Os movimentos fundamentalistas e populistas utilizam a tecnologia de maneiras bastante distintas, mas com um objetivo comum: reforçar sua identidade e alcançar a vitória em seus respectivos conflitos. A interação desses movimentos com a tecnologia não é apenas uma questão de adaptabilidade, mas uma escolha estratégica que reflete suas visões de mundo, seus alvos e, principalmente, a maneira como percebem a separação entre "nós" e "eles".
Existem diferentes categorias dentro do espectro dos movimentos fundamentalistas, e cada uma delas usa a tecnologia de formas que correspondem às suas estratégias e ideologias. Por um lado, temos os "renunciantes do mundo" e os "criadores de mundos", que buscam se afastar da sociedade dominante e criar sistemas fechados e autossuficientes. Estes grupos tendem a evitar ou usar minimamente as tecnologias, em um esforço para manter sua pureza e se distanciar da influência externa. Exemplos notáveis incluem certos movimentos pentecostais na América do Sul e no Extremo Oriente, onde a tecnologia é mais utilizada para a organização interna do que para interações com outros grupos. A internet e as redes sociais, nesse contexto, servem como ferramentas para fortalecer a coesão interna, sem que haja um engajamento significativo com as correntes sociais e políticas dominantes.
Por outro lado, os "transformadores do mundo" e os "conquistadores do mundo" se envolvem ativamente com a tecnologia para ampliar sua influência e avançar em suas causas. Movimentos como os de Jerry Falwell, um exemplo típico de um "transformador do mundo", buscam não apenas transformar a sociedade de maneira gradual, mas também usar a tecnologia como uma ferramenta de mobilização. O uso de redes sociais e da internet permite que esses grupos se conectem diretamente com seus seguidores, sem a mediação de especialistas ou de "fake news", criando uma comunicação direta e eficaz. Para os "conquistadores", como os fundamentalistas islâmicos que visam a criação de califados, a tecnologia é uma arma poderosa na luta contra os inimigos, ajudando a divulgar suas mensagens e recrutar seguidores.
A relação entre esses movimentos e a tecnologia pode ser entendida principalmente através da ótica da identidade social. Para os "criadores de mundos" e "renunciantes", a tecnologia é usada esporadicamente ou evitada para manter uma distinção clara entre o "nós" e o "eles". O uso moderado ou nulo de ferramentas como a internet é uma forma de reforçar a separação entre os membros do grupo e o resto da sociedade, que é vista como corrupta ou impura. Já os "transformadores" e "conquistadores", ao definirem seus inimigos, utilizam a tecnologia para se engajar ativamente com esses alvos e, assim, conquistar ou transformar a sociedade.
Redes sociais, nesse cenário, desempenham um papel crucial. Elas não apenas facilitam a comunicação e a mobilização, mas também criam um espaço onde as emoções – como raiva, medo e frustração – podem ser expressadas sem restrições. A ausência de uma troca social ao vivo não impede que essas emoções sejam eficazmente canalizadas, muitas vezes de forma mais intensa do que em interações presenciais. A rapidez da mobilização, por meio de postagens e disseminação de conteúdo viral, é um aspecto central dessa dinâmica. Isso permite que os movimentos fundamentalistas e populistas articulem suas narrativas de forma mais eficiente, criando uma forte sensação de urgência e crise entre seus seguidores.
Outro ponto importante é como esses grupos constroem e mantêm a confiança. A presença digital dos líderes, muitas vezes na forma de posts e declarações diretas, elimina a necessidade de mediadores ou especialistas. A conexão direta entre o líder e o seguidor reforça o sentimento de comunidade e identidade, tornando o líder uma figura quase inquestionável. A tecnologia, assim, ajuda a consolidar a narrativa de que o líder é um salvador, enquanto "eles" – aqueles identificados como os inimigos – são constantemente ameaçadores e corruptores.
