Quando Martha e AshBot visitam o Lover’s Leap, ela se encontra presa em uma situação angustiante, sem conseguir forçar AshBot a pular, mas também sem poder viver com ele. Em certo sentido, ela não sabe se ele ainda é a mesma pessoa; em outro nível, ela questiona se ele é realmente uma pessoa. Ou talvez, mais provavelmente, ela sinta simpatia por esse outro ser, porque ele é tão similar a Ash. Este dilema sugere um paradoxo fundamental: uma vez que se forma um "nós" com uma pessoa específica, é impossível abandonar essa conexão, não importa as mudanças que o parceiro possa sofrer. No entanto, quando se trata de um relacionamento abusivo, a separação parece ser a escolha mais apropriada, e a morte parece destruir esse "nós".
É um clichê afirmar que as pessoas podem se apaixonar ou se afastar com o tempo, e isso, de certo modo, está relacionado às mudanças nas propriedades das pessoas envolvidas. Contudo, isso não significa que um parceiro possa ser substituído por outro apenas por conta de atributos "superiores". Trocar de parceiro ainda é um ato irracional, pois o amor é uma ligação emocional profunda, que nos prende às características daquele indivíduo. Não devemos deixar um relacionamento em busca de alguém com traços mais desejáveis. No entanto, algumas transformações no ser amado podem minar a integridade e a estrutura do "nós", levando, eventualmente, à queda do amor.
Ainda assim, grandes amores frequentemente resistem às mais profundas mudanças físicas e psicológicas de seus parceiros. Quando Ash morre, Martha ainda se encontra apaixonada por ele. O "nós" é rompido, mas ela precisa seguir em frente. A morte de um ente querido exige luto. Quando um relacionamento chega ao fim, é necessário seguir adiante. Através da transformação dos hábitos, emoções, caráter, autonomia e convenções, a pessoa se desconecta e se reconstrói; somente então é possível formar um novo "nós".
AshBot+ apresenta uma situação única: ele é tão similar a Ash que não pode ser tratado como um novo amante, mas também não é capaz de substituir Ash. Nesse cenário, o verdadeiro dilema moral surge, onde o "nós" não pode ser refeito, mesmo diante de uma réplica quase perfeita do ser amado. Esse "outro" ser, apesar de sua similaridade, não pode ocupar o lugar da verdadeira pessoa perdida.
Ao contrário da abordagem de AshBot, que ao ser uma cópia artificial não preenche o vazio da perda, a mãe de Ash lida com a perda de seu filho de maneira radicalmente diferente: ela simplesmente apaga as lembranças, escondendo fotos e recordações no sótão, como se os eventos reais e os laços familiares nunca tivessem existido. Martha, por outro lado, se apega a um espectro, uma fantasmagoria de Ash, como se ele ainda estivesse presente. Ambas as abordagens — a negação e o apego ao fantasma do passado — obscurecem a realidade da perda. No entanto, o que precisa ser compreendido é que a relação perdida e sua ausência devem ser aceitas. Somente ao aceitar a ausência, o "nós" pode ser desconstruído e reparado, permitindo que se avance e, eventualmente, se crie um novo vínculo.
Essas dinâmicas não se limitam ao campo das relações românticas, mas refletem como lidamos com todas as formas de perda em nossas vidas, sejam elas emocionais, físicas ou até mesmo espirituais. A perda não deve ser tratada como algo que pode ser corrigido ou substituído por algo similar, pois a verdadeira reconciliação vem da aceitação da impermanência e do luto que cada perda exige.
Os Personagens Não Jogáveis e as Implicações Éticas em Realidade Virtual
Em um mundo cada vez mais imersivo e realista, como o oferecido pelos jogos de realidade virtual, surgem questões complexas sobre os impactos dessas experiências na nossa moralidade e comportamento. A série USS Callister, de Black Mirror, é um exemplo intrigante de como a tecnologia pode, de maneira ficcional, levantar dilemas éticos sobre o tratamento de personagens não jogáveis (NPCs) e, mais amplamente, sobre as nossas ações em mundos virtuais. No episódio, Robert Daly, o protagonista, usa um jogo de realidade virtual para criar cópias digitais de seus colegas, tratando-os com brutalidade. Embora os NPCs não possuam consciência no sentido humano, suas representações digitais refletem a questão de até que ponto nossas ações em mundos virtuais podem afetar a nossa ética no mundo real.
