A migração, especialmente aquela que atravessa a fronteira entre os Estados Unidos e o México, tem sido uma constante em toda a história moderna de ambos os países. Durante décadas, programas como o Bracero Program, lançado no início dos anos 1940, permitiram que trabalhadores mexicanos entrassem nos Estados Unidos para preencher vagas na agricultura e em outros setores. Esse tipo de mobilidade transnacional não só moldou as economias desses dois países, mas também gerou debates sobre os impactos sociais, econômicos e políticos da migração em massa.

Os fluxos migratórios do México para os Estados Unidos são, em grande parte, motivados por disparidades econômicas entre os dois países. Na década de 1990, com a assinatura do NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), a mobilidade aumentou consideravelmente, não apenas pela busca de melhores condições de vida nos EUA, mas também pelo impacto direto das políticas comerciais. O NAFTA, ao facilitar o comércio, trouxe tanto ganhos quanto desafios para o México. Por um lado, proporcionou ao país acesso mais amplo ao mercado americano; por outro, expôs a população mexicana a novas desigualdades, em especial no setor agrícola.

Esses desafios não se limitam apenas à economia, mas afetam profundamente as relações sociais e políticas. O Bracero Program, que foi suspenso no início dos anos 1960, foi um reflexo da tentativa de resolver problemas de escassez de mão-de-obra nas áreas mais específicas da economia dos Estados Unidos, principalmente na agricultura. No entanto, sua interrupção não resultou no fim da migração, mas apenas a tornou mais clandestina. Isso gerou uma rede de trabalhadores imigrantes que, em muitos casos, ficaram fora dos sistemas de proteção social e em situações de vulnerabilidade extrema.

Nos últimos anos, a administração Trump nos Estados Unidos acentuou a retórica anti-imigração, com a proposta de construir um muro ao longo da fronteira como símbolo do desejo de reduzir os fluxos migratórios. A ideia do muro reflete a crescente polarização sobre o tema, com muitos americanos associando a migração ilegal a uma ameaça à segurança nacional e à economia local. Em contraste, a maior parte dos economistas sustenta que a imigração, ao contrário do que muitos imaginam, pode beneficiar a economia, especialmente em setores como a construção civil, onde a escassez de mão-de-obra é uma preocupação constante.

Um dos aspectos centrais para a compreensão das dinâmicas de migração e seu impacto na economia é o conceito de circular migration. Este fenômeno descreve a migração de trabalhadores que, após um período de trabalho no país de destino, retornam ao seu país de origem, onde ainda mantêm vínculos familiares e sociais. Embora esse tipo de migração ofereça uma solução temporária para a escassez de trabalhadores em setores específicos, ele também gera desafios em termos de integração e continuidade das políticas migratórias. Os trabalhadores, em muitos casos, não são considerados parte integral da sociedade do país anfitrião e permanecem em uma situação de precariedade.

O modelo de comprehensive immigration reform (CIR), frequentemente discutido nos Estados Unidos, procura oferecer uma solução mais holística para os desafios da imigração, incluindo a regulamentação do status de milhões de imigrantes indocumentados e a implementação de políticas que garantam a entrada controlada e regular de trabalhadores temporários. A migração também tem sido uma constante preocupação para o México, que precisa equilibrar os benefícios econômicos dos remanescentes de migrantes temporários e a necessidade de proteger seus próprios cidadãos dos efeitos da desigualdade interna. A questão das remessas, por exemplo, se tornou um pilar essencial para muitas famílias mexicanas que dependem do dinheiro enviado por parentes nos Estados Unidos.

Entender a interdependência dos mercados de trabalho dos dois países é crucial para qualquer discussão sobre imigração. Os Estados Unidos, com uma população envelhecida e uma taxa de natalidade baixa, precisam de imigrantes para sustentar seu crescimento econômico, especialmente em setores que demandam trabalho não especializado. O México, por sua vez, enfrenta uma situação onde a falta de empregos bem remunerados e as políticas econômicas internas frequentemente forçam seus cidadãos a procurar melhores condições de vida fora de suas fronteiras.

A crescente polarização nas discussões sobre imigração nos Estados Unidos reflete não apenas tensões políticas internas, mas também um mal-entendido generalizado sobre os benefícios econômicos da imigração. Programas como o Bracero ou o sistema de vistos H2A, que permite a entrada de trabalhadores temporários no país para atividades agrícolas, são vitais para garantir que setores essenciais da economia americana, como a agricultura e a construção civil, possam prosperar. No entanto, sem políticas claras e humanitárias, essas migrações podem gerar dificuldades tanto para os trabalhadores imigrantes quanto para as comunidades locais, criando um ciclo de dependência e, ao mesmo tempo, marginalização.