Ao explorar o uso da tecnologia por esses movimentos, é essencial perceber que, para muitos deles, a chave para o sucesso não reside apenas na mudança das estruturas externas, mas na manutenção de um certo status quo interno. Enquanto os "renunciantes" buscam se proteger da contaminação externa, os "conquistadores" e "transformadores" buscam estabelecer um domínio, seja por conquista, seja por transformação gradual, usando a tecnologia como uma ferramenta estratégica. Em ambos os casos, o objetivo é claro: a preservação e a propagação de uma identidade que se vê como superior ou purificada em relação ao resto da sociedade.
Compreender o uso estratégico da tecnologia por esses movimentos não apenas revela suas táticas, mas também destaca como as novas formas de comunicação e a globalização das redes sociais alteraram profundamente a dinâmica de poder, mobilização e identidade no cenário político e social. Além disso, ao observar como esses grupos moldam suas narrativas e utilizam a tecnologia para atingir seus objetivos, podemos entender melhor os desafios contemporâneos relacionados à polarização, radicalização e os riscos associados à manipulação da informação em tempos de crise.
Como as Narrativas Populistas e Fundamentalistas Criam e Mantêm Conflitos
A luta contra a elite corrupta e o mundo maligno exige ações decisivas, mas é fundamental não cair na armadilha de jogar segundo as regras daqueles que controlam as instituições sociais e políticas. As normas do jogo, criadas por essas elites, favorecem seus próprios interesses e devem ser reconhecidas como tal. A política, a economia, a lei, a ciência, a educação e os meios de comunicação estão intrinsecamente moldados para atender a esses grupos de poder. Neste cenário, é essencial que o movimento que busca desafiar esse sistema não adote sua linguagem rebuscada ou o conhecimento especializado. O que se precisa, antes de mais nada, são os princípios básicos, que podem ser encontrados tanto nas instruções dos fundadores de uma nação quanto na própria palavra divina.
A única forma eficaz de lidar com essas instituições modernas é ridicularizá-las, subvertê-las e chocar suas bases. O objetivo é tomar o controle e consolidar o poder sob a liderança de um guia que, com certeza, nos conduzirá de volta à terra prometida. No entanto, aqueles que lideram movimentos reacionários são bem cientes da dificuldade de alcançar uma vitória fácil. As narrativas que eles propagam enfatizam o grau de desafio que será necessário enfrentar para alcançar o poder. Esses inimigos, que se manifestam de diferentes formas, estão sempre presentes, prontos para subverter o progresso e retomar o controle.
Dentro dessa ótica, o conceito de "Nós" contra "Eles" é central. "Eles" podem ser entidades difíceis de identificar, muitas vezes representadas por um "estado profundo" ou por forças externas como Satanás, que, de acordo com os fundamentalistas, corrompeu a humanidade. A natureza dessas forças torna a mobilização de ações diretas mais complexa, visto que são invisíveis e esquivas. Em vez de batalhar contra essas entidades difusas, os movimentos podem buscar inimigos mais concretos, como minorias específicas, ou até figuras públicas amplamente reconhecidas, como George Soros ou Hillary Clinton. Esses alvos já estão estigmatizados culturalmente, o que facilita a mobilização de adeptos.
Esses inimigos, sejam eles coletivos ou individuais, possuem uma característica comum: eles estão no caminho da restauração de uma era dourada. O objetivo de movimentos reacionários é claro — conquistar essa restauração, seja no campo social, político ou religioso. Mas, à medida que esses movimentos avançam e se deparam com a dificuldade de realizar tal objetivo, surge uma questão crucial: o que acontece quando a visão da "era dourada" se mostra impossível de alcançar? O foco, nesse caso, recai sobre o conflito em si, que se torna a principal fonte de motivação. A luta, por mais que pareça interminável ou sem sucesso aparente, reforça a identidade do movimento. Se o "Nós" depende da existência do "Eles", então a ausência de um inimigo significaria a dissolução do próprio movimento. O confronto contínuo torna-se essencial para a sobrevivência da identidade coletiva.
