A liberdade, celebrada como pilar essencial das democracias modernas, carrega em si um paradoxo sutil, mas perigoso. Quando não é temperada pela razão, pela virtude e pela moderação, ela pode abrir espaço para a ascensão da tirania. O exemplo contemporâneo mais marcante é o da era Trump, em que as normas de civilidade e decoro político foram ignoradas ou distorcidas por um líder que soube instrumentalizar o discurso público em seu favor. O resultado foi a substituição da verdade pelo poder, e a democracia, em vez de ser protegida pela liberdade, foi corrompida por ela.
O problema central aqui não está apenas na mentira — embora o uso contínuo e impune da mentira tenha sido um elemento chave. Está na capacidade que o poder tem de manipular a verdade e, assim, reconfigurar todo o jogo democrático. Quando a verdade deixa de ser critério central para o debate público e cede lugar ao controle do discurso, à desinformação estratégica e à construção deliberada da ignorância, a própria democracia entra em colapso silencioso. Nessa dinâmica, o líder mais tirânico não é o que impõe a força bruta, mas aquele que transforma o espaço público num espetáculo em que os fatos são irrelevantes, os valores são manipulados, e a razão é tratada como fraqueza.
A liberdade sem limite não apenas distorce a verdade, como também implode o próprio sujeito livre. O indivíduo, sem freios internos, torna-se refém de suas paixões, das suas crenças mais viscerais, da propaganda e da influência emocional de massas. John Stuart Mill, Immanuel Kant, Locke, Jefferson — todos eles compreenderam que a liberdade só se sustenta se for acompanhada por um projeto de formação moral e racional do cidadão. Caso contrário, ela degenera em capricho, irracionalidade e, paradoxalmente, em novas formas de opressão.
Jefferson alertava contra a “tirania sobre a mente”, aquela que se instala não com armas, mas com a colonização do pensamento, com o abandono da razão, com o desprezo à verdade. A liberdade de imprensa, de religião e de expressão são conquistas fundamentais. Mas sem um ethos racional e ético que as sustente, tornam-se ferramentas perigosas, capazes de servir aos interesses do mais inescrupuloso.
O que vemos, portanto, não é apenas uma crise da verdade, mas uma crise da própria liberdade. Ela foi concebida para combater os dogmas do passado — das igrejas autoritárias, dos monarcas absolutistas —, mas hoje pode ser manipulada por aqueles que aprenderam a usar o vocabulário da democracia contra ela mesma. Essa é a lógica do tirano moderno: não é necessário calar os adversários, basta ridicularizá-los, relativizar tudo, destruir o solo comum da razão. O que importa não é convencer, mas vencer.
O antídoto permanece o mesmo desde os tempos de Sócrates: conhe
Qual o Papel da Amizade Filosófica na Política e na Vida Social?
Na vida cotidiana, somos confrontados com personagens de um tipo social que pode ser tirânico, bajulador e, por vezes, burro. Esses personagens estão presentes no pátio da escola, nas salas de reuniões das grandes corporações e até dentro das famílias. A descrição desses tipos sociais disfuncionais, que dominam muitas das interações humanas, se opõe a uma relação social mais saudável e virtuosa, que pode ser melhor descrita como uma verdadeira amizade, ou uma amizade filosófica. É nessa amizade que encontramos a compaixão, a solidariedade, o amor e o respeito.
Platão, um dos maiores filósofos da antiguidade, sugere que a verdadeira amizade está ausente entre tiranos, bajuladores e imbecis. Para ele, a amizade genuína está ligada à liberdade: amigos respeitam a liberdade uns dos outros. O amor entre amigos é de tal natureza que ele eleva, sustenta a liberdade, a virtude e a sabedoria. Essa amizade ideal de Platão, frequentemente chamada de “amor platônico”, supera o desejo possessivo e a sexualidade erótica. É uma amizade fundada no respeito e na responsabilidade. Os tiranos, conforme Platão observa, carecem dessa amizade verdadeira. Eles veem os outros como simples objetos, como gado a ser manipulado, e se percebem como deuses ou senhores, considerando todos os demais como propriedades ou brinquedos. Os bajuladores também falham em desenvolver amizades genuínas, pois sua vida social gira em torno do poder do tirano. Eles competem entre si pelo prestígio e pelo acesso ao poder, enquanto buscam agradar a todos ao seu redor. Já os imbecis, em sua maioria, se interessam mais pelo prazer, pela diversão e pela distração. Eles podem ter amigos para beber, mas esses não são amigos verdadeiros.
