A inevitabilidade da ascensão fascista na Itália exigiu uma delicada articulação política para evitar derramamento de sangue, e para isso, o envolvimento do rei foi crucial. O contato com Vittorio Emanuele III se deu por meio da Rainha Mãe, Margarida de Saboia, cuja simpatia aberta pelo fascismo e seu hábito de acompanhar o jornal Il Popolo d’Italia a tornaram uma peça-chave. Em 16 de outubro, altos membros do Partido Nacional Fascista, incluindo aristocratas e militares, reuniram-se com ela para assegurar seu apoio, confiantes de que sua influência garantiria a anuência real. Margarida reconheceu a disciplina e organização das Milícias fascistas, prometendo intervir junto ao rei, numa tentativa de conter a crise dentro de um âmbito político, evitando o confronto direto com o exército.

Esse episódio revela a complexidade das alianças entre poder monárquico e movimentos radicais, mostrando como decisões tomadas fora do parlamento, em círculos restritos e com forte componente pessoal, podem definir rumos históricos. A compreensão do fascismo italiano não se limita ao discurso ideológico ou à violência explícita, mas também às negociações internas e conchavos que facilitaram sua legitimação.

De forma paralela, o exemplo da ascensão de Donald Trump ao controle do Partido Republicano nos Estados Unidos evidencia como fragmentações internas e a insatisfação com a ordem estabelecida podem redefinir uma força política. Embora inicialmente rejeitado por muitos, Trump soube explorar as fissuras existentes dentro do partido, capitalizando o ressentimento contra a elite política tradicional e posicionando-se como um outsider que não precisava da unidade clássica para triunfar. Sua narrativa direta, desprovida das sutilezas típicas da política, desafiou o aparato institucional e reorganizou a base eleitoral republicana.

A dinâmica interna do Partido Republicano antes e durante a presidência Obama, marcada por divisões ideológicas e táticas — como a oposição ao orçamento e as batalhas entre facções libertárias e conservadoras — mostrou um cenário propício para uma reestruturação radical. Trump incorporou o sentimento de descontentamento, rompendo com ortodoxias sobre comércio, segurança e política econômica, e trazendo à tona aspectos mais controversos e racistas do eleitorado, que líderes tradicionais não reconheciam plenamente.

Assim, tanto o caso italiano quanto o americano exemplificam como mudanças políticas profundas não ocorrem apenas por força da retórica ou do carisma individual, mas pela convergência de fatores institucionais, sociais e pessoais. A fragilidade ou complacência das estruturas de poder, aliada à capacidade de mobilização de lideranças que captam o zeitgeist — o espírito do tempo — pode transformar partidos e regimes, muitas vezes com consequências dramáticas.

Importa ao leitor perceber que esses processos não são inevitáveis nem instantâneos. Eles dependem de um conjunto de condições políticas, culturais e históricas, onde alianças discretas e decisões aparentemente secundárias têm papel decisivo. Além disso, a emergência de lideranças populistas e autoritárias costuma ocorrer em contextos de crise e fragmentação, onde a apatia ou o medo das elites políticas levam à entrega de legitimidade a forças que desafiam a ordem democrática.

O entendimento completo desses fenômenos exige atenção às interações entre os atores políticos formais e informais, à importância do apoio institucional, e à forma como as bases eleitorais se transformam em resposta a narrativas simplificadas e mobilizadoras, muitas vezes explorando medos e preconceitos subjacentes. Assim, as lições contidas nesses exemplos servem para compreender os mecanismos internos que possibilitam o avanço de regimes autoritários e o colapso das resistências democráticas.

Como Mussolini Conquistou o Poder: Estratégia e Desespero na Marcha sobre Roma

A cidade resistiu por três dias. As barricadas construídas com carrinhos de mercado e pedras arrancadas das ruas eram a última linha de defesa de uma Itália à beira do colapso. A violência tomou conta do país, e mesmo os setores mais hesitantes da direita histórica começaram a perceber que não seria possível governar sem, ou contra, o Fascismo. O consenso em torno do movimento fascista disparou. A adesão ao sindicato fascista subiu de 450.000 membros em junho de 1922 para 700.000 em setembro. O jornal Il Popolo d’Italia viu seu número de leitores crescer exponencialmente. Curiosamente, este crescimento, especialmente entre os trabalhadores, colocou Mussolini diante de sua ameaça mais séria. Era o começo de um período decisivo para o futuro do Partido Nacional Fascista (PNF).

