O hallux rigidus é uma patologia degenerativa da articulação metatarsofalângica (MTF) do hálux, frequentemente associada a fatores mecânicos, traumáticos ou inflamatórios. Estudos demonstram que traumas agudos — como lesões em hiperextensão da placa plantar e do complexo sesamoideo, ou em hiperflexão plantar — podem provocar forças compressivas ou de cisalhamento que desencadeiam lesões condrais ou osteocondrais, dano capsular, sinovite e aderências intra-articulares, levando, por consequência, ao desenvolvimento do hallux rigidus. Essa condição é mais prevalente de forma unilateral em pacientes que relataram trauma prévio, independentemente da faixa etária.

Do ponto de vista radiológico, a classificação mais difundida é a de Hattrup e Johnson, baseada em alterações visíveis nas radiografias em carga. Ela se divide em três graus, variando desde formação leve de osteófitos com preservação do espaço articular (grau 1), até perda superior a 50% do espaço articular com cistos subcondrais (grau 3). Posteriormente, Coughlin e Shurnas ampliaram esse sistema com a introdução do grau 4, que incorpora parâmetros clínicos, especialmente o padrão de dor durante a mobilidade articular. Nessa nova classificação, a dor na amplitude média do movimento articular é característica dos estágios mais avançados da patologia.

Ainda que a classificação de Coughlin e Shurnas seja amplamente utilizada, críticas foram levantadas quanto à ausência de testes independentes de confiabilidade e validade. Além disso, estudos não encontraram correlação significativa entre o grau de rigidez articular e os níveis de dor medidos por escalas VAS, tampouco entre o grau e a quantidade de cartilagem residual, o que limita o uso dessa classificação como preditor de sucesso terapêutico.

Clinicamente, o hallux rigidus se manifesta por dor e rigidez na articulação MTF do hálux, exacerbadas por atividades que exigem dorsiflexão, como subir escadas ou correr. A dor costuma intensificar-se na fase terminal da marcha (lift-off), quando ocorre o pico de dorsiflexão. Há também casos em que o paciente relata parestesia na borda medial do hálux, resultante do impacto dos osteófitos dorsais sobre o nervo peroneal superficial. A dor pode manifestar-se tanto nos extremos de movimento quanto na amplitude média da dorsiflexão passiva, o que é relevante para o planejamento cirúrgico.

Alterações compensatórias podem ser observadas clinicamente, como hiperextensão interfalângica para compensar a limitação da MTF, o que pode culminar em deformidades ungueais e dor no primeiro ou segundo metatarsos devido à redistribuição da carga. Essa transferência de carga, quando significativa, pode ocasionar metatarsalgia de transferência ou hiperqueratose plantar. A marcha antálgica em supinação, desencadeada pela ação excessiva do tendão tibial anterior, é um outro mecanismo compensatório que contribui para desequilíbrios funcionais.

O tratamento conservador constitui a primeira linha terapêutica, particularmente nas fases iniciais da doença. Intervenções comuns incluem modificações no calçado, órteses plantares, fisioterapia, limitação de atividades e infiltrações intra-articulares com corticosteroides ou hialuronato de sódio. As órteses personalizadas demonstraram eficácia em até 47% dos casos, enquanto ajustes simples no calçado beneficiaram cerca de 10% dos pacientes. Modificações recomendadas incluem calçados com salto baixo e caixa frontal alta, que minimizam a compressão sobre a articulação comprometida.

A palmilha com extensão de Morton é amplamente empregada. Confeccionada com aço inoxidável ou grafite de carbono, essa extensão rígida inserida na sola limita a dorsiflexão do hálux durante a marcha, aliviando o estresse articular. Associada a solado em balanço (rocker sole), facilita a progressão do passo sem exigir flexão da articulação. Funcionalmente, as órteses podem atuar no restabelecimento do mecanismo de windlass, favorecendo a flexão plantar do primeiro metatarsal e promovendo melhor preparação do pé para a fase propulsiva da marcha.

