Em 1869, o Congresso Republicano dos Estados Unidos propôs um projeto de lei para emendar a Constituição, com o objetivo de expandir o eleitorado. Ratificado em 1870 como a Décima Quinta Emenda, o texto afirmava: “O direito dos cidadãos dos Estados Unidos de votar não será negado nem restringido pelos Estados Unidos ou por qualquer Estado em razão de raça, cor ou condição anterior de servidão.” Durante o período da Reconstrução, os republicanos asseguraram os direitos de voto dos antigos escravizados no Sul dos Estados Unidos. Por várias décadas após a Guerra Civil, as plataformas republicanas raramente abordavam o tema das eleições, exceto quando ocasionalmente denunciavam as restrições ao voto dos negros nos estados do sul. Mas, a partir da década de 1970, a postura dos republicanos mudou drasticamente: em vez de expandir o eleitorado, começaram a restringir o direito ao voto.

Ao longo dos anos, as plataformas republicanas abordaram o tema das eleições em 2.722 de seus enunciados. Destes, apenas 40 se posicionaram especificamente sobre as eleições nacionais. As propostas que favoreciam a ampliação do eleitorado e facilitavam o ato de votar foram codificadas sob o código +505, referindo-se à “Abertura das Eleições”. Já os enunciados que restringiam o alcance das eleições ou dificultavam o voto foram rotulados com o código −505, relacionado à “Restrição das Eleições”. A Figura 12.1 mostra a distribuição dessas propostas ao longo do tempo, refletindo a mudança de postura do partido. Entre os principais enunciados republicanos favoráveis a eleições abertas, destacam-se os seguintes:

  • 1896: Apoio ao direito de voto.

  • 1900: Apoio ao direito de voto.

  • 1904: Apoio ao direito de voto.

  • 1912: Proibição das corporações de contribuírem com fundos para campanhas eleitorais federais.

  • 1928: Promessa de manter as eleições limpas, honestas e livres de qualquer contaminação.

  • 1968: Apoio à nova lei de reforma eleitoral para restringir os gastos políticos e remover requisitos excessivos, como residência, para o voto.

Entretanto, desde 1976, as plataformas republicanas passaram a adotar uma postura restritiva. Entre os enunciados que expressaram essa tendência, podemos citar:

  • 1976: Oposição ao registro de eleitores por meio de cartões postais federais.

  • 1980: Apoio à revogação das limitações aos gastos de campanha.

  • 1984: Oposição ao financiamento público de campanhas.

  • 1992: Oposição à Lei Motor-Voter, que facilitava o registro de eleitores.

  • 2012: Apoio à exigência de identificação com foto para votar.

  • 2016: Apoio à revogação das restrições às contribuições de campanha.

A importância das eleições para o governo democrático e a divisão interna no Partido Republicano sobre a legitimidade das eleições de 2020 demandam um exame minucioso das 66 menções ao tema “eleições” nas plataformas do partido desde 1856. Nem todas essas menções são relevantes para o contexto atual, mas algumas passagens merecem ser citadas para ilustrar a postura republicana sobre as eleições.

Nos primeiros cem anos do partido, foram feitas quatro declarações firmes em apoio ao papel das eleições na democracia:

  • 1888: Reafirmação da dedicação à Constituição Nacional e ao direito soberano de cada cidadão votar livremente nas eleições públicas.

  • 1892: Demanda para que cada cidadão tenha o direito de votar e que esse voto seja devidamente contado.

  • 1928: Compromisso de manter as eleições limpas e livres da corrupção, com especial atenção ao uso inadequado do dinheiro na política.

  • 1944: Oposição à taxa de votação (poll tax) e apoio à sua abolição por meio de uma emenda constitucional.

Nos anos seguintes, principalmente nas décadas de 1960 e 1970, os republicanos continuaram a defender reformas eleitorais. Por exemplo, em 1960, o partido apoiou a mudança no sistema do Colégio Eleitoral para garantir uma voz mais justa para cada eleitor nas eleições presidenciais e também favoreceu a representação do Distrito de Columbia no Congresso. Em 1968, novamente, o partido se posicionou a favor da reforma do Colégio Eleitoral e da remoção de requisitos eleitorais excessivos para votar nas eleições presidenciais.