Além disso, as políticas de controle de fronteira, como as implementadas na administração Trump, têm mostrado limitações significativas. O muro proposto na fronteira mexicana, embora seja uma solução visualmente marcante, não resolve as questões estruturais da migração. Muitos imigrantes, ao invés de desistir de sua jornada, optam por caminhos mais perigosos, o que não apenas coloca suas vidas em risco, mas também sobrecarrega os sistemas de segurança e saúde pública dos Estados Unidos.

O que é crucial compreender é que a migração não é apenas uma questão de segurança ou de uma suposta ameaça à economia, mas um fenômeno intrinsecamente ligado à globalização e à interdependência econômica. Ao considerar políticas de imigração mais eficazes, é necessário pensar além das soluções simplistas e buscar uma abordagem que considere os direitos dos migrantes, as necessidades do mercado de trabalho e o impacto social de suas escolhas.

Como a Liberalização do Comércio Sob o NAFTA Impactou a Produção de Milho e a Migração Rural no México

Durante o período do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), o México vivenciou transformações significativas em sua agricultura e nas dinâmicas de migração rural. Um dos aspectos mais debatidos sobre esses efeitos é a produção de milho, um dos pilares da economia agrícola mexicana. O milho, como alimento básico, é essencial tanto na oferta quanto na demanda interna de alimentos no país, e sua relação com a liberalização do comércio tem sido associada ao aumento da migração rural para os Estados Unidos, especialmente entre os pequenos produtores.

Desde a renegociação do NAFTA e a chegada do presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO), ficou claro que as mudanças nas políticas comerciais e agrícolas impactariam tanto o México quanto os Estados Unidos. Apesar da incerteza quanto à reformulação das políticas migratórias dos EUA e às ações de AMLO em relação ao desenvolvimento rural, algumas tendências se destacam. Entre elas, a relação entre a produção agrícola, especialmente de milho, e a migração rural tem sido um tema central de análise.

Estudos apontam que, ao contrário do que se esperava, os efeitos negativos do NAFTA sobre a produção agrícola não foram tão drásticos quanto muitos previam. A produção de milho no México, por exemplo, não declinou de forma acentuada, e, em certos períodos, aumentou, contrariando algumas projeções feitas antes e durante a implementação do acordo. Isso pode ser explicado por diversos fatores, como o suporte governamental para os agricultores de grãos e as características estruturais da agricultura mexicana, que envolve tanto a produção para subsistência quanto a produção comercial. O milho, em particular, continua a ser cultivado por uma grande variedade de agricultores, pequenos e grandes, usando tecnologias distintas e enfrentando custos de transação variados.

Embora o volume da produção de milho tenha aumentado ao longo do tempo, a liberalização do comércio de grãos com os EUA trouxe implicações significativas. O aumento das importações de milho dos Estados Unidos, alimentado por subsídios governamentais que mantêm os preços americanos baixos, resultou em uma queda nos preços internos do milho, o que afetou negativamente os produtores mexicanos. Muitos agricultores, incapazes de competir com os preços mais baixos do milho importado, viram-se forçados a abandonar suas terras, o que contribuiu para o aumento da migração rural para os Estados Unidos. Esse fenômeno, embora visível, não pode ser atribuído exclusivamente ao NAFTA. A relação entre o mercado de grãos, as políticas agrícolas mexicanas e as pressões externas é complexa, e outras variáveis devem ser consideradas, como as flutuações de preço e as transformações estruturais que estavam em andamento no México desde a década de 1980.

Além do milho, outros produtos agrícolas mexicanos, como tomate, abacates e melões, experimentaram um crescimento significativo nas exportações, especialmente para os Estados Unidos. No entanto, a liberalização comercial também levou ao aumento das importações de produtos como trigo, arroz e soja. A mudança nas relações comerciais e os impactos dessas mudanças sobre a balança comercial agrícola do México são significativos, refletindo uma dependência crescente do mercado dos EUA.