É importante considerar que o manejo conservador visa não apenas à atenuação dos sintomas, mas também à preservação funcional da articulação. Embora não reverta o processo degenerativo, essas intervenções retardam a progressão da rigidez e adiam a necessidade de procedimentos cirúrgicos mais invasivos. A correta indicação e personalização dos dispositivos ortopédicos são fundamentais para o sucesso terapêutico, exigindo avaliação clínica criteriosa, incluindo a análise da marcha e das compensações biomecânicas envolvidas.

Além do que foi discutido, é essencial compreender que o hallux rigidus é uma condição de evolução variável e que sua expressão clínica pode ser desproporcional às alterações radiológicas. A avaliação do paciente deve, portanto, considerar o conjunto das manifestações funcionais e mecânicas, e não apenas os achados imagiológicos. A dor no movimento médio da articulação representa um marco clínico relevante, pois indica um envolvimento articular mais difuso e profundo, podendo refletir sinovite crônica e adesões intra-articulares que comprometem a mobilidade e amplificam a incapacidade. A identificação precoce desses sinais e a intervenção direcionada aumentam a probabilidade de sucesso do tratamento conservador e diminuem a necessidade de abordagens cirúrgicas precoces.

Como a Osteotomia do Primeiro Metatarso e a Artródisse Tripla Podem Melhorar a Deformidade do Pé Cavus

A correção da deformidade do pé cavus é um desafio complexo, e diversas técnicas cirúrgicas podem ser usadas para restaurar a função e a anatomia adequada do pé. Entre as abordagens mais comuns estão a osteotomia do primeiro metatarso e a artródisse tripla, que, quando combinadas corretamente, podem oferecer uma solução eficaz para deformidades severas.

A osteotomia do primeiro metatarso, frequentemente indicada para correções menores ou após ajustes no retropé, envolve um corte preciso no osso do primeiro metatarso, com o objetivo de corrigir o ângulo de deformidade e restaurar o alinhamento do pé. Este procedimento é particularmente útil quando o metatarso apresenta uma flexão plantar excessiva, característica comum da deformidade cavus, que pode ser causada por desequilíbrios musculares. Um detalhe importante durante a osteotomia é a preservação do córtex plantar do metatarso para garantir a estabilidade da fixação, além da possibilidade de ganho de comprimento ao permitir que o metatarso se desloque distalmente antes da fixação.

É importante observar que a transferência do tendão do perônio longo pode ser uma técnica complementar na correção do pé cavus, pois ajuda a enfraquecer a flexão plantar do primeiro raio. No entanto, esse enfraquecimento precisa ser considerado cuidadosamente durante a osteotomia para evitar uma correção excessiva que leve à transferência do peso para o segundo metatarso. Além disso, se a deformidade cavus do antepé for limitada a um ou dois metatarsos, a osteotomia isolada do primeiro metatarso pode ser suficiente.

A osteotomia do primeiro metatarso é comumente realizada em conjunto com uma artrodese da articulação interfalângica do hálux, caso haja deformidade em garra associada. Neste caso, a liberação da cápsula dorsal da articulação metatarsofalângica do hálux e a transferência do tendão do extensor longo do hálux são feitas antes da osteotomia. O tendão pode ser transferido para o primeiro metatarso ou para a região do médio pé, dependendo da preferência do cirurgião.

Já a artródisse tripla é uma opção segura e confiável para o manejo de deformidades cavus severas e rígidas. Esse procedimento envolve a fusão das articulações subtalar, talonavicular e calcaneocuboide, sendo eficaz na correção da deformidade, mas com a necessidade de cuidados adicionais para garantir resultados duradouros. A técnica de artródisse tripla, no entanto, não resolve todos os problemas, especialmente quando a deformidade é causada por desequilíbrios musculares ou contraturas de tecidos moles, como ocorre com muitas condições neuromusculares. A transferência do tendão tibial posterior é crucial para prevenir a recidiva da deformidade medial e o início de uma varização adducta do pé.