Contudo, nas décadas seguintes, a postura republicana mudou. Em 1980, o partido passou a apoiar a revogação das limitações de gastos de campanha, argumentando que tais restrições impediam a participação das bases locais nas eleições federais. Em 1984, a plataforma passou a buscar reduzir a supervisão federal das eleições. Em 2012, uma das propostas mais controversas foi a exigência de identificação com foto para votar, com o argumento de que isso impediria fraudes eleitorais, especialmente em relação ao registro de eleitores e votos enviados por correio.

O partido, então, passou a associar o aumento da participação eleitoral com o aumento da fraude nas eleições. Embora a preocupação com a integridade do voto seja legítima, o enfoque no voto por correio e na exigência de documentos de identificação para votar refletem uma mudança significativa em relação aos primeiros princípios republicanos de garantir a acessibilidade e a participação cidadã nas eleições.

A proposta republicana de restringir o uso de votos por correio, de certa forma, não entra em contradição com os valores democráticos, especialmente para aqueles que enxergam o voto como um ato cívico. O sociólogo Robert Putnam, em seu livro "Bowling Alone", argumenta que o enfraquecimento das associações voluntárias na sociedade americana também reflete a desconexão social crescente, onde, embora atividades como o boliche ainda sejam populares, elas ocorrem cada vez mais de forma isolada, sem o engajamento comunitário de antes.

A complexidade do debate sobre o voto e as eleições nos Estados Unidos, especialmente dentro do Partido Republicano, não pode ser reduzida a uma simples questão de abertura ou restrição. Ao longo dos anos, o partido passou por uma transformação ideológica, onde a ideia de proteger a integridade do processo eleitoral ganhou maior peso, mas sem esquecer os riscos de que tais medidas possam, eventualmente, limitar a participação democrática.

O Impacto das Questões Existenciais na Competição Partidária: A Transformação do Sistema Político Americano

O sistema eleitoral norte-americano, baseado no modelo "primeiro a passar a linha", tende a gerar uma competição entre dois grandes partidos. Em um cenário de eleição bipolar, qualquer terceiro partido que não consiga obter uma pluralidade de votos não alcança resultados significativos, o que desincentiva a formação de novas agremiações políticas. Como consequência, os dois maiores partidos disputam votos dentro de um eleitorado comum. Teoricamente, cada partido propõe políticas com o intuito de atrair mais eleitores do que o concorrente, em uma competição pela maioria dos votos.

Historicamente, até meados do século XX, o sistema partidário se manifestava de maneira mais consensual, com os republicanos e democratas competindo principalmente por questões econômicas e sociais. Os partidos ofereciam promessas de bens públicos diretos ou benefícios indiretos disfarçados de valores como liberdade, ordem ou igualdade. O discurso de ambos os lados costumava se centrar na ideia de que suas políticas beneficiariam a nação como um todo e o cidadão individualmente. Os republicanos, geralmente, advogavam por impostos mais baixos, mas com menos benefícios sociais, enquanto os democratas ofereciam mais benefícios, mas com uma carga tributária maior. Nesse cenário, a barganha política era possível, já que os interesses econômicos e sociais poderiam ser equilibrados por compromissos mútuos.

Contudo, a situação se alterou a partir de 1964, quando os republicanos começaram a disputar a eleição com uma plataforma que se opunha à concessão de direitos a uma minoria racial, reacendendo questões profundas que remontavam à Guerra Civil. Esse movimento, mais tarde, evoluiu para uma postura contra a igualdade de direitos para as mulheres, a partir de 1980, gerando temores de que elas nunca seriam vistas como iguais aos homens. Esses debates, com um teor existencial, criaram uma divisão fundamental que foi além da disputa econômica e social. As questões existenciais não permitem um espaço para a negociação eleitoral, pois, ao contrário das questões sobre bens públicos, elas são absolutas e não negociáveis. A falta de compromisso e a intensificação da polarização entre os partidos tornaram-se elementos centrais da política americana.