Outro ponto importante é que, apesar das dificuldades enfrentadas pelos produtores de milho, a agricultura mexicana, como um todo, não colapsou. A produção de outros grãos e produtos alimentares continuou a ser robusta, embora o crescimento da produção agrícola tenha sido mais lento do que o crescimento geral da economia mexicana. Entre 1995 e 2015, o crescimento da agricultura foi modesto, com uma taxa anual de 1,68%, comparada ao crescimento de 2,62% da economia como um todo.

Além disso, o aumento das exportações de frutas e vegetais, juntamente com o aumento das importações de grãos não competitivos, reflete uma reconfiguração do setor agrícola mexicano sob o NAFTA. A diversificação da produção agrícola, com um foco crescente em produtos não tradicionais como abacates e tomates, gerou novas oportunidades de crescimento, embora ainda assim o país tenha permanecido dependente das importações de milho e outros grãos. A liberalização do comércio, portanto, teve um impacto desigual nas diferentes áreas da agricultura mexicana.

O impacto do NAFTA sobre a migração rural não se limitou apenas à agricultura. A transformação do mercado de trabalho no México, com a substituição de empregos rurais por empregos em áreas urbanas e nos Estados Unidos, foi uma consequência das mudanças nas políticas agrícolas e comerciais. Muitos trabalhadores migraram em busca de melhores oportunidades, impulsionados pelas dificuldades enfrentadas pelos pequenos agricultores e pelas incertezas econômicas. No entanto, é importante compreender que a migração rural não é um fenômeno unidimensional, e os fatores econômicos são apenas uma parte do quadro. A migração também está ligada a questões sociais, culturais e políticas que moldam as decisões das pessoas em relação ao trabalho e à residência.

Além disso, é essencial considerar que, embora o NAFTA tenha impactado de forma importante o setor agrícola, as políticas subsequentes do governo mexicano, incluindo aquelas voltadas para a modernização da agricultura e o fortalecimento da infraestrutura rural, também têm papel fundamental na explicação dos fluxos migratórios. A liberalização do comércio não foi o único fator a influenciar a migração; outras variáveis, como o aumento da violência em algumas áreas rurais e a busca por melhores condições de vida, também desempenham um papel.

Em resumo, a relação entre o NAFTA, a agricultura mexicana e a migração rural para os Estados Unidos é complexa e multifacetada. O impacto do acordo comercial não pode ser reduzido a uma simples explicação de perdas econômicas causadas pela importação de milho, embora este tenha sido um fator importante. As mudanças na produção agrícola, o crescimento de novas exportações e a modernização do setor agrícola mexicano contribuíram para um panorama mais complexo, no qual a migração rural é apenas uma das consequências de um processo mais amplo de transformação econômica e social.

Como a Indústria Automobilística no México Enfrenta Desafios de Automação, Produtividade e Desigualdade Social

O setor automotivo no México, em comparação com outros países da América Latina, é um caso paradigmático de alta produtividade e baixos salários. Entre 1999 e 2015, a produtividade no setor aumentou em 45%, enquanto os salários praticamente estagnaram, com uma redução de até 10%. Esse fenômeno foi mais evidente nas Montadoras de Equipamentos Originais (OEMs) do que nas fabricantes de autopeças, criando uma relação dicotômica: a ascensão econômica do setor não se traduz diretamente em melhorias para os trabalhadores, mas sim em um processo de "subida econômica e queda social". Esse fenômeno é particularmente notável na maneira como os ganhos de produtividade não geram aumentos proporcionais nos salários, e em muitos casos, resulta em uma redução no poder aquisitivo dos trabalhadores.

Recentemente, um novo acordo comercial entre os Estados Unidos e o México, que inclui uma seção específica sobre questões trabalhistas, oferece alguma esperança para a classe trabalhadora mexicana. Este capítulo no acordo não é apenas um reflexo de boas intenções, mas estabelece a adoção de normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o que pode resultar em um aumento real dos salários se o México implementar a "legislação secundária" necessária. Embora o cenário ainda esteja em construção, há sinais de que a nova fase trará uma oportunidade para a melhoria das condições de trabalho no país.

Em um contexto mais amplo, a indústria automotiva se encontra à beira de uma transformação radical com a chegada das novas tecnologias, o que leva o setor a enfrentar uma encruzilhada. A chamada “quarta revolução tecnológica”, ou Indústria 4.0, está redesenhando o ecossistema dessa indústria, impulsionada por tendências como a mobilidade autônoma, o compartilhamento de veículos, a preocupação com a sustentabilidade e a eficiência energética. O aumento da conectividade entre os carros, as infraestruturas e as pessoas, viabilizado pela tecnologia 5G, traz consigo novos modelos de negócios e serviços, como o “car-to-X” e a condução autônoma, que alteram profundamente a lógica do mercado automobilístico.