O método tradicional de artródisse tripla descrito por Hoke envolve uma incisão lateral e a fusão das articulações subtalar e talonavicular, além da remoção da cabeça e pescoço do talus. Em técnicas mais recentes, como a de Siffert, uma modificação da cabeça do talus é realizada para melhorar a correção da deformidade cavus, resultando até mesmo em um ganho de comprimento do pé.

A abordagem moderna da artródisse tripla para o pé cavus geralmente começa com uma única incisão lateral, que é estendida até a base do quinto metatarso, permitindo o acesso completo às articulações envolvidas. A articulação subtalar é preparada com a remoção da cartilagem e a utilização de um osteótomo curvo para desbastar as superfícies articulares, garantindo uma fusão estável. A artrodese calcaneocuboide é preparada de maneira semelhante, com o uso de uma lâmina de dissecção para acessar as articulações subjacentes. A articulação talonavicular pode ser abordada com a remoção da cartilagem e a preparação para correção da deformidade. Em deformidades mais severas, é possível realizar uma ressecção de cunha das articulações subtalar e calcaneocuboide, além de uma rotação lateral da articulação talonavicular.

Além de resolver a deformidade óssea, é essencial que o tratamento cirúrgico do pé cavus também inclua uma correção das anomalias musculares e das contraturas dos tecidos moles, frequentemente causadas por desequilíbrios musculares. A correção dos tendões e ligamentos ao mesmo tempo que as articulações são abordadas permite um resultado mais equilibrado e duradouro. A transferência do tendão tibial posterior, a liberação das cápsulas articulares e as correções no alinhamento das articulações podem ajudar a prevenir a recidiva da deformidade e melhorar a funcionalidade do pé no longo prazo.

Portanto, ao tratar o pé cavus, seja por meio de osteotomia do primeiro metatarso ou artródisse tripla, é vital que o cirurgião tenha em mente a necessidade de abordagem integrada das deformidades ósseas, musculares e dos tecidos moles. O sucesso do tratamento dependerá de uma análise cuidadosa do tipo e da gravidade da deformidade, além de uma execução precisa das técnicas cirúrgicas para garantir um resultado funcional e estético satisfatório.

Como Tratar a Osteomielite Crônica da Tíbia: Do Diagnóstico à Reabilitação

A osteomielite crônica da tíbia, comumente resultante de uma fratura exposta ou de tratamento cirúrgico inadequado com implantes metálicos, representa uma complicação grave e desafiadora para os profissionais de saúde. Seu manejo adequado exige uma abordagem meticulosa e multifacetada que envolve desde a erradicação da infecção até a estabilização do osso e a reconstrução dos tecidos afetados.

O primeiro passo no tratamento da osteomielite crônica da tíbia é a erradicação da infecção. Para isso, é fundamental realizar uma ressecção radical do tecido ósseo comprometido, removendo toda a área de osso desvitalizado até atingir uma margem de osso saudável. A identificação da margem saudável é visualizada através do sinal de Paprika, que é caracterizado por um sangramento pontiforme. A remoção de implantes metálicos contaminados também é imprescindível, já que esses dispositivos, muitas vezes revestidos por biofilmes bacterianos, perpetuam a infecção. Estudo de Simpson et al. [120] mostrou que a ressecção ampla, com margens de pelo menos 5 mm de tecido saudável, reduz consideravelmente a taxa de recorrência da infecção. A escolha da quantidade exata de ressecção, no entanto, pode ser planejada com base em exames de imagem, como a ressonância magnética, que permite uma visualização precisa das áreas comprometidas.

Além disso, a biopsia de fístulas drenantes deve ser considerada, pois em uma pequena porcentagem de pacientes com osteomielite crônica, essas fístulas podem evoluir para um carcinoma espinocelular (úlcera de Majorlin) [138]. O cuidado durante a ressecção dessas fístulas é essencial para a prevenção de complicações malignas.

