O transplante cardíaco pediátrico visa, primordialmente, tratar a miocardiopatia terminal, doenças cardíacas congênitas complexas com falência cardíaca ou hipoxia resistente a tratamentos convencionais, além de doenças cardíacas irreversíveis que não respondem à gestão paliativa ou curativa padrão. Nos últimos anos, os avanços nas técnicas cirúrgicas, preservação de órgãos, medicamentos imunossupressores e estratégias de monitoramento refinadas têm contribuído significativamente para o aumento das taxas de sobrevida pós-transplante. De fato, a taxa de sobrevida hospitalar para transplante cardíaco pediátrico em nosso país foi de 94,6% entre 2015 e 2016, refletindo o impacto positivo dessas inovações.

É fundamental que os anestesiologistas possuam um conhecimento profundo da fisiopatologia da doença subjacente ao transplante e das sutilezas fisiológicas do coração transplantado. A avaliação pré-operatória meticulosa é um ponto crucial, especialmente no contexto pediátrico. Crianças com doenças cardíacas congênitas frequentemente requerem reconstrução extensa da aorta, artéria pulmonar e veia cava para garantir uma conexão anatômica desobstruída com o coração do doador. A preparação deve incluir um entendimento completo da condição do paciente, função cardíaca, exames laboratoriais e outros resultados diagnósticos.

A preparação pré-operatória é uma fase crítica, onde todos os medicamentos necessários, incluindo vasopressores, inotrópicos, vasodilatadores, agentes antiarrítmicos, imunossupressores, diuréticos, hemostáticos e anticoagulantes, devem estar prontos. Particularmente, milrinona, treprostinil e óxido nítrico inalado são essenciais em casos com hipertensão pulmonar. Além disso, a garantia de acesso intravenoso e de equipamentos para monitoramento de pressão arterial invasiva, cateteres venosos centrais e arteriais, é essencial para o sucesso do procedimento.

Durante a indução anestésica, é vital manter a contratilidade miocárdica e evitar flutuações significativas na pré-carga e pós-carga. A indução anestésica deve ser feita com doses titradas de agentes como midazolam, cetamina, etomidato, fentanil ou sufentanil, com a dose ajustada conforme a estabilidade hemodinâmica do paciente. A monitorização contínua e invasiva da pressão arterial durante a indução é necessária, com posterior inserção de cateteres de pressão venosa central e arterial, e cateter de artéria pulmonar, se necessário.

A anestesia deve ser ajustada conforme as condições do paciente, e o gerenciamento intraoperatório envolve monitoramento de vários parâmetros, como volume corrente, frequência respiratória, pressão das vias aéreas, CO2 expirado, SpO2 e análise de gases sanguíneos. O monitoramento cardiovascular inclui ECG, pressão arterial, pressão venosa central e outros dados essenciais para a avaliação contínua da função cardiovascular. A função respiratória deve ser otimizada, com manejo cuidadoso