O fascismo, então, enfrentava vários desafios. O mais perigoso era o fato de que seus membros sentiam-se abandonados pelo Partido, o que poderia gerar um confronto interno entre as facções fascistas urbanas e rurais. Para evitar a falência do Partido e uma guerra civil entre essas facções, o poder precisaria ser tomado rapidamente. Em outubro de 1922, o fascismo italiano parecia à beira de um abismo, sem um futuro claro. No entanto, foi precisamente essa falta de perspectiva que trouxe Mussolini de volta dessa crise existencial. Ele sabia que um caminho legal para o poder seria longo demais. A única solução era conquistar o poder por meio de uma demonstração de força: uma marcha rápida sobre Roma.

Entretanto, o PNF não possuía uma milícia bem treinada. Mussolini percebeu que o melhor caminho seria a via parlamentar, que também deveria ser percorrida com urgência. Ele habilidosamente se deixou cortejar por todos os líderes liberais e conservadores que queriam formar um governo estável com seu apoio, fazendo com que acreditassem que ele não tinha ambições e que até estava disposto a tomar a difícil tarefa de atirar nos fascistas, caso fosse necessário. Ele jogava com as rivalidades, ambições e ambiguidades dos diversos líderes políticos, explorando suas hipocrisias e manipulando-os, sem limites. Mussolini estava, de fato, enganando-os todos.

Entretanto, o governo de Luigi Facta, que substituiu o governo Bonomi na primavera de 1922, já enfrentava uma pressão imensa. Em agosto do mesmo ano, uma segunda administração Facta assumiu. Mussolini sabia que para que os eventos se desenrolassem a seu favor, precisaria negociar com todos os lados. Italo Balbo foi nomeado para treinar uma milícia, mas rapidamente apontou que os homens sob seu comando eram um "bando" impossível de disciplinar. No entanto, a intuição política de Mussolini brilhou mais uma vez: ele decidiu usar essa milícia como uma arma psicológica para pressionar o establishment político, forçando-o a se submeter à sua vontade.

Essa pressa em agir exigiu mais recursos do que os doações espontâneas poderiam oferecer. A busca por financiamento tornou-se crucial. Balbo, novamente, teve papel importante, conseguindo cinco milhões de liras dos maçons. Outras doações viriam de várias fontes: vinte milhões da associação bancária, seis milhões dos agrários e uma quantia considerável dos industriais de Milão. Mussolini, por sua vez, testava o terreno, vazando informações sobre a Marcha sobre Roma para os jornais, mas, estranhamente, não houve qualquer reação indignada. Nenhum líder político protestou. Nenhum se mostrou preocupado.

Habilidoso, Mussolini também soube manipular o primeiro-ministro Facta, fazendo-o acreditar que, se seu governo caísse, ele poderia formar outro com o apoio fascista. Esse jogo de intrigas, que incluía até mesmo manipular Giolitti, mostrou-se eficaz. Para que o governo Facta caísse, Mussolini pediu ajuda a Salandra, e em 17 de outubro de 1922, Salandra convenceu seu único ministro no governo, Vincenzo Riccio, a pedir demissão. A crise estava instaurada.

No dia 21 de outubro de 1922, a liderança fascista entregou o poder aos quadrumviri Balbo, De Bono, De Vecchi e Bianchi. Sob suas ordens, os fascistas de diversas regiões da Itália convergiram para as principais cidades, assumindo o controle dos centros urbanos estratégicos. Mussolini deixou claro que a Marcha sobre Roma era apenas uma formalidade, uma demonstração de força, um golpe psicológico. Esse comportamento de bluff, típico de sua personalidade, evidenciava sua astúcia política, mas também seu caráter impiedoso na busca pelo poder.

A tomada do poder não foi, como muitos imaginam, um ato de pura força bruta. Foi uma sequência de manobras habilidosas, dissimulação e manipulação psicológica, onde Mussolini explorou as fraquezas do sistema político italiano da época. O que parecia ser um movimento espontâneo de insurgentes foi, na verdade, uma ação meticulosamente planejada, apoiada por financiamentos estratégicos e uma habilidade política única. Mussolini não apenas levou seu partido à vitória, mas também estabeleceu um precedente para o uso do poder como uma ferramenta psicológica e política.

Quais são as semelhanças entre Mussolini e Trump na relação com o poder, a mídia e o isolamento nacional?