A terapia antibiótica sistêmica desempenha um papel complementar à intervenção cirúrgica, mas não deve ser considerada isoladamente como tratamento curativo. A concentração do antibiótico no osso saudável atinge apenas 20% dos níveis plasmáticos, o que é insuficiente para erradicar a infecção no tecido ósseo infectado, onde a concentração do fármaco é ainda mais baixa devido à presença de tecido necrótico e biofilmes bacterianos. Tradicionalmente, o tratamento intravenoso de antibióticos é administrado por 4 a 6 semanas, seguido por um curso adicional de antibióticos orais. No entanto, estudos recentes, como o de Rombach et al. [142], demonstraram que o tratamento antibiótico oral não é inferior ao intravenoso, desde que a bactéria seja sensível ao antibiótico utilizado. A escolha do tipo de antibiótico deve ser guiada pelo antibiograma, que ajusta o tratamento de acordo com o perfil de resistência da infecção.

Em relação à terapia antibiótica local, o uso de espaçadores de polimetilmetacrilato (PMMA) impregnados com antibióticos se mostrou eficaz para alcançar concentrações adequadas do fármaco no local da infecção. Os espaçadores podem ser configurados em forma de esferas ou bastões fenestrados, sendo que o aumento da superfície de contato melhora a eficácia do tratamento. Em um modelo experimental, o uso de esferas de gentamicina demonstrou um controle de infecção de 79%, enquanto a combinação dessa terapia com antibióticos intravenosos resultou em 100% de controle de infecção [147].

Após a ressecção do tecido infectado e a administração de antibióticos locais, a estabilização do segmento ósseo é essencial para garantir a recuperação funcional do paciente. Diversas alternativas de fixação externa estão disponíveis, e a escolha do método dependerá de fatores como a localização do defeito ósseo, o tamanho da falha, a proximidade das articulações e a presença de deformidades angulares ou encurtamento. A técnica de reconstrução óssea será determinada com base nesses fatores, e a reabilitação do paciente deve ser planejada de acordo com o progresso da cicatrização óssea.

A osteomielite crônica da tíbia em adultos é uma complicação devastadora, com tempos de tratamento longos, custos elevados e risco significativo de perda de membro. O diagnóstico precoce e a intervenção adequada são fundamentais para evitar a progressão da infecção e suas complicações. O tratamento de osteomielite deve ser realizado em estágios, sendo o primeiro objetivo a erradicação total da infecção, o que permite a realização de procedimentos reconstrutivos subsequentes. A abordagem cirúrgica, a terapêutica antibiótica e a estabilização óssea são peças-chave para o sucesso do tratamento.

Como a Gestão Adequada de Feridas Cirúrgicas Impacta os Resultados em Cirurgias de Pé e Tornozelo

A cicatrização de feridas é um componente essencial no sucesso das cirurgias de pé e tornozelo, áreas anatômicas de alta demanda funcional. Embora a pele não seja o principal foco nas cirurgias desta região, uma ferida mal curada pode resultar em graves complicações, como infecções, exposição de ossos e dispositivos de osteossíntese, ou ainda, consolidar-se de maneira inadequada. A falha na cicatrização pode ser problemático tanto do ponto de vista funcional quanto estético, gerando incômodos para o paciente, que podem demandar múltiplas consultas e levar a discrepâncias nos resultados.

É importante que os profissionais de saúde envolvam-se ativamente na prevenção e gestão das feridas cirúrgicas, com o objetivo de alcançar os melhores resultados possíveis, tanto em termos de cura quanto na recuperação funcional do paciente. O manejo adequado das feridas vai além de uma simples ação de sutura; envolve considerações detalhadas sobre o tipo de ferida, sua localização e as técnicas utilizadas na cirurgia. Isso é particularmente relevante no contexto das cirurgias de pé e tornozelo, áreas que, devido à sua anatomia e função, demandam um cuidado específico.

A anatomia da região do tornozelo e do pé apresenta características que tornam o tratamento de feridas nessa área ainda mais desafiador. A pele da parte distal da perna e ao redor do tornozelo é fina e possui pouca camada de tecido subcutâneo, o que a torna vulnerável a lesões. Além disso, as estruturas essenciais, como ossos e tendões, estão mal cobertas e são facilmente expostas em casos de trauma. A pele glabra da planta do pé, por outro lado, é mais espessa e firme, adaptada para resistir ao peso do corpo, o que a torna mais resistente a lesões, mas não imune a complicações quando ocorre uma ferida.