Essa dinâmica psicológica pode ser observada em muitos movimentos, como os que envolveram o Estado Islâmico (ISIS), que, apesar de suas derrotas militares, manteve-se resiliente. A luta constante alimenta uma necessidade de existência, um sentido de pertencimento que é, na verdade, mais forte do que a própria vitória. No caso de movimentos populistas e fundamentalistas, a perseverança na luta, independentemente do fracasso, pode ser vista como uma estratégia para manter a identidade e a coesão do grupo. E esse fenômeno não é restrito a um único movimento. Pelo contrário, o mundo moderno está repleto de exemplos de movimentos que, com base nessa dinâmica de conflito, encontram força e resiliência.
Um exemplo claro dessa resistência ao fracasso pode ser observado no contexto de Israel e Netanyahu, onde as forças populistas e fundamentalistas têm desempenhado papéis fundamentais na formação da política do país. Desde a fundação do Estado de Israel, em 1948, o país tem vivido sob uma constante ameaça existencial, seja por causa das guerras com os países árabes ou pelo conflito com os palestinos. No entanto, esse cenário de constante luta foi exacerbado por uma tendência recente: o nacionalismo israelense, antes mais moderado, evoluiu para uma forma mais populista.
O movimento populista em Israel tem se alimentado de um sentimento crescente de desconfiança em relação aos outros países e suas pressões externas. Isso foi ampliado pela política do ex-presidente americano Donald Trump, que se alinhou com Israel, movendo a embaixada dos EUA para Jerusalém e sinalizando uma nova postura em relação ao conflito israelense-palestino. A solução de dois estados, que antes era vista como o caminho para a paz, agora é ignorada, e as tensões continuam a crescer.
No contexto desse cenário, tanto os populistas quanto os fundamentalistas se encontram em um ponto de convergência, onde a luta constante, seja contra os inimigos externos ou internos, se torna a principal motivação para a sobrevivência política e social do movimento. Isso é especialmente evidente em situações de impasse, quando a verdadeira solução para o conflito parece fora de alcance. O que resta, então, é continuar lutando, reforçando uma identidade de "Nós" contra "Eles", onde o conflito nunca cessa.
Para os observadores externos e para os próprios membros desses movimentos, a compreensão de que a continuidade do conflito é, em si, uma fonte de poder e identidade é crucial. Em última instância, não é a vitória que define o movimento, mas a manutenção da luta, que preserva o "Nós" e, por conseguinte, a própria existência do movimento.
Quando "Eles" Respondem: A Negação da Legitimidade do Estereótipo
O conceito de identidade social, especialmente em movimentos reacionários, é fundamental para entender como as divisões "Nós versus Eles" são construídas e mantidas. A ideia central de qualquer movimento populista ou fundamentalista é criar uma identidade para o grupo "Nós" que se opõe radicalmente ao grupo "Eles". No caso dos populistas, "Nós" somos os verdadeiros democratas, a verdadeira voz do povo, enquanto "Eles" são inimigos da democracia, sendo frequentemente rotulados como a elite global ou como aqueles que buscam subverter a ordem natural da sociedade. Já os fundamentalistas veem "Nós" como os verdadeiros crentes, aqueles que seguem a única fé verdadeira, enquanto "Eles" são os hereges ou pagãos.
Essa construção de identidade social não é meramente retórica, mas um processo profundo que visa estabelecer uma separação clara e intransigente entre os "fiéis" e os "não fiéis". Para aqueles que se identificam com esses movimentos, o contraste é não apenas ideológico, mas também moral e existencial. A rejeição de uma identidade pejorativa imposta pelo outro lado é inevitável, uma vez que aceitar uma identidade negativa comprometeria a autoestima, a posição social e a reputação do indivíduo. No entanto, muitas vezes, aqueles que são alvo dessas acusações simplesmente ignoram as caracterizações feitas por essas ideologias, desconsiderando-as como exageros de extremistas. Essa atitude, embora pareça uma reação natural, abre um espaço perigoso para o domínio da narrativa.