A grande pergunta que se coloca é: se tratarmos NPCs com desdém ou crueldade, estaremos, de alguma forma, moldando nosso comportamento para o pior? Daly, o vilão do episódio, demonstra que é possível que a forma como ele interage com esses personagens virtuais – que, de alguma forma, possuem semblantes de humanos – afete sua própria natureza e desenvolva nele hábitos imorais. Este é um ponto crucial: como nossas interações com esses personagens podem se refletir em nosso comportamento fora do jogo, especialmente à medida que os mundos virtuais se tornam cada vez mais imersivos?
A analogia com jogos como The Sims é interessante, pois questiona até que ponto a nossa intenção ao manipular os personagens afeta a moralidade de nossas ações. Em um cenário simples, como dar a ordem para um Sim nadar até a morte, a intenção do jogador importa. Se o objetivo é explorar a mecânica do jogo de forma divertida e sem malícia, pode-se argumentar que não há problema moral. No entanto, se o jogador sente prazer no sofrimento do personagem, a situação muda. Essa distinção é fundamental para entender o impacto dos jogos na formação do caráter. Embora muitas pessoas joguem Mortal Kombat ou outros jogos violentos sem que isso afete sua ética no mundo real, a diferença crucial está na conexão emocional com a violência representada. Em Mortal Kombat, a violência é, em grande parte, desconectada da realidade; é uma fantasia distante. No entanto, no caso de USS Callister, a violência parece muito mais real e pessoal, o que pode ter implicações profundas sobre a moralidade do jogador.
Por outro lado, é importante compreender que os jogos não devem ser vistos como inerentemente problemáticos. Jogos, como qualquer outra forma de mídia, podem oferecer experiências tanto positivas quanto negativas, dependendo de como são usados. Em muitos casos, os jogos são uma oportunidade para a educação moral e o desenvolvimento de virtudes. Ao criar ambientes imersivos, eles têm o potencial de ensinar cooperação, empatia e outras virtudes, desde que os jogadores se comprometam com esses valores. No entanto, a linha tênue entre uso saudável e abuso dos jogos precisa ser cuidadosamente analisada, pois os ambientes virtuais podem facilmente se tornar um espaço onde atitudes destrutivas e antiéticas são reforçadas.
Ao refletirmos sobre o impacto dos jogos, uma coisa se torna clara: a responsabilidade recai sobre os jogadores. A ação moral em um mundo virtual não é simplesmente uma consequência das mecânicas do jogo, mas das intenções e escolhas do jogador. A medida em que a tecnologia de jogos avança e se torna mais sofisticada, será necessário mais discernimento sobre como essas experiências moldam os indivíduos. Assim como USS Callister levanta questões sobre como lidamos com NPCs e o que isso diz sobre nossa humanidade, é fundamental que os jogadores estejam cientes de como suas interações em jogos podem refletir e até moldar suas atitudes no mundo real.
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A vingança é realmente justa? Reflexões sobre o perdão e o ódio
O conceito de vingança, especialmente quando se trata de situações extremas e imorais, como a tortura digital retratada no episódio "Black Museum", levanta questões profundas sobre a moralidade e a justiça. No contexto da série, Nish, movida por um desejo de vingança, busca retribuir a dor que seu pai sofreu ao ser forçado a reviver sua execução repetidamente, em uma espécie de exibição sadomasoquista. Ela, então, envenena Rolo, o responsável pelo sofrimento de seu pai, e o submete a uma experiência semelhante, tornando-o uma vítima de sua própria invenção cruel. A questão que se coloca diante do espectador é: a vingança de Nish é justificada? A dor que ela inflige a Rolo faz justiça ao sofrimento de seu pai? Ou, ao contrário, ela apenas perpetua um ciclo de sofrimento, sem trazer verdadeira reparação?
Ao examinar esse cenário, é fundamental refletir sobre as implicações filosóficas do ódio e da vingança, questões que foram profundamente discutidas por filósofos contemporâneos, como Martha Nussbaum. A autora, em seu livro Anger and Forgiveness, argumenta que, embora a raiva e o desejo de vingança sejam respostas naturais ao sofrimento, elas são moralmente problemáticas. De acordo com Nussbaum, a vingança está intrinsecamente ligada a duas falhas morais: o prazer sádico de ver alguém sofrer e a irracionalidade da ação. A vingança não apenas fere o outro, mas também coloca quem a exerce no mesmo nível de crueldade do ofensor, criando uma espiral de dor e sofrimento.