Quando se trata de cirurgias eletivas ou trauma, a abordagem no cuidado pós-operatório das feridas deve considerar essas particularidades anatômicas, para garantir que as forças de compressão, tensão e movimentação não comprometam o processo de cicatrização. A aplicação de técnicas adequadas de fechamento de feridas, controle da pressão sobre as áreas afetadas e a prevenção de infecções são medidas cruciais para evitar complicações. A escolha do tipo de sutura, o uso de curativos e a prescrição de antibióticos podem fazer toda a diferença para a recuperação do paciente.

Em caso de complicações, como deiscência (quando as bordas da ferida se separam) ou formação de cicatrizes patológicas, a intervenção precoce é fundamental. Tais complicações podem resultar em uma recuperação mais prolongada ou até em danos funcionais duradouros, que podem comprometer a mobilidade do paciente e afetar a qualidade de vida. Quando necessário, a colaboração com especialistas em cirurgia plástica é essencial para melhorar o aspecto estético da cicatriz e, em alguns casos, corrigir deformidades resultantes do processo cicatricial.

Além disso, é importante destacar que o manejo das feridas cirúrgicas não deve se restringir apenas ao tratamento imediato, mas também ao acompanhamento contínuo durante a fase de recuperação. A vigilância constante, o manejo de possíveis infecções e a avaliação periódica da cicatrização são práticas fundamentais para garantir uma recuperação sem intercorrências.

Em relação ao tipo de cirurgia, as abordagens minimamente invasivas, como a artroscopia, podem ter vantagens significativas, já que geralmente causam menos trauma nos tecidos, levando a uma recuperação mais rápida e a menores chances de complicações nas feridas. Porém, mesmo nessas técnicas, o cuidado com a ferida operatória é crucial, uma vez que a área do tornozelo e do pé é mais suscetível à infecção devido à sua proximidade com o solo e ao uso contínuo após a cirurgia.

O profissional responsável pela cirurgia deve estar atento às características do paciente, como a presença de doenças crônicas que possam interferir no processo de cicatrização, como diabetes ou insuficiência venosa, condições que podem prolongar o tempo de recuperação e aumentar o risco de complicações. Portanto, a avaliação pré-operatória cuidadosa, incluindo o controle adequado de doenças pré-existentes, é um fator determinante para o sucesso do procedimento e a eficácia do tratamento das feridas pós-operatórias.

Outro aspecto relevante é o impacto psicológico que uma cicatriz visível ou disforme pode causar no paciente. Em casos de cirurgias complexas, como as realizadas no pé e tornozelo, que frequentemente ficam expostas, a qualidade estética da cicatriz pode influenciar diretamente o bem-estar emocional do paciente. A dor, o desconforto estético e a possibilidade de dificuldades futuras de mobilidade tornam-se fatores cruciais no processo de reabilitação, sendo fundamental o acompanhamento psicossocial para auxiliar no enfrentamento desses desafios.

É importante lembrar que, embora a recuperação funcional seja o principal objetivo da cirurgia, a atenção ao aspecto estético e à minimização de complicações é igualmente relevante. A satisfação do paciente com o resultado final não se baseia apenas na funcionalidade, mas também no aspecto visual da cicatriz, que pode afetar sua autoestima e confiança.

Como corrigir a deformidade do pé cavovaro em pacientes com CMT: abordagens cirúrgicas e considerações clínicas

O tratamento das deformidades nos pés de pacientes com Charcot-Marie-Tooth (CMT) exige um enfoque cirúrgico cuidadoso, especialmente no que tange ao equilíbrio muscular e correção das deformidades associadas, como a supinação dinâmica e a varo do retropé. A transferência do tendão do tibial anterior para a região dorsolateral do pé é uma estratégia comum para corrigir a supinação dinâmica. A escolha da técnica de transferência depende da fraqueza de evulsão e da gravidade da deformidade, sendo que uma transferência parcial para o cuneiforme lateral é preferível quando a força do perônio é de 4 em 5 ou maior, enquanto transferências completas podem ser necessárias em casos de função do perônio insuficiente.