As instituições dominantes, ao demorarem a perceber a ascensão dos movimentos populistas e fundamentalistas, já se encontram em uma posição vulnerável, sendo confrontadas com narrativas reacionárias que dificilmente conseguem desmantelar. Quando esses movimentos criam e impõem suas próprias definições de "nós" e "eles", eles não estão apenas promovendo uma ideologia, mas moldando a percepção pública de sua própria legitimidade e a dos outros. Isso não se limita ao campo político; no âmbito religioso, movimentos como os fundamentalistas cristãos também impõem uma visão dualista do mundo, onde se colocam como os "verdadeiros" e todos os outros como falsos.
É possível, no entanto, reverter essa situação por meio de uma estratégia de contra-narrativa, onde as instituições estabelecidas reafirmam os valores fundadores de suas ideologias, sejam eles democráticos ou religiosos. O populismo, que se afirma como a verdadeira democracia, pode ser desafiado por uma reafirmação de que a democracia moderna não é exclusivista, mas representativa, envolvendo a participação ampla e equitativa de todos. Do mesmo modo, as religiões, em suas versões mais inclusivas, podem se opor à ideia de que só uma interpretação sectária é legítima. Ao afirmar sua visão inclusiva, essas instituições podem deslocar o movimento reacionário do centro da discussão, colocando-o na periferia, onde ele pertence.
No caso da Igreja da Inglaterra, por exemplo, existe uma corrente calvinista dentro dela que se apresenta como o único grupo fiel aos princípios da Reforma. Para esse grupo, "Nós" somos os verdadeiros crentes, e "Eles", que compreendem a própria Igreja da Inglaterra, são vistos como comprometidos com as influências do "mundo", poluindo a pureza da fé reformada. Essa visão de pureza religiosa e exclusividade é central para a identidade calvinista, e a separação entre "Nós" e "Eles" é implacável. O movimento calvinista, como exemplo, se vê não apenas como um guardião da doutrina verdadeira, mas também como um excluído, cercado de perseguições que têm como objetivo preservar sua pureza ideológica.
Esses movimentos, ao se definirem contra o "outro", criam uma identidade rígida que se autoafirma constantemente. No entanto, essa estratégia de identidade também acarreta grandes riscos. Primeiro, a manutenção de uma identidade social tão estrita pode levar a uma exclusão crescente de qualquer outra perspectiva ou ideologia. Isso, por sua vez, pode resultar em um isolamento social e cultural, onde os aderentes ao movimento se veem cada vez mais afastados da realidade ampla e pluralista que caracteriza as sociedades modernas. A rigidez dessa identidade pode também gerar conflitos internos, pois nem todos os membros do grupo compartilham de todas as crenças ou práticas de maneira uniforme. Além disso, as fraturas internas no movimento podem enfraquecer sua capacidade de manter a unidade e a coesão, resultando em uma crise de identidade que ameaça sua continuidade.
Ademais, a busca constante pela pureza de um lado e a demonização do outro pode, paradoxalmente, enfraquecer o movimento, ao torná-lo excessivamente dependente de uma figura ou ideologia central. Os líderes de movimentos populistas e fundamentalistas frequentemente falham em manter sua imagem prototípica, o que pode causar uma perda de confiança por parte dos seguidores. A inconstância nos valores e princípios, muitas vezes, leva à desilusão dos aderentes, que se veem obrigados a questionar sua adesão à causa. Para os movimentos, isso pode resultar em um enfraquecimento de sua base, enquanto para os indivíduos, significa a necessidade de buscar uma nova identidade que não se conforme às restrições impostas.
Portanto, a dinâmica de identidade dentro de movimentos populistas e fundamentalistas é complexa e multifacetada. Ela não é apenas uma batalha pela manutenção de uma visão de mundo particular, mas uma luta pela construção e pelo reconhecimento de uma identidade que seja percebida como verdadeira e legítima. Essa identidade é mantida e reforçada por líderes e seguidores, mas também é constantemente desafiada e contestada. O equilíbrio entre a necessidade de distinção e a preservação da coesão social é delicado e, muitas vezes, difícil de manter.

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