Em uma sociedade civilizada, a punição deve ser atribuída pelo Estado, não pelo indivíduo, pois é o Estado que pode garantir que a punição seja apropriada e justa, além de permitir que a pessoa que sofreu a injustiça se concentre em reconstruir sua vida. Nussbaum sugere que, ao invés de buscar vingança, a pessoa que sofreu a injustiça deveria canalizar sua raiva de maneira construtiva, direcionando sua energia para ações positivas, como levantar uma campanha pública ou trabalhar em prol de mudanças legais que impeçam que a mesma injustiça se repita.
Mas o que seria uma resposta moralmente mais adequada à raiva e ao sofrimento, se não a vingança? Nussbaum propõe três formas de perdão, cada uma com diferentes implicações morais. A primeira é o perdão transacional, em que a vítima exige que o agressor cumpra determinadas condições antes de conceder perdão, como um pedido de desculpas sincero. No entanto, esse tipo de perdão está frequentemente ligado à ideia de retaliação ou punição, o que o torna eticamente problemático. A busca por perdão condicionado pode ser uma forma de sadismo moral, em que a vítima utiliza o perdão como uma moeda de troca, esperando que o agressor sofra de alguma maneira.
A segunda forma de perdão é o perdão incondicional, que não exige nada do agressor. Nesse modelo, a vítima, embora ainda sinta raiva, se esforça para superar esse sentimento e tratar o agressor com dignidade e humanidade. No caso de Nish, isso significaria abandonar sua sede de vingança e agir de maneira a proteger outros, sem, no entanto, continuar a alimentar seu ódio por Rolo. Embora seja difícil imaginar alguém que tenha sofrido uma perda tão grande adotando esse tipo de perdão, Nussbaum acredita que essa abordagem é moralmente superior ao perdão transacional, pois permite que a vítima se liberte da raiva e da necessidade de retribuição.
Porém, o modelo mais elevado de perdão, segundo Nussbaum, é o perdão baseado no amor incondicional e na generosidade. Este tipo de perdão não envolve raiva ou ressentimento, mas sim uma atitude de aceitação e bondade, independentemente das ações do outro. A filósofa ilustra esse conceito com a parábola do filho pródigo, contada no Evangelho de Lucas. Nesse conto, um filho que havia se afastado de seu pai e desperdiçado sua herança é recebido de volta com amor incondicional, sem julgamentos ou recriminações. O pai, ao contrário de esperar um pedido de desculpas ou punição, oferece um abraço caloroso e celebra o retorno do filho. Para Nussbaum, essa atitude exemplifica a possibilidade de relações humanas que superam o ressentimento e são fundadas na compaixão e na generosidade.
No contexto de Nish, imaginar uma resposta tão generosa e amorosa ao sofrimento de seu pai pode parecer impossível, dada a intensidade da dor que ela sente. No entanto, se Nussbaum está certa, essa seria a resposta moralmente mais admirável, pois permitiria a superação do ciclo de ódio e sofrimento, promovendo, ao invés disso, a cura e a reconciliação.
Importante, portanto, é compreender que a busca por justiça não pode se confundir com a necessidade de vingança. Vingança perpetua a dor e o sofrimento, enquanto a verdadeira justiça permite a reconstrução, a cura e a restauração das relações humanas, baseadas no perdão genuíno e na transformação positiva da raiva. A vingança não corrige o mal cometido, mas o perpetua, enquanto a verdadeira justiça está em permitir que todos os envolvidos possam seguir em frente, com dignidade e humanidade.
A Moratória da Vingança: Uma Perspectiva Budista, Cristã e Filosófica sobre o Sofrimento e o Perdão
A crença nas essências e na permanência das coisas reforça a ideia de apego, levando, muitas vezes, à busca por vingança. Nish, Angelica e Clayton se veem como vítimas de Rolo, sendo ele o agente causador da dor. Esse entendimento leva-os a considerar que a vingança é justificada. Entretanto, a partir de uma perspectiva budista, a realidade se apresenta como uma rede de relações causais complexas, onde ninguém é fundamentalmente vítima ou perpetrador de injustiças. No nível mais profundo, devemos compreender a nós mesmos e aos outros não como indivíduos, mas como padrões de traços físicos e psicológicos que estão intimamente conectados com outros traços.
