A promessa de um mundo transformado pelo crescimento econômico global, impulsionado por ondas tecnológicas e integração entre continentes — Ásia ascendente, América revitalizada, Europa reintegrada — parecia, nos anos 1980, não apenas possível, mas inevitável. Historiadores do futuro, imaginava-se, olhariam para o período de 1980 a 2020 como uma era dourada. Contudo, a realidade foi moldada por outra transformação, mais corrosiva e menos celebrada: a lenta degradação da confiança pública, o esfacelamento do consenso social e o nascimento de uma cultura de espetáculo centrada na dor alheia.

A queda da Doutrina da Imparcialidade da FCC em 1987 marcou um divisor de águas. A política, criada em 1949, exigia que temas controversos fossem tratados com equilíbrio pelas emissoras. Sua revogação, aplaudida por defensores da "liberdade jornalística", coincidiu com a chegada das redes de notícias 24 horas e com o surgimento de conglomerados de mídia estrangeiros, como o império de Rupert Murdoch. A televisão deixou de ser um serviço público para tornar-se um teatro permanente — e o público, atores relutantes de uma tragicomédia nacional.

Nesse novo cenário, a verdade foi desacelerada pelo ritmo incessante da cobertura. A velocidade tornou-se mais importante que a precisão; a narrativa mais rentável que o fato. O propósito da mídia deslocou-se da informação para o entretenimento. A notícia tornou-se espetáculo e o espectador, cúmplice. Programas como Cops, o julgamento de O. J. Simpson, e uma infinidade de talk shows exploravam a miséria como produto cultural. Quando o crime escasseava, a crueldade preenchia o vazio.

Na ausência de um inimigo externo após o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos voltaram-se contra si mesmos. O novo antagonista era interno: os marginalizados, os revoltados, os traumatizados. A América de Tonya Harding, Lorena Bobbitt, Anita Hill, e dos "superpredadores" adolescentes, como os Cinco do Central Park, foi arrastada ao centro da arena midiática para ser julgada publicamente. A simpatia por suas histórias não era apenas escassa — era suspeita. A empatia tornou-se uma moeda desvalorizada, um sinal de fraqueza moral.

O público consumia dor com a mesma apatia com que assistia ficção. Casos de abuso e violência doméstica eram embalados como dramas familiares. O sensacionalismo ocupava o espaço da análise, e a indignação era moldada por narrativas que reduziam indivíduos a caricaturas. As vítimas precisavam ser puras para merecer piedade; qualquer falha tornava-as cúmplices de sua própria tragédia. Nesse ambiente, cada ato de sofrimento virava um espetáculo, cada pessoa um personagem descartável.

Momentos de horror coletivo, como o atentado de Oklahoma City ou o massacre de Columbine, ofereciam breves rupturas nessa lógica, mas logo eram tratados como exceções isoladas. Seus antecedentes — como Ruby Ridge ou os primeiros tiroteios escolares — eram ignorados ou transformados em cultos marginais. A paranoia era a nova normalidade, refletida tanto em comédias niilistas quanto em dramas conspiratórios. A cultura proclamava: não confie em ninguém, porque ninguém está a salvo.

Talk shows de confrontação, como os de Jerry Springer, tornaram-se laboratórios de humilhação pública. Pessoas comuns eram incentivadas a se degradar mutuamente diante das câmeras, com aplausos do público. A televisão diurna deixou de ser espaço de confissão para tornar-se campo de batalha emocional. A obsessão nacional com escândalos sexuais e traições conjugais encontrava eco nos corredores do poder: Amy e Joey, Clarence e Anita, O.J. e Nicole, Bill e Monica. A desgraça virou espetáculo contínuo.

Na cultura emergente dos anos 1990, ser coadjuvante em uma tragédia alheia era aspiracional. Tornar-se famoso pelo sofrimento — próprio ou alheio — era uma possibilidade legítima. A linha entre vítima, voyeur e protagonista foi completamente dissolvida. A televisão premiava o comportamento grotesco, desde que lucrativo. Nesse universo, a figura de Donald Trump emergia não como exceção, mas como ícone. Seu ethos — excesso, autopromoção, desprezo pela consequência — era perfeitamente compatível com a nova era de infotainment.

O que se perdeu nesse processo foi mais do que decência. Perdeu-se a ideia de que a mídia deve servir ao público, e não o contrário. Perdeu-se a capacidade de reconhecer humanidade em quem sofre. O espetáculo da dor alheia tornou-se entretenimento nacional, e a brutalidade foi normalizada a tal ponto que deixou de chocar. A alienação foi disfarçada de liberdade, e a miséria, convertida em produto.

A lógica de espetacularização não desapareceu com os anos 1990 — apenas refinou seus métodos. A transformação midiática da época lançou as bases para a política do escândalo, a celebridade vazia e a erosão sistemática da empatia. Quem cresceu nesse ambiente aprendeu que a exposição pode ser mais valiosa do que a verdade, e que o sofrimento só importa quando pode ser monetizado. Aprendeu, sobretudo, que na América do espetáculo, até a dor precisa de audiência.

Como o Missouri se Tornou o Laboratório da Nova Direita Americana?