A amizade genuína, no entanto, oferece um antídoto para essas relações sociais corrompidas e corruptoras. Como Aristóteles desenvolve em sua obra "Ética a Nicômaco", existem três tipos de amizade que correspondem a três partes diferentes da alma humana. O primeiro tipo é a amizade do prazer, que é a mais baixa, onde amigos se reúnem apenas para se divertir e passar o tempo. O segundo tipo é a amizade de utilidade, que se estabelece no contexto de relações de negócios ou cooperação social, visando bens externos. Finalmente, a amizade mais elevada, aquela que Platão e Aristóteles tanto previam, é a amizade virtuosa, que se dedica à busca da virtude e da sabedoria. Aqui, os amigos se unem em uma jornada para alcançar o maior bem: a verdade e o desenvolvimento moral.
Essas três formas de amizade oferecem pistas claras sobre o que falta nos tiranos, bajuladores e imbecis. Os imbecis permanecem presos ao prazer imediato e à diversão, sem reflexão sobre suas ações, o que os torna facilmente manipuláveis por figuras autoritárias. Os bajuladores, por sua vez, estão focados em obter bens externos, como prestígio e poder. Já o tirano falha gravemente ao acreditar que sua própria personalidade representa o maior bem possível, confundindo-se com uma figura divina ou incontestável, sem trabalhar para desenvolver sabedoria ou virtude.
A amizade filosófica, por sua natureza, envolve constante autoexame e auto-limitação. As melhores amizades nos desafiam a refletir sobre nossas próprias ações e valores. Elas nos ajudam a cultivar virtude, nos lembrando que o prazer e os bens materiais não são fins em si mesmos, mas meios para alcançar uma vida mais plena e virtuosa. Ao mesmo tempo, essas amizades respeitam a autonomia do outro, sem tentar moldá-lo de acordo com nossos próprios interesses.
Este conceito de amizade filosófica tem profundas implicações políticas. Para um verdadeiro patriota, o amor à pátria está intimamente ligado ao amor pela sabedoria que se manifesta na amizade filosófica. O cidadão filósofo não vê sua pátria como algo a ser idolatrado cegamente, mas sim como uma comunidade à qual ele deve lealdade, porém sempre com a disposição de questionar e persuadir seus compatriotas a buscar a virtude e a sabedoria. A figura de Sócrates, em sua vida e morte, exemplifica essa ideia. Em "Crito", o diálogo platônico que se passa enquanto Sócrates espera sua execução, ele recebe a oportunidade de escapar da prisão, mas escolhe permanecer, alegando que sua lealdade à cidade de Atenas era superior a qualquer desejo pessoal de sobrevivência. Sócrates acredita que a cidade é como um pai, e que obedecer à sua lei, mesmo que injusta em sua própria condenação, era um dever sagrado.
No entanto, essa visão paternalista do estado, embora profundamente enraizada no pensamento de Sócrates, é passível de críticas na filosofia política moderna, que não vê mais a pátria como uma figura mítica, mas como uma construção política que deve ser constantemente questionada. Ainda assim, a lição principal é que o filósofo, mesmo em relação ao estado, deve sempre agir com sabedoria, buscando convencer seus concidadãos por meio de argumentos, não pela violência. O verdadeiro patriota filosófico não recorre à força para impor sua visão de mundo, mas busca, por meio da argumentação, incentivar a sua comunidade a buscar uma vida virtuosa e sábia.
Essa relação com o estado, exemplificada por Sócrates, nos dá uma pista sobre como a amizade filosófica pode funcionar como uma força corretiva na política. O verdadeiro amigo filosófico, seja no âmbito pessoal ou público, desafia a visão egoísta e autoritária do mundo, lembrando constantemente de que o objetivo último de nossa vida é a busca pela virtude, pela sabedoria e pela liberdade autêntica.
Como a Retórica Política Pode Criar e Manter uma Cultura de Submissão e Conflito
O discurso político, especialmente o proferido por líderes carismáticos, tem o poder de moldar profundamente a percepção das massas, canalizando emoções coletivas em direção a objetivos ideológicos específicos. Uma das estratégias mais eficazes é o uso de uma linguagem que transmita uma sensação de urgência, de luta contra um inimigo comum e de uma missão maior. Isso pode ser visto em momentos cruciais da história recente, como nas falas de Donald Trump, que, em suas manifestações públicas, frequentemente evocava imagens de resistência heroica e de uma batalha pelo que ele e seus seguidores viam como a “verdadeira” América.
