A tomada de decisões médicas complexas no contexto da insuficiência cardíaca avançada envolve uma análise cuidadosa dos riscos conhecidos e dos benefícios do tratamento, muitas vezes com a participação de cardiologistas e outros especialistas. Essas decisões inevitavelmente exigem discussões éticas, além de refletir sobre questões críticas, como cuidados paliativos e decisões sobre o final da vida. Diversas sociedades científicas publicaram diretrizes que enfatizam que os cuidados paliativos devem ser considerados para pacientes com insuficiência cardíaca avançada, sendo introduzidos nas fases iniciais do processo da doença, quando aplicável, e intensificados à medida que a progressão da condição se acelera.

Estudos demonstraram que a integração programática de cuidados paliativos no tratamento de pacientes que recebem suporte circulatório mecânico como terapia de destino tem mostrado melhorias na qualidade de vida desses pacientes, assim como nos cuidadores, com o aumento da documentação de planos de cuidados avançados e aprimoramento na comunicação entre equipes multidisciplinares. É importante observar que a palliative care não se limita apenas ao gerenciamento de sintomas, mas também envolve uma abordagem holística, que abrange aspectos médicos, emocionais, físicos, psicossociais e espirituais durante o tratamento com dispositivos de suporte circulatório mecânico.

A inclusão de cuidados paliativos desde o início do tratamento com dispositivos de assistência ventricular esquerda (LVAD) tem mostrado benefícios significativos. Em um estudo realizado por Chuzi et al. (2021), foram identificados seis temas cruciais em relação aos pacientes com dispositivos de assistência ventricular esquerda implantados como terapia de destino. Esses temas destacam a importância do momento adequado para discussões sobre o final da vida, a preparação para o fim de vida e a comunicação eficaz, especialmente em um contexto de incertezas. Além disso, os médicos e especialistas em cardiologia precisam estar bem preparados para colaborar com as equipes de cuidados paliativos, considerando as necessidades individuais de cada paciente e as complexidades envolvidas no manejo da insuficiência cardíaca avançada.

A relação entre a cardiologia e os cuidados paliativos deve ser mútua. O tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca avançada e dispositivos de suporte circulatório exige cuidados médicos especializados, e a participação dos cuidados paliativos desde o início pode ser essencial para otimizar a qualidade de vida do paciente. No entanto, apesar dos benefícios evidentes, a resistência à introdução precoce de cuidados paliativos ainda persiste em alguns contextos, muitas vezes devido à percepção equivocada de que esses cuidados estão associados unicamente ao fim da vida.

Além disso, o desenvolvimento de novos modelos de cuidado, como o proposto por Halatchev et al. (2020), busca melhorar os resultados dos pacientes com insuficiência cardíaca avançada, ao mesmo tempo em que se busca reduzir os custos. Esse modelo inclui uma abordagem multidisciplinar de cuidado, liderada por coordenadores de cuidados, com ênfase na comunicação aberta entre especialistas cardíacos, equipes de enfermagem, fisioterapeutas e trabalhadores sociais. A abordagem de cuidados paliativos, nesse modelo, é iniciada precocemente e ajustada de acordo com as necessidades e objetivos do paciente.

O conceito de cuidados paliativos, no entanto, pode carregar conotações negativas, sendo frequentemente confundido com cuidados de fim de vida ou hospício. Essa percepção equivocada pode dificultar a adesão dos médicos à introdução precoce de cuidados paliativos, especialmente no contexto de suporte circulatório mecânico. Há uma resistência natural, pois os profissionais de saúde são treinados para promover a cura e o bem-estar, e não para lidar com o fim da vida. No entanto, a integração dos cuidados paliativos com o tratamento médico não precisa ser mutuamente exclusiva, e as discussões sobre cuidados paliativos podem, na verdade, complementar e fortalecer o tratamento cardiovascular.