No início do novo milênio, o Missouri começou a perder algo essencial: sua imprensa local. A erosão sistemática dos jornais e canais de televisão independentes, principalmente fora dos grandes centros urbanos, fragilizou a capacidade da população de acompanhar e denunciar a corrupção. O vácuo informativo não foi preenchido por novas formas de jornalismo cívico, mas por canais de alcance nacional como a Fox News, cuja proposta editorial não era informar, mas moldar percepções ideológicas. A Fox ofereceu uma narrativa sedutora: no coração do país viviam os "verdadeiros americanos", brancos conservadores supostamente vítimas de uma elite liberal corrupta. Essa ficção preenchia o sentimento de abandono que crescia há décadas nas regiões rurais e suburbanas, mascarando a cumplicidade do Partido Republicano na deterioração dessas mesmas comunidades.

No contexto das eleições de 2008, a campanha de Barack Obama trouxe um sopro de esperança, especialmente em áreas urbanas racialmente diversas como St. Louis, onde bairros majoritariamente negros sentiam, pela primeira vez em muito tempo, uma conexão real com um projeto político nacional. No entanto, essa onda de otimismo colidiu com uma realidade enraizada: a estrutura racial e econômica do Missouri. Em uma noite que deveria ser histórica, muitos negros em St. Louis comemoravam a eleição de Obama, enquanto a poucos quilômetros de distância, em bares do interior, brancos expressavam racismo abertamente. Pela primeira vez desde 1956, o Missouri não votou no vencedor da eleição presidencial. Obama perdeu o estado por apenas 3.900 votos, muito possivelmente por ser negro. O impacto simbólico foi enorme: o Missouri, tradicionalmente um termômetro político nacional, rompeu sua trajetória.

O presidente eleito visitou o estado diversas vezes nos dois anos seguintes, tentando compreender por que havia perdido esse microcosmo americano. Nem ele nem os democratas locais anteciparam a força de três vetores que reconfiguravam o Missouri: a dor econômica da crise de 2008, a persistência do racismo estrutural e o crescimento de uma máquina midiática e política de extrema-direita. A crise econômica devastou não apenas as zonas urbanas, como St. Louis, mas também o cinturão agrícola e industrial do interior. Casas hipotecadas, lojas fechadas, trabalhadores demitidos. E, em meio a esse colapso, surgiram os símbolos da desesperança: casas de penhores que também vendiam armas de fogo, multiplicando-se em bairros antes economicamente estáveis.

Nesse vácuo, a extrema-direita encontrou terreno fértil. Em fevereiro de 2009, mil manifestantes se reuniram sob o Arco de St. Louis para protestar contra o governo federal, dando origem ao movimento Tea Party. A princípio focado em questões fiscais, como o déficit, o grupo rapidamente adotou uma retórica cada vez mais racista e conspiratória. Muitos dos seus líderes emergiram do próprio Missouri, como Dana Loesch, que se tornaria figura de proa da NRA. A ascensão do Tea Party não foi uma aberração: ela floresceu sobre um terreno já cultivado por décadas de conservadorismo ideológico, representado por figuras como Phyllis Schlafly. A novidade era a confluência de três forças: ressentimento racial, empobrecimento material e manipulação midiática.

Essa conjunção transformou o Missouri de um estado-pêndulo em um bastião da nova direita radicalizada. Em 2012, o estado rompeu definitivamente com sua tradição de prever o resultado das eleições presidenciais, entregando a vitória a Mitt Romney com dez pontos de vantagem sobre Obama. Foi uma derrota simbólica e estrutural. Naquele mesmo ciclo, entrou em vigor a decisão da Suprema Corte no caso Citizens United, permitindo a entrada irrestrita de dinheiro corporativo e anônimo nas campanhas políticas. O Missouri rapidamente se transformou no epicentro do chamado “dark money”, com doações ilimitadas e sem identificação. O Partido Republicano venceu em massa, consolidando seu domínio com financiamento obscuro e campanhas inflamadas por mensagens conspiratórias amplificadas por canais como a Fox News.

Mas nem mesmo o poder do dinheiro sujo era absoluto. Na mesma eleição, a senadora democrata Claire McCaskill enfrentava uma avalanche de ataques financiados por esses recursos ocultos, quando seu adversário, Todd Akin, cometeu um erro fatal. Questionado sobre o aborto em casos de estupro, Akin afirmou publicamente que em casos de “estupro legítimo” o corpo feminino “tem maneiras de evitar a gravidez”. A reação foi instantânea e intensa: mulheres republicanas, muitas delas sobreviventes de violência sexual, declararam apoio a McCaskill. Pela primeira vez em muito tempo, a decência moral sobrepôs-se à lealdade partidária. Essa vitória pontual, no entanto, não reverteu a maré conservadora que tomava conta do estado.

O caso do Missouri revela a anatomia da radicalização política em um cenário de colapso informativo e econômico. A ausência de imprensa local fortaleceu as narrativas mais simples e perigosas. A crise econômica forneceu o combustível emocional necessário para que essas ideias ganhassem tração. E o racismo estrutural — muitas vezes negado, mas raramente ausente — foi reconfigurado para se adequar às novas dinâmicas partidárias. O resultado foi a ascensão de uma nova forma de autoritarismo democrático, onde o ressentimento é politicamente rentável e a verdade, um detalhe dispensável.

A história recente do Missouri mostra que a radicalização política não é fruto de um único evento, mas de um processo de erosão lenta — de instituições, de confiança pública e