Em 6 de janeiro de 2021, durante um comício em Washington D.C., Trump disse, de maneira enfática, “Nós amamos você. Você é muito especial.” Essas palavras, ditas a uma multidão já inflamada, podem ser vistas como um aceno direto à ideologia de uma luta heroica e justa. Essa retórica não apenas procurou solidificar um vínculo emocional com seus apoiadores, mas também preparou o terreno para ações mais extremas, como se viu na invasão do Capitólio no mesmo dia. O clima criado pelo discurso parecia uma convocação para uma cruzada, onde os participantes se viam como heróis lutando contra um sistema corrupto e uma democracia fragilizada.
O efeito dessa linguagem não é meramente emocional, mas também profundamente político. A retórica de “traição” e “justiça” pode ser entendida como um mecanismo de coesão para um grupo que sente ter sido marginalizado ou atacado por elites políticas e midiáticas. Isso, como mostra Carl Schmitt em sua obra Teologia Política, é um exemplo claro de como o líder pode centralizar o poder em torno de sua figura, criando uma narrativa onde a soberania do povo, muitas vezes simbolizada em um "líder forte", se sobrepõe ao sistema legal e institucional tradicional.
A história da política está cheia de exemplos dessa dinâmica, onde líderes carismáticos e populistas se apresentam como a última linha de defesa contra uma ameaça existencial. No caso dos Estados Unidos, a estratégia de Trump seguiu esse padrão, mas com uma ênfase particular na criação de uma “seita” de seguidores incondicionais, dispostos a acatar suas ordens, mesmo quando essas se colocavam contra normas democráticas e legais. A lealdade incondicional de muitos de seus apoiadores a ele reflete uma adaptação do conceito clássico de tirania, onde o líder se torna a representação do desejo do povo, independentemente das formas tradicionais de governança ou justiça.
O que torna este fenômeno ainda mais interessante é o uso de um elemento quase messiânico na política. O próprio Trump, em suas declarações, se apresentou como o salvador, alguém que oferecia a “verdade” e a “justiça” em tempos de confusão. Essa narrativa de um líder como um redentor é um reflexo de um tipo de teologia política que remonta à Antiguidade e à Idade Média, onde o soberano era visto como uma figura quase divina, cuja vontade não poderia ser questionada.
O conceito de tirania, como discutido por filósofos como Niccolò Maquiavel e Thomas Hobbes, também é central para compreender a ascensão de figuras políticas como Trump. A tirania, longe de ser apenas uma forma de governo repressivo, pode ser uma estrutura que se sustenta pela legitimação de um poder “ilimitado” dado ao líder, que promete, em troca, a defesa de um ideal supremo. No caso de Trump, esse ideal era a restauração de um “passado glorioso” e o retorno ao que ele considerava ser os verdadeiros valores da nação.
Contudo, em um cenário de crescente polarização, essa retórica se torna uma faca de dois gumes. De um lado, ela cria uma coesão interna entre os que compartilham a mesma visão; de outro, ela contribui para um clima de hostilidade, onde qualquer oposição ao líder é considerada uma traição. A retórica de Trump, especialmente em relação aos eventos de janeiro de 2021, ilustrou como um discurso pode incitar ações extremas e como essa cultura de "guerra" pode ser alimentada pela própria linguagem de um líder.
Além disso, é crucial compreender o papel do sentimento de impunidade que permeia esse tipo de governança. Quando Trump afirmou que poderia "atirar em alguém na rua e não perderia nenhum eleitor", ele não estava apenas fazendo uma piada, mas refletindo um fenômeno mais profundo: a sensação de que sua base de apoio estava tão incondicionalmente alinhada a ele que poderia aceitar qualquer ato de violência ou imoralidade em nome da lealdade.
Portanto, a retórica política não é apenas uma ferramenta de comunicação, mas uma força formativa que molda a estrutura do poder e da submissão em uma sociedade. Para entender o impacto real desses discursos, é necessário observar não apenas os eventos imediatos que eles desencadeiam, mas também os efeitos duradouros sobre a cultura política e social de uma nação. A manipulação emocional e ideológica das massas por meio da retórica pode criar uma dinâmica onde o poder se torna quase absoluto, e onde as normas democráticas e de justiça são distorcidas para servir à vontade de um líder.
O que se deve perceber, ainda, é que a retórica não é apenas um produto do momento, mas uma ferramenta utilizada para perpetuar um regime de poder. Quando a política se torna uma “guerra” contínua, os que permanecem fiéis ao líder se tornam cada vez mais dispostos a aceitar qualquer ato de violência ou repressão, sem questionar sua moralidade ou legitimidade. O desafio para os cidadãos e para as instituições democráticas é, portanto, como resistir a essa manipulação sem cair na armadilha da polarização radical.

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