O período entre 2016 e 2020 ilustra como essas mudanças afetaram a dinâmica eleitoral. A vitória de Donald Trump em 2016, por exemplo, não ocorreu apenas porque os republicanos apoiaram seu partido, mas também porque ele conseguiu conquistar um número significativo de votos dos independentes, o que foi decisivo para o resultado. A eleição de 2020, com Joe Biden derrotando Trump, também demonstrou o papel crucial dos eleitores independentes. Em ambos os casos, se o resultado tivesse sido determinado apenas pelos votos de eleitores republicanos e democratas, os vencedores não teriam sido os mesmos. Assim, a capacidade de atrair os independentes tornou-se um fator determinante no futuro eleitoral dos Estados Unidos.

A análise do comportamento eleitoral revela que os independentes, que representam entre 38% e 45% do eleitorado, são decisivos para o sucesso nas eleições presidenciais. Embora esses eleitores tendam a se abster em maior número em comparação com os filiados a um partido, em eleições apertadas, são os independentes que decidem o vencedor. A necessidade de ambos os partidos atrair esses eleitores é inegável, mas a realidade das primárias e da política interna partidária complica essa tarefa.

No contexto do Partido Republicano, a dificuldade de alcançar um eleitorado mais amplo está ligada à estrutura da "selectorate", ou o corpo de ativistas partidários que escolhe os candidatos para as eleições gerais. A seleção de candidatos nos Estados Unidos não é controlada centralmente, e as regras variam de estado para estado. Em 2021, a influência de Donald Trump sobre os eleitores republicanos nas primárias era evidente, refletindo o poder que figuras carismáticas podem ter sobre a base do partido. No entanto, ao focar em questões que polarizam ainda mais o eleitorado, como o nacionalismo étnico e os direitos de minorias, o Partido Republicano corre o risco de limitar seu alcance entre os independentes e até entre alguns republicanos moderados. A tendência de aprofundar a polarização ideológica torna difícil, se não impossível, que o partido conquiste uma parte significativa do eleitorado independente.

A luta entre os interesses da base partidária (a "selectorate") e os do eleitorado em geral pode ser vista como uma das maiores barreiras para a adaptação e o sucesso eleitoral. A base dos partidos, cada vez mais ideológica e engajada em questões existenciais, dificilmente será capaz de atrair eleitores fora desse espectro restrito, o que pode significar que a vitória nas eleições presidenciais dependerá mais da capacidade de atrair os independentes do que da mobilização da base fiel.

Além disso, é crucial entender que a mudança nas dinâmicas eleitorais e partidárias não ocorre apenas por causa de uma alteração no comportamento dos eleitores, mas também devido à evolução das questões que definem os debates políticos. A política se tornou mais centrada em divisões culturais e existenciais, tornando a negociação sobre bens públicos cada vez mais difícil. A luta pelo controle de uma narrativa cultural ou ideológica pode ser mais impactante do que a simples disputa por recursos econômicos ou benefícios sociais. Assim, a capacidade de um partido se reinventar e almejar um público mais amplo pode depender menos de propostas econômicas pragmáticas e mais da habilidade de lidar com questões identitárias e existenciais que definem a atual polarização política.

Como o Partido Republicano mudou sua posição sobre assistência pública, política externa e defesa militar?

Durante o século XX, especialmente após a Grande Depressão, o Partido Republicano dos Estados Unidos passou por transformações significativas em sua abordagem política sobre questões sociais, econômicas e internacionais. Essas mudanças podem ser observadas de maneira sistemática ao analisar os "planks" — os pontos programáticos das plataformas partidárias entre 1936 e 2016.