A falta de treinamento formal em cuidados paliativos entre os profissionais de saúde também é uma barreira importante. Estudos indicam que uma grande parte dos cardiologistas nunca recebeu uma formação adequada sobre a gestão de cuidados paliativos, o que pode prejudicar a qualidade do atendimento oferecido aos pacientes com insuficiência cardíaca avançada e necessidades complexas. Durante a pandemia de COVID-19, a limitação de visitas aos pacientes agravou essa situação, dificultando a interação entre a família e a equipe médica, o que impactou negativamente as discussões sobre cuidados paliativos e decisões sobre o final da vida. A transição para o uso de telemedicina, embora necessária, também enfraqueceu o contato pessoal, dificultando o processo de tomada de decisão colaborativa.

Além dos avanços tecnológicos no suporte circulatório mecânico, é crucial que a formação dos profissionais de saúde seja aprimorada, incluindo a conscientização sobre a importância dos cuidados paliativos em todas as fases do tratamento. A implementação de políticas hospitalares que integrem de forma eficaz os cuidados paliativos no manejo de pacientes com suporte circulatório mecânico é fundamental para garantir uma abordagem mais humanizada e eficaz.

Portanto, além da melhoria nas tecnologias de suporte circulatório e do apoio adequado de cuidadores familiares, a colaboração interdisciplinar entre a equipe cardíaca e a equipe de cuidados paliativos é fundamental para o manejo bem-sucedido desses pacientes. É necessário que os profissionais de saúde se capacitem constantemente sobre as atualizações no tratamento da insuficiência cardíaca avançada, incluindo o suporte circulatório mecânico, e que a comunicação eficaz seja priorizada entre todas as partes envolvidas no cuidado do paciente. Isso garante que, mesmo em face da complexidade e da incerteza do tratamento, o paciente e sua família possam tomar decisões informadas e com compreensão clara dos benefícios, riscos e expectativas para o futuro.

Como Decidir entre Suporte Mecânico de Curto ou Longo Prazo em Pacientes com Choque Cardiogênico: Transição e Considerações Clínicas

A utilização do sistema Impella 5.5 demonstrou melhorias na sobrevida de curto prazo como estratégia de suporte em pacientes pós-cardiotomia com choque cardiogênico severo, ou ainda aqueles em processo de recuperação ou em espera para transplante cardíaco. A mortalidade de curto prazo variou conforme as diferentes etiologias do choque, sendo: 76% em parada cardíaca extrahospitalar, 64% em parada cardíaca intrahospitalar, 60% pós-infarto, 59% pós-cardiotomia, 53% em falência cardíaca, 52% em embolia pulmonar, 40% em miocardite e 35% em disfunção primária do enxerto pós-transplante. O sistema Impella 5.5 se mostra atraente tanto para o alívio ventricular (o que melhora geralmente o estado pulmonar) quanto para o fluxo sanguíneo para a perfusão dos órgãos secundários. O dispositivo também permite a realização de testes de desmame para avaliar a função ventricular subjacente, em diferentes níveis de suporte.

Entretanto, uma das principais limitações do uso de VA-ECMO (oxigenação extracorpórea venoarterial) para suporte cardíaco, ao contrário do suporte para órgãos secundários, é o efeito sobre o ventrículo esquerdo. O VA-ECMO proporciona o maior fluxo sanguíneo para os órgãos secundários, mas seu uso pode prejudicar a recuperação ventricular, uma vez que pode levar a uma distensão significativa do ventrículo esquerdo. Em casos como esse, estratégias para ventilar o ventrículo esquerdo enquanto o paciente está em ECMO podem ser necessárias. Além disso, o uso do Impella pode resultar em uma diminuição da área de pressão-volume (PVA), indicando uma redução da demanda de oxigênio do ventrículo. Isso é importante para melhorar o suporte hemodinâmico do paciente.

Contudo, em alguns pacientes, o suporte com Impella pode não ser suficiente para garantir o fluxo sanguíneo adequado aos órgãos secundários, sendo necessário um aumento no nível de suporte com ECMO. Nesses casos, se o paciente continuar apresentando sinais de hipoperfusão sistêmica após o uso do Impella ou do balão de contrapulsação, uma maior forma de suporte circulatório pode ser exigida. Além disso, quando um paciente recebe suporte com RVAD (ventriculador direito artificial), pode ocorrer piora do edema pulmonar e aumento significativo da dilatação do ventrículo esquerdo, indicando que o suporte à esquerda pode ser necessário também.