O Budismo, com seus ensinamentos sobre as Quatro Nobres Verdades, nos ensina que a atitude apropriada diante de todos os seres sencientes deve ser a compaixão. Isso ressoa com a visão de Nussbaum sobre o amor incondicional e com a ideia cristã de agapē, que implica no amor ao próximo sem condições. Dentro desse contexto, uma resposta compassiva não envolveria matar Rolo, nem infligir-lhe sofrimento adicional. A solução seria libertar Clayton sem causar mais dor, e, ao invés de buscar vingança, permitir o renascimento de Rolo, forçando-o a enfrentar o sofrimento da eletrificação indefinidamente.
O conceito de "Nish" e "Rolo" vai além de simples identificações pessoais. Ambos são, na essência, coleções temporárias de experiências, e essa visão sugere que não há justificativa para privilegiar um conjunto de experiências sobre o outro, ou para aumentar o sofrimento de alguém em nome da justiça. A resposta budista seria clara: Nish não está justificada em priorizar seus desejos de vingança sobre o bem-estar de Rolo, e buscar aumentar o sofrimento de outra pessoa, seja ela quem for, é uma prática contrária aos princípios éticos do Budismo.
Isso não significa, no entanto, que o castigo seja sempre injustificável. O Budismo propõe que a punição seja direcionada à redução do sofrimento (dukkha) e à promoção do bem-estar de todos os envolvidos, incluindo o próprio infrator. Em última análise, o que Rolo realmente merece é o perdão compassivo e a reabilitação, pois ele já está sofrendo e acumulando karma negativo. O sofrimento de Rolo é inevitável devido ao karma que ele gerou, mas, em vez de ser punido com vingança, ele poderia ser ajudado a superar esse ciclo.
Embora possa parecer que Nish, como filha, e Angelica, como esposa, deveriam priorizar o bem-estar de Clayton em relação ao de Rolo, as doutrinas budistas de renascimento e interdependência causal nos ensinam que deveríamos ter a mesma preocupação por um estranho ou um inimigo potencial quanto teríamos por nossos pais ou cônjuges. Em algum ponto de um ciclo de renascimento, todos os seres, de uma forma ou de outra, foram ou serão nossos parentes, cônjuges ou filhos. Portanto, expressar perdão a Rolo não é desleal para com Clayton, mas, na verdade, uma forma de transcender a visão limitada da vingança.
Apesar dos argumentos apresentados, pode-se pensar que, mesmo que a vingança não seja algo a ser louvado, ela poderia ser moralmente permissível, pois, de algum modo, ela poderia servir à justiça. David Kyle Johnson, em seu capítulo “Vingança e Misericórdia em Tarantino: A Lição de Ezequiel 25:17”, argumenta nesse sentido. Ele faz uma distinção entre retribuição e vingança, sendo que a retribuição seria uma penalidade imposta com o desejo de que o infrator compreenda a razão do castigo, enquanto a vingança é motivada pelo desejo de ver o outro sofrer, sem preocupação com a reabilitação ou outras consequências positivas. Johnson afirma que, ao ser prejudicados, temos o direito moral de buscar vingança.
No entanto, embora a proposta de Johnson apresente uma lógica plausível, a ideia de que a vingança seja justificável em nome da justiça é falha. De fato, a vingança, por ser orientada por fatores emocionais, não é justificada se não for orientada para a justiça. A justiça, segundo Nussbaum, não exige punição, mas perdão e compaixão. A visão cristã, como ensinado por Jesus, diz que devemos amar nossos inimigos e deixar espaço para a ira divina, enquanto o Budismo enfatiza a compaixão tanto pelos que sofrem quanto pelos causadores do sofrimento, pois o karma é inevitável. Assim, a vingança de Nish e Angelica não é moralmente justificada.
Na narrativa de Black Museum, parece que Nish e Angelica, ao se vingarem de Rolo, encontram satisfação, acreditando que a justiça foi feita e que Clayton finalmente deixou de sofrer. No entanto, essa conclusão feliz pode ser mais ilusória do que parece. Ao buscar vingança, elas acabam caindo na mesma armadilha dos turistas que visitam o museu e se divertem com o sofrimento de Clayton. Embora o texto não explore diretamente como o karma ruim que elas geraram se refletirá em seu sofrimento, sabemos pelas experiências de Jack e Carrie que ser ou ter um “passageiro” significa sofrer. Mesmo com a vingança realizada, é provável que Nish e Angelica se vejam presas a um ciclo de sofrimento contínuo, tanto no universo de Black Mirror quanto à luz dos ensinamentos de Nussbaum, do Cristianismo e do Budismo.
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