Com a introdução dessas tecnologias, o número de microprocessadores presentes nos automóveis aumentou exponencialmente. Hoje, um carro médio possui cerca de 60 microprocessadores, quatro vezes mais do que há uma década, o que sublinha a complexidade crescente da produção. As tendências atuais mais evidentes, como a eletrificação dos veículos, a diversificação da mobilidade, incluindo o compartilhamento de carros, e a conectividade, indicam que, embora o impacto da Indústria 4.0 ainda seja limitado, a questão não é se essas tecnologias chegarão, mas sim quão rápido se disseminarão e onde terão o maior impacto.

O debate sobre a automação na indústria automobilística não é novo. Desde os anos 1920, com a introdução da linha de montagem automatizada por Henry Ford, a automação tem sido uma característica central da produção em massa. Nos anos 1980, por exemplo, a automação substituiu grande parte das atividades manuais nas linhas de produção, como a soldagem e a pintura. Hoje, a previsão é que até 69% do trabalho na indústria automobilística possa ser automatizado, dependendo do tipo de atividade. Isso levanta questões cruciais: o impacto da automação será limitado a tarefas manuais e previsíveis, ou também afetará funções mais complexas? A queda nos custos dos robôs e a crescente adoção da automação levarão a uma substituição em massa de trabalhadores? E, mais importante ainda, como a automação será distribuída entre regiões de diferentes níveis de desenvolvimento?

É certo que as empresas possuem grandes incentivos para substituir o trabalho humano por processos automatizados, uma vez que os robôs podem operar de forma mais confiável, mais rápida e sem custos com salários ou benefícios trabalhistas. Em países industrializados e emergentes, onde o custo da mão de obra continua a ser relativamente alto, a substituição por robôs se torna uma alternativa atraente. Contudo, no caso do México, as previsões se tornam mais incertas devido aos baixos salários (frequentemente abaixo da linha da pobreza urbana) e à natureza das relações trabalhistas que ainda desempenham um papel importante na atração de investimentos estrangeiros.

Apesar da crescente pressão para automatizar, a existência de uma força de trabalho flexível e produtiva, com uma longa tradição no setor exportador, e a adoção de jornadas de trabalho mais longas que em outros países, podem atrasar a onda de automação no México. No entanto, o futuro permanece incerto, pois as empresas continuam a explorar a automação e a buscar maneiras de reduzir custos, ao mesmo tempo que maximizam a produtividade.

A indústria automobilística na região México-Estados Unidos-Canadá é altamente integrada, com uma forte interdependência entre os países, especialmente devido às cadeias de valor complexas que envolvem os mesmos players globais. Empresas do setor não apenas competem internacionalmente, mas também entre si nas regiões onde operam e até mesmo dentro de suas próprias subsidiárias. Nesse contexto, a evolução das condições de trabalho, o papel da vocação exportadora da região e os ecossistemas de inovação desempenham um papel crucial na atração de novos investimentos e na rápida adoção de novas tecnologias digitais.

Porém, enquanto as fronteiras nacionais se tornam menos definidas com a chegada de tecnologias exponenciais, isso pode aumentar as desigualdades sociais na região, a menos que o governo mexicano se empenhe em uma melhoria social e trabalhista mais significativa. O novo acordo comercial entre os Estados Unidos e o México, além de impactar o investimento com novas regras de origem, também oferece a possibilidade de uma melhoria das condições sociais, com um aumento nos salários e a redução de “acordos de proteção” que historicamente limitam os direitos dos trabalhadores.

Como o Nacionalismo Mexicano Está Sendo Afetado pela Relação com os EUA Sob a Liderança de Donald Trump?

A ascensão de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos marcou um ponto de inflexão nas relações entre os dois países, principalmente no que diz respeito ao impacto sobre o nacionalismo mexicano. As tensões geradas pela retórica de Trump, em particular sua posição agressiva em relação à imigração, agitaram as dinâmicas políticas e sociais, tanto nos Estados Unidos quanto no México. A visão de Trump sobre os imigrantes, especialmente os mexicanos, se refletiu em sua campanha e, posteriormente, em sua presidência, criando uma atmosfera de hostilidade e exclusão. No entanto, essa relação também tem gerado um fortalecimento do nacionalismo mexicano, revelando nuances importantes nas dinâmicas de identidade nacional.