Dessa forma, o monitoramento hemodinâmico, de imagem e da função dos órgãos secundários se torna imprescindível. Após o uso de estratégias de curto prazo, é fundamental avaliar se o paciente permanece em choque cardiogênico e se há necessidade de escalar ou mudar a terapia. Caso o paciente continue apresentando sinais de falência orgânica e não haja reversibilidade da etiologia do quadro, uma mudança para um suporte duradouro pode ser considerada, com o implante de dispositivos mecânicos permanentes como os LVADs (Dispositivos de Assistência Ventricular Esquerda).

Quando a transição de suporte mecânico de curto para longo prazo é necessária, deve-se avaliar cuidadosamente a reversibilidade da falência cardíaca. Apenas pacientes em falência cardíaca avançada, refratários ao tratamento médico e com etiologias irreversíveis tratadas devem ser considerados para suporte mecânico duradouro, o que pode ser um ponte para o transplante cardíaco ou recuperação.

As diretrizes ISHLT de 2023 sobre suporte circulatório mecânico destacam que a transição para o DMCS (suporte mecânico circulatório duradouro) deve ser considerada principalmente para pacientes cujas funções ventriculares são irreversíveis ou improváveis de se recuperar sem suporte longo prazo. Pacientes em estado crítico que não conseguem manter a hemodinâmica normal com dispositivos temporários ou que não podem ser desmamados de suporte inotrópico devem ser avaliados para o DMCS, assim como aqueles que têm capacidade para recuperação funcional dos órgãos e qualidade de vida significativa. Outro ponto importante é que pacientes com falência sistólica avançada que não se enquadram nas recomendações acima devem ser submetidos a uma avaliação rotineira de risco para definir a necessidade de DMCS.

Além disso, a transição de um dispositivo temporário para um dispositivo duradouro deve levar em consideração o estado neurológico do paciente, uma vez que o suporte mecânico pode impactar diretamente o quadro cognitivo. Pacientes com status neurológico incerto não são candidatos ideais para LVAD, uma vez que o sucesso do procedimento depende da capacidade do paciente de se beneficiar de uma recuperação neurológica.

Portanto, enquanto os dispositivos temporários são essenciais para estabilizar pacientes com choque cardiogênico agudo, a avaliação criteriosa do estado clínico, incluindo função ventricular, resposta a terapias e condições neurológicas, é fundamental para determinar o momento adequado para a transição para dispositivos duradouros. A abordagem deve ser personalizada, levando em conta a gravidade da falência cardíaca, a reversibilidade da etiologia subjacente e a probabilidade de recuperação dos órgãos, a fim de otimizar a sobrevida e a qualidade de vida do paciente.

Como Funciona o Aeson TAH e Sua Importância no Tratamento de Insuficiência Cardíaca Biventricular

O Aeson TAH (Coração Artificial Total Bioprotético) representa um avanço significativo no tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca biventricular em estágio terminal. Esse dispositivo inovador, aprovado na Europa como um ponte para o transplante, é implantado em pacientes com falência ventricular grave que não são adequados para terapia médica máxima ou implante de Dispositivo de Assistência Ventricular Esquerda (LVAD) e que possuem alta probabilidade de necessitar de transplante de coração dentro de 180 dias após a implantação do dispositivo.

O funcionamento do Aeson TAH é baseado em um sistema de autoregulagem que ajusta dinamicamente o volume e a pressão durante o ciclo cardíaco, imitando os movimentos fisiológicos de um coração humano saudável. O dispositivo utiliza um diafragma que move-se para frente e para trás, de acordo com a pressão ventricular e a pressão do alvo de entrada pré-estabelecida. Quando a diferença entre as pressões ventriculares e a pressão de entrada atinge o valor programado, a velocidade de movimento do diafragma é ajustada para otimizar o volume de ejeção sistólica e diastólica, o que garante a manutenção da função cardíaca.

Durante a fase diastólica, o dispositivo preenche os ventrículos, com o volume ajustado de acordo com a pressão da cavidade ventricular esquerda monitorada por sensores. Quando a pressão de entrada é mais baixa que o valor definido, a velocidade do diafragma é aumentada, o que leva a uma maior taxa de batimento e, consequentemente, ao aumento do débito cardíaco. A autonomia do dispositivo garante que o Aeson TAH consiga se adaptar continuamente às necessidades hemodinâmicas do paciente.