Nos casos de supinação fixa e função fraca ou ausente de dorsiflexão e evulsão, pode-se considerar a transferência do tendão tibial posterior, parcial ou total, através da membrana interóssea até o cuneiforme lateral. Se a função de evulsão estiver completamente ausente, a transferência pode ser feita até o cuboide. É imprescindível realizar a liberação da fáscia plantar, do músculo abdutor do hálux e da cápsula articular talonavicular, quando necessário, além de garantir a correção do varo do retropé para evitar recorrência ou persistência da deformidade.

Em um estudo realizado por Dreher et al., observou-se uma melhoria significativa na dorsiflexão ativa e balanceada durante a fase de balanço, com manutenção da flexão plantar ativa após a transferência total do tendão tibial posterior em adultos com CMT. No entanto, a literatura é escassa em relação à eficácia dessa técnica em crianças, e não há consenso sobre a idade mínima para a realização de uma transferência do tibial posterior. Turner e Cooper relataram uma coorte de 33 pacientes pediátricos com deformidades do tipo equinovaro provenientes de várias etiologias, com idades entre 1 e 25 anos. A sobrecorreção foi mais prevalente entre crianças com paralisia cerebral espástica e espinha bífida.

Quando se observa uma deformidade cavovaro com equinismo concomitante, a correção precisa ser cuidadosa. O encurtamento do tendão de Aquiles, que é uma das principais causas do equinismo, pode ser tratado com alongamentos, como a técnica de alongamento em Z, indicada quando o grau de equinismo é superior a 10 graus com o joelho estendido, e não há risco de alongamento excessivo. Em casos com equinismo de menos de 10 graus, uma ressecção do gastrocnêmio e sóleo, ou uma liberação percutânea do tendão de Aquiles, pode ser eficaz.

A presença de deformidades nos dedos, como os dedos em martelo, também deve ser avaliada. Se as deformidades forem flexíveis, uma tenotomia distal do flexor longo dos dedos é indicada, podendo ser necessário o uso de pinos temporários. Para os dedos em garra flexíveis, a maioria dos cirurgiões realiza uma modificação do procedimento de Jones, realizando uma fusão da primeira articulação interfalângica com a transferência do extensor longo do hálux para a região dorsal da cabeça do metatarso. Nos casos mais rígidos, pode ser necessário realizar artrodeses ou artroplastias para corrigir as deformidades fixas e sintomáticas.

Outro aspecto crucial é a avaliação das deformidades tibiais, tanto coronais quanto rotacionais, que podem exigir osteotomia supramaleolar se houver presença de deformidade. A sobrecarga lateral crônica do pé e tornozelo, associada a um alinhamento rígido de varo do retropé, pode resultar em instabilidade lateral do tornozelo, condição que pode necessitar de reparos ligamentares laterais, caso a articulação esteja saudável. Em casos de instabilidade lateral com degeneração do tornozelo, a artroplastia ou artrodese pode ser necessária.

Em relação à correção gradual da deformidade, o uso de fixadores externos circulares deve ser restrito a casos raros, onde deformidades severas não possam ser corrigidas de forma aguda ou quando a estrutura de tecidos moles do paciente não permitir abordagens cirúrgicas convencionais. A correção por distração de tecidos moles é geralmente possível em crianças com menos de 8–10 anos, mas pode ser necessário realizar osteotomias adicionais em pacientes mais velhos. No entanto, o uso de fixadores externos está associado a complicações como infecções e dor no local do pino, além de rigidez residual e recorrência.

Por fim, a artrodese e ressecções grandes de cunha devem ser consideradas apenas em crianças mais velhas, com deformidades rígidas e severas. A artrodese trifásica, embora seja uma técnica poderosa, geralmente deixa o pé rígido e encurtado. Para pacientes acima de 8 anos com doenças não progressivas, os resultados são melhores, mas a artrodese por si só não corrigirá a pronação do antepé ou o desequilíbrio muscular, sendo necessários outros procedimentos para abordar essas questões.