Historicamente, o nacionalismo mexicano tem sido construído sobre um discurso de proteção à soberania e à identidade cultural, algo que remonta aos tempos da independência. José María Morelos, em 1813, ao elaborar o “Sentimientos de la Nación”, já expressava preocupações sobre a preservação da integridade nacional e a ameaça que representavam os estrangeiros. Em um contexto mais moderno, o crescimento da população latina nos Estados Unidos, especialmente a mexicana, tem gerado uma sensação de vulnerabilidade, tanto para o México quanto para a comunidade mexicana-americana.

A política de Trump, focada em questões como a construção de um muro na fronteira e a criminalização da imigração ilegal, alimentou um sentimento anti-imigrante que, paradoxalmente, também alimentou uma reação interna no México. O nacionalismo mexicano, em resposta a essa retórica, se viu não apenas como uma defesa contra o que é percebido como uma ameaça externa, mas também como uma forma de reafirmação da identidade nacional. A retórica de Trump, ao invés de enfraquecer o México, acabou por unificar uma grande parte da população ao redor de uma narrativa de resistência e afirmação da cultura mexicana.

O efeito mais claro dessa dinâmica pode ser observado na relação entre os mexicanos que vivem nos Estados Unidos e o próprio México. A retórica de Trump, ao associar imigração com criminalidade e estigmatizar imigrantes, resultou em uma forte reação de solidariedade em muitas partes do México, fortalecendo laços com os mexicanos que vivem no exterior. Isso gerou uma nova onda de mobilização política e cultural, com grupos defendendo os direitos dos imigrantes e buscando soluções para a discriminação racial e étnica.

Além disso, o crescimento da população latina nos Estados Unidos, em particular a mexicana, tem implicações significativas para o futuro político e demográfico de ambos os países. Em estados como a Califórnia e, mais recentemente, no Texas, o eleitorado latino está se tornando uma força cada vez mais poderosa. A ascensão de uma nova geração de mexicanos e descendentes de mexicanos que alcançam a maioridade política desafia o status quo político dos Estados Unidos, o que aumenta a tensão entre a retórica de exclusão de Trump e a realidade crescente de uma população diversificada. O medo do “browning” da América, que tem sido amplamente explorado por políticos conservadores, reflete uma ansiedade quanto à mudança demográfica, mas também uma resistência à transformação das estruturas sociais e políticas dos Estados Unidos.

Em uma perspectiva mais ampla, o impacto das políticas de Trump no México também nos leva a refletir sobre as transformações no conceito de identidade nacional. A ameaça representada pela política de imigração e a polarização racial nos Estados Unidos tem encorajado os mexicanos a se unirem em torno de uma definição mais coesa de sua identidade. Ao fortalecer o vínculo com os mexicanos no exterior e reforçar o orgulho cultural, o México está, paradoxalmente, resistindo às pressões externas de uma maneira que contribui para um renascimento do nacionalismo.

Não se pode ignorar que, por mais que a retórica de Trump tenha servido como um catalisador para uma reação nacionalista no México, essa mesma retórica também desperta uma reflexão mais ampla sobre as tensões raciais e étnicas dentro dos Estados Unidos. Se, por um lado, a agenda anti-imigrante de Trump busca reforçar as divisões, por outro lado, ela também está criando uma nova onda de resistência e articulação política, tanto nos Estados Unidos quanto no México. Assim, as relações entre os dois países, longe de serem unidimensionais, se entrelaçam em um jogo complexo de identidade, poder e pertencimento.

Portanto, é importante compreender que a ascensão de Trump ao poder não representa apenas uma ameaça externa para o México, mas também um fator que mobiliza e redefine o nacionalismo mexicano. A forma como os mexicanos se percebem e se relacionam com o resto do mundo está sendo, gradualmente, moldada por essas novas realidades políticas. O nacionalismo mexicano, longe de ser uma reação passiva, está se transformando em uma força ativa que influencia as discussões sobre imigração, identidade e soberania tanto no México quanto nos Estados Unidos.