No que diz respeito ao bem-estar social (welfare), a postura do partido inicialmente seguiu uma direção positiva. Desde a adoção do primeiro plank em 1936 até o início da década de 1960, o partido apoiava iniciativas governamentais para mitigar as desigualdades e oferecer suporte aos cidadãos em situações vulneráveis. No entanto, esse posicionamento mudou drasticamente após 1964. A retórica passou a se concentrar em críticas às políticas públicas de assistência, promovendo uma visão mais restritiva e individualista: o bem-estar começou a ser descrito como um sistema que desincentiva o trabalho, estimula fraudes e representa um fardo para os cofres públicos. Em 1972, o partido já se opunha explicitamente à ideia de uma renda mínima garantida pelo governo.

Esse mesmo padrão de inflexão ideológica pode ser notado em outras áreas. Por exemplo, a agricultura — outrora central na agenda republicana por seu peso econômico e social — perdeu protagonismo após a década de 1980. Embora o partido ainda celebrasse simbolicamente os agricultores como pilares da nação, o número de planks dedicados a questões agrárias caiu drasticamente, refletindo a transição dos Estados Unidos para uma economia pós-industrial e a crescente urbanização da sociedade.

Na política externa, o Partido Republicano demonstrou uma atenção geográfica e histórica variável. A maior concentração de planks esteve relacionada ao continente americano, seguido pelo Oriente Médio — especialmente Israel — e, com destaque, à União Soviética e Rússia durante o contexto da Guerra Fria. Um dado revelador é que não houve nenhuma menção à União Soviética nas plataformas até 1952; a partir de então, surgiram 35 menções adicionais. Essas flutuações ilustram o modo como o partido reagia aos desafios geopolíticos do momento, o que torna difícil qualquer leitura linear de sua política internacional.

Ao se considerar as organizações internacionais, o Partido Republicano oscilou entre aceitação e rejeição. Vinte planks manifestaram apoio a instituições como a ONU ou o Tribunal Internacional, enquanto dezenove expressaram ceticismo ou oposição direta. Isso sugere uma tensão interna contínua entre a busca por liderança global e o receio de comprometer a soberania nacional a organismos multilaterais.

A defesa militar, por outro lado, manteve-se como um eixo relativamente estável da plataforma republicana. Ao longo do período analisado, a maioria dos planks favorecia o aumento de gastos com defesa, com ênfase em setores como armamentos, inteligência, força aérea e comando espacial. Somente um único plank, após a vitória de George H. W. Bush na Guerra do Golfo (1990–1991), sugeriu contenção nos gastos: um “redução controlada da defesa, e não uma queda livre”. Essa exceção confirma a regra de que o partido historicamente associou a força militar com prestígio internacional e segurança nacional.

Em temas institucionais e de governança, as plataformas republicanas trataram majoritariamente de assuntos não controversos, como o funcionamento do serviço postal ou a reorganização do governo federal. No entanto, questões como eleições e concessão de status de Estado a territórios mostraram-se politicamente sensíveis, como discutido em outras partes do estudo.

Com base na análise de 2.722 planks republicanos entre 1856 e 2016, pode-se perceber que o partido não apenas acompanhou as transformações sociais e geopolíticas do século XX, como também moldou sua identidade política por meio de redefinições programáticas periódicas. Os dados sugerem que essas redefinições não foram fruto apenas de reações aos eventos históricos, mas também de reorientações ideológicas estratégicas que visavam consolidar uma determinada visão de nação, cidadania e papel do governo.

É fundamental compreender que essas mudanças nos planks partidários não representam simples ajustes retóricos, mas indicam profundas alterações nas concepções de justiça social, papel do Estado e identidade nacional. O abandono de políticas pró-bem-estar, o afastamento das pautas agrícolas e a consistência no militarismo evidenciam um realinhamento conservador que prioriza o indivíduo sobre a coletividade, o mercado sobre o Estado, e o poder bélico sobre a diplomacia multilateral. Para o leitor atento, torna-se evidente que a trajetória programática do Partido Republicano é um reflexo do embate constante entre tradições e adaptações, entre estabilidade institucional e pressões conjunturais, entre a política como gestão pragmática e como afirmação ideológica.