Além disso, a capacidade de autoregulagem do Aeson TAH proporciona um desempenho muito mais natural e ajustado às flutuações do retorno venoso, controlando o volume de cada batimento cardíaco e adequando o débito cardíaco a um intervalo de 2 a 9 L/min. O dispositivo pode variar sua taxa de batimento de 35 a 150 batimentos por minuto, com um volume máximo de ejeção de 58 ml. Essa adaptação dinânica do débito cardíaco conforme as demandas do paciente é um dos principais diferenciais do Aeson, permitindo que o dispositivo funcione de forma eficiente mesmo em estados clínicos variados.

A seleção dos pacientes para o implante do Aeson TAH envolve uma avaliação detalhada da anatomia do paciente, usando tomografia computadorizada torácica para medir as dimensões internas do tórax e criar uma renderização 3D do espaço torácico. Esse modelo 3D é crucial para avaliar a compatibilidade anatômica do dispositivo, garantindo que ele se encaixe adequadamente no corpo do paciente sem causar obstruções ou aderências. A implantação do dispositivo ocorre por meio de uma esternotomia, de maneira semelhante a uma cirurgia de transplante cardíaco, com remoção dos ventrículos nativos e substituição pelos ventrículos bioprotéticos do Aeson TAH. O dispositivo é então conectado aos vasos sanguíneos principais, como a artéria pulmonar e a aorta ascendente, e o driveline é posicionado para conectar o sistema ao controlador portátil.

Após a implantação, o acompanhamento hemodinâmico é essencial para garantir que o Aeson TAH esteja funcionando corretamente. A pressão sistólica e diastólica, bem como o débito cardíaco, são monitorados continuamente para ajustar os parâmetros do dispositivo. O uso de anticoagulantes é fundamental no pós-operatório para evitar complicações como trombose e hemorragias. Inicialmente, a heparina intravenosa é administrada, seguida por uma transição para heparina de baixo peso molecular (HBPM) e, eventualmente, ao uso de aspirina para prevenir eventos tromboembólicos a longo prazo.

Um dos maiores desafios na utilização de dispositivos de assistência ventricular ou corações artificiais é a compatibilidade hemodinâmica e a possibilidade de complicações como trombose ou hemorragia. O Aeson TAH apresenta um perfil de hemocompatibilidade altamente favorável, com baixo estresse de cisalhamento e preservação das estruturas vasculares, o que reduz significativamente o risco de complicações associadas ao fluxo sanguíneo. O dispositivo não induz hemólise e mantém as multímeras de alto peso molecular de von Willebrand, que são cruciais para a função normal da hemostasia.

Outro aspecto importante a ser observado é o controle de anticoagulação. A combinação de heparina de baixo peso molecular e terapia antiplaquetária, como o uso de aspirina, tem mostrado ser eficaz na prevenção de complicações trombóticas e hemorrágicas em pacientes implantados com o Aeson TAH. Esse regime de anticoagulação foi cuidadosamente calibrado para minimizar riscos, ao mesmo tempo que garante a preservação da função do dispositivo.

Em termos de resultados clínicos iniciais, a experiência com o Aeson TAH é promissora. Em 2013, a primeira implantação foi realizada com sucesso na França, e desde então diversos estudos clínicos estão em andamento. A observação de que o dispositivo pode funcionar como uma ponte eficaz para o transplante de coração é um avanço significativo para pacientes com insuficiência cardíaca grave. O Aeson TAH, com sua capacidade de autoregulagem, apresenta uma solução viável e menos invasiva para aqueles que enfrentam a perspectiva de falência cardíaca e que estão à espera de um transplante.

Além disso, a biocompatibilidade aprimorada e a capacidade de fornecer um débito cardíaco ajustado às necessidades do paciente são aspectos que tornam o Aeson TAH um modelo a ser seguido em futuras inovações no campo dos dispositivos de assistência ventricular e corações artificiais. A integração desse tipo de dispositivo com os cuidados pós-operatórios, incluindo anticoagulação e monitoramento contínuo, proporciona um caminho mais seguro e eficaz para pacientes em estado crítico.