Ambos, Mussolini e Trump, apresentam uma figura política marcada por um narcisismo extremo e uma relação volátil com a verdade, ignorando a ideia de uma realidade compartilhada e objetiva. A filosofia do não-contraditório, que pressupõe coerência entre as palavras e ações, é inexistente em Trump, que frequentemente contradiz suas próprias declarações num curto espaço de tempo. Mussolini, por sua vez, demonstrou uma habilidade notável para explorar circunstâncias políticas e manipular narrativas em benefício próprio, mesmo que isso significasse mudar radicalmente de posição, como quando aderiu à intervenção na Primeira Guerra Mundial esperando um desfecho rápido para garantir a Itália no futuro equilíbrio geopolítico.

No caminho ao poder, as trajetórias desses líderes diferem substancialmente: Mussolini já estava politicamente ativo, como editor do jornal Avanti! e ex-socialista, antes de fundar seu próprio veículo, Il Popolo d’Italia, e organizar a Marcha sobre Roma. Trump, em contraste, emergiu da esfera empresarial imobiliária, sem histórico político, trazendo uma nova forma de carisma centrada não em tradições políticas, mas no poder econômico e midiático, evidenciando uma "carisma da conta bancária robusta".

Ambos os líderes compreenderam a importância das novas tecnologias para moldar a opinião pública. Mussolini utilizou o cinema, os noticiários e o rádio, enquanto Trump explorou as redes sociais, a televisão e canais como a Fox News. Esses meios não só ampliaram seu alcance, mas permitiram que eles moldassem o consenso político, explorando necessidades específicas, como o desejo juvenil de pertencimento a uma causa, algo essencial para regimes totalitários que buscaram mobilizar as massas. A propagação deliberada de fake news foi uma ferramenta eficaz para ambos, distorcendo fatos e criando narrativas convenientes.

No campo da relação com o poder e as mulheres, ambos demonstram comportamentos típicos de personalidades frágeis que precisam constantemente reafirmar sua dominação. O uso das mulheres ora como objetos sexuais, ora como símbolos de poder reprodutivo, revela uma tentativa contínua de reforçar uma masculinidade hegemônica e uma insegurança subjacente. Essa necessidade de controle absoluto está ligada a uma aversão à derrota, característica marcante desses líderes.

Quanto às suas visões sobre a ordem mundial, ambos defendem a autossuficiência nacional como resposta a um mundo em transformação. Mussolini propôs a autarquia italiana como reação às sanções internacionais, enquanto Trump formulou o slogan "Make America Great Again", rejeitando a dependência de manufaturas estrangeiras, sobretudo da China. Essa postura de isolamento é, contudo, um reflexo de inadequação frente aos desafios da globalização e da revolução tecnológica, que demandam cooperação e integração em níveis antes inimagináveis. Enquanto o avanço tecnológico ultrapassa fronteiras e nivela diferenças históricas e culturais, Trump e Mussolini retraem-se a seus nacionalismos reativos, criando uma espécie de "colonialismo interior" onde culturas se armam contra outras, perpetuando a divisão e o conflito em um momento em que seria vital buscar uma tradição cultural compartilhada, capaz de reconhecer a unidade da família humana.

A pandemia do coronavírus, comparada em mortes à gripe espanhola, revela as fragilidades das sociedades contemporâneas, expondo a ilusão da onipotência técnica que marcou a modernidade tardia. Assim como a Primeira Guerra Mundial selou um suicídio europeu, a crise atual demonstra que o progresso não é linear e que avanços tecnológicos e econômicos precisam estar alinhados a um equilíbrio ecossistêmico e social. Não basta avançar mecanicamente; é imprescindível reconhecer limites e cuidar da sustentabilidade do sistema vital que sustenta a vida humana.

Ambos os líderes também refletem a submissão às grandes forças econômicas que os apoiam. Trump, ao aumentar a isenção fiscal de grandes propriedades, protegeu interesses patrimoniais, enquanto Mussolini, ao abolir o registro de ações, dificultou a fiscalização e tributação dos ricos. Essa proximidade com o poder econômico reforça a ideia de que seus projetos políticos são inseparáveis dos interesses financeiros que os sustentam.

Importa compreender que a verdadeira ameaça reside na combinação do carisma financeiro com a manipulação midiática e o isolamento nacionalista. Em tempos de globalização e desafios planetários, a insistência em fechar fronteiras e negar a interdependência econômica e cultural é uma resposta anacrônica que pode agravar crises sociais, ambientais e políticas. A história mostra que o domínio e a manipulação da informação, aliados à necessidade patológica de poder pessoal, criam condições propícias para a erosão das democracias e o avanço de formas autoritárias de governança. Nesse cenário, a busca por diálogo, reconhecimento da alteridade e construção de uma consciência coletiva global se torna imperativa para a sobrevivência e a dignidade humana.