são alimentadas pela falha dos sistemas que deveriam proteger os indivíduos e os grupos.

Ainda mais importante é entender que o respeito pela dignidade humana e pela diversidade é fundamental ao se analisar esses fenômenos. Em um mundo globalizado e interconectado, onde a comunicação transcende fronteiras, devemos adotar uma postura que favoreça a compreensão mútua, ao invés da condenação simplista e do desprezo pela diferença. Essa é uma tarefa difícil, pois envolve não apenas analisar o comportamento dos outros, mas também refletir sobre as próprias limitações e pressupostos.

O autor faz um apelo para que o leitor vá além da análise superficial dos fenômenos sociais e busque uma compreensão mais profunda das motivações que estão por trás dos movimentos reacionários. A teoria da identidade social, com sua ênfase nas interações sociais e no papel fundamental da construção da identidade coletiva, oferece uma lente valiosa para esse tipo de análise. No entanto, deve-se sempre lembrar que essas reações não são fenômenos isolados, mas fazem parte de um processo global de mudança e adaptação social, com suas tensões e seus desafios.

Como a Modernidade Alimenta o Populismo e o Fundamentalismo: Uma Resposta à Crise Social

Os valores sociais contemporâneos surgiram como resultado da desindustrialização das sociedades modernas e da ampliação da disponibilidade de educação, processos que se intensificaram nas últimas duas gerações. Com isso, as atitudes gerais têm se tornado mais liberais, principalmente no que diz respeito aos grupos minoritários. No Reino Unido, por exemplo, a maior mudança observada ao longo de mais de trinta anos de pesquisa sobre atitudes sociais foi o aumento significativo da aceitação de pessoas LGBT. No entanto, essa revolução cultural também gerou uma reação hostil por parte de muitos, especialmente entre categorias demográficas como os mais velhos e aqueles com menos escolaridade formal, que são mais propensos a votar em partidos populistas e apoiar suas políticas em relação à imigração. Enquanto seus filhos e netos se tornaram cidadãos globais, cosmopolitas, essas gerações mais velhas permanecem firmemente nacionalistas e locais. Por outro lado, os fundamentalistas, com sua visão moral rígida e zelosa pelo purismo, veem suas crenças cada vez mais ameaçadas por essas investidas seculares. Muitos deles se engajam em campanhas focadas em questões "morais", como a oposição ao casamento igualitário ou a defesa da terapia de conversão — um procedimento considerado para "curar" pessoas LGBT.

Além disso, eventos recentes, particularmente de natureza econômica, oferecem explicações adicionais para a popularidade crescente do populismo. A recessão da segunda década do século XXI, por exemplo, gerou um regime de austeridade que, ao aprofundar as dificuldades sociais, evidenciou ainda mais as falhas de um mercado liberal desregulado que beneficia principalmente os mais ricos. A constatação de que tanto os pobres e deficientes quanto as classes médias sofrem as consequências de tais políticas, enquanto os mais ricos continuam a enriquecer, tem sido o suficiente para levar muitos para os braços de líderes populistas como Donald Trump ou Nigel Farage. O populismo, portanto, está longe de ser um fenômeno unicamente político ou econômico, mas também está intimamente relacionado a uma transformação nas formas de comunicação e interação social.

Tanto os populistas quanto os fundamentalistas rejeitam as autoridades políticas e religiosas tradicionais, sentindo-se livres para agir de maneira provocativa, transgressora e muitas vezes rude. A comunicação tornou-se direta, sem mediação, como no caso dos tuítes de Trump, que falam diretamente ao "povo americano" com uma linguagem agressiva e informal, bypassando os meios de comunicação convencionais, considerados como "fake news". Do outro lado, os fundamentalistas demonstram em suas ações e ensinamentos, como o homofóbico e misógino, o que entendem por "pecado". O uso de uma comunicação direta reflete a dinâmica de um movimento que se distanciou das normas convencionais de interação e debate, buscando estabelecer uma relação imediata com seus seguidores.

A análise do populismo e do fundamentalismo, portanto, precisa ir além do entendimento superficial de seus conteúdos ideológicos. A questão mais importante talvez seja como os indivíduos se tornam populistas ou fundamentalistas e como seu apoio é sustentado e mobilizado. A psicologia social oferece teorias poderosas para compreender os processos dinâmicos de influência e identificação, essenciais para a interação entre os indivíduos e o ambiente social em que vivem. Esses movimentos são, antes de tudo, movimentos reativos, que buscam alterar ou inverter instituições sociais modernas que falham em atender aos seus ideais. Para isso, precisam empregar esses processos sociais de maneira eficaz.

Mas o que exatamente está sendo reagido? Embora o contexto atual de crise da modernidade seja uma causa imediata, é importante entender que tanto o populismo quanto o fundamentalismo têm suas raízes em uma rejeição mais ampla à modernidade. Eles não são fenômenos novos, mas surgem em resposta ao processo contínuo de diferenciação social, que caracteriza a sociedade moderna. A sociedade moderna é marcada pela crescente especialização e separação de suas várias esferas funcionais — governo, ciência, religião, arte, mídia, entre outras. Cada um desses sistemas possui seus próprios objetivos, valores e linguagens. A crescente complexidade social exige que os cidadãos se tornem cada vez mais especializados, enquanto as funções de mediação entre esses sistemas aumentam. Para que a sociedade funcione de maneira eficaz, é necessário um grau de integração entre esses sistemas, algo que muitas vezes falta.

Nesse contexto, a confiança nas instituições de mediação, como a ciência, a mídia e os governos, torna-se essencial. A falta de entendimento sobre esses sistemas, somada à complexidade crescente da sociedade, leva a um fenômeno em que a confiança, muitas vezes, substitui a compreensão. A consequência é uma polarização crescente, onde movimentos como o populismo e o fundamentalismo prosperam, pois exploram essa desconfiança e aproveitam-se da falta de compreensão para promover suas agendas.

Por fim, é essencial que o leitor compreenda que o populismo e o fundamentalismo não surgem de um vácuo. Eles são respostas estruturais a uma modernidade que, longe de ser universal e homogênea, tem gerado uma sociedade mais complexa e desigual. A crise que estamos vivendo, marcada por disfunções econômicas, políticas e sociais, não é apenas uma crise do momento, mas uma crise prolongada que resulta da própria dinâmica de nossa evolução social. A sociedade precisa, portanto, encontrar novas formas de integrar e compreender a complexidade de suas várias partes para evitar que movimentos reativos como o populismo e o fundamentalismo se fortaleçam ainda mais.