Como a Globalização e os Tratados de Livre Comércio Impactam a Agricultura e a Migração no México

O México, ao longo das últimas décadas, tem enfrentado uma complexa interação entre as políticas agrícolas nacionais e internacionais, impulsionadas principalmente por tratados de livre comércio e mudanças estruturais no mercado de trabalho rural. O Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN), e sua sucessora, a USMCA, alteraram profundamente a dinâmica do setor agrícola mexicano, com efeitos visíveis não só na produção agrícola, mas também nas condições de vida dos trabalhadores rurais e nas dinâmicas migratórias.

O setor agrícola mexicano, uma das bases históricas da economia do país, foi amplamente afetado pela liberalização do comércio, especialmente no que se refere à produção de milho, que, antes de ser em grande parte auto-suficiente, passou a depender mais de importações. A desregulamentação do comércio agrícola e a imposição de novas regras para o acesso a mercados internacionais afetaram negativamente a renda dos pequenos produtores, que se viram incapazes de competir com os preços mais baixos dos produtos importados, principalmente dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, a liberalização levou a uma mudança nas práticas agrícolas e na adoção de novas tecnologias, nem sempre acessíveis aos produtores mais pobres, agravando a desigualdade rural.

Os efeitos dessa mudança estrutural não se limitaram ao campo econômico, mas estenderam-se para o campo social e demográfico. O êxodo rural, um fenômeno que se intensificou a partir dos anos 1990, pode ser diretamente relacionado à crise do setor agrícola. A falta de emprego e a redução das oportunidades no campo fizeram com que muitos mexicanos migrassem para as cidades ou buscassem oportunidades no exterior, especialmente nos Estados Unidos. A migração internacional, que já era uma característica histórica do México, foi impulsionada por essa desigualdade crescente e pela deterioração das condições de trabalho no campo.

O impacto da migração sobre a economia rural é duplo. Por um lado, os remanescentes da força de trabalho agrícola, muitas vezes composta por mulheres e idosos, enfrentam condições de trabalho cada vez mais precárias, enquanto a migração em massa contribui para a redução da oferta de mão-de-obra no campo. Por outro lado, as remessas enviadas pelos migrantes para suas famílias têm se tornado uma fonte vital de sustento para muitas comunidades rurais, mas também acentuam a dependência de uma economia que já está à margem de um desenvolvimento sustentável.

Além disso, o fenômeno das migrações também está intimamente relacionado à política de subsídios agrícolas do governo mexicano. Programas como o PROCAMPO e Oportunidades, destinados a fornecer assistência financeira aos produtores rurais, têm mostrado resultados mistos. Embora esses programas ajudem a amenizar a pobreza no campo, eles não conseguiram reverter a tendência de diminuição da força de trabalho agrícola, que continua a ser uma consequência do processo de modernização da agricultura mexicana, o qual se vê cada vez mais voltado para as grandes plantações industriais e menos para os pequenos proprietários.

O fenômeno da globalização, portanto, não afeta apenas as estruturas econômicas, mas também as culturas e os modos de vida rurais. A introdução de produtos agrícolas geneticamente modificados (OGMs), por exemplo, tem gerado debates sobre os impactos na biodiversidade local, especialmente no que se refere ao milho, um dos principais produtos agrícolas do país e um símbolo cultural fundamental para a população mexicana. A erosão genética do milho, como descrito por alguns pesquisadores, é uma consequência direta da introdução de sementes geneticamente modificadas e da pressão para aumentar a produtividade, o que pode colocar em risco a segurança alimentar e a soberania agrícola do país.

Entretanto, a globalização não pode ser vista apenas sob uma ótica negativa. Embora tenha criado novos desafios para o setor agrícola, também ofereceu novas oportunidades, como o acesso a mercados internacionais para produtos agrícolas de alto valor agregado, além de um impulso para a modernização do setor, com a adoção de tecnologias e métodos agrícolas mais eficientes. No entanto, o desafio continua a ser como equilibrar as necessidades de modernização com a preservação da produção local e da justiça social para os trabalhadores rurais.

O processo de globalização e integração dos mercados também impôs um grande desafio para os formuladores de políticas públicas no México. A construção de um sistema agrícola mais justo, sustentável e capaz de gerar emprego, sem recorrer excessivamente à migração como uma válvula de escape, exige uma abordagem holística que leve em consideração tanto as demandas internas da economia quanto os efeitos externos das políticas internacionais. O futuro da agricultura mexicana, portanto, dependerá de uma reestruturação que combine inovação, acesso equitativo a recursos e, acima de tudo, a criação de políticas que visem a recuperação do espaço da agricultura familiar e a mitigação da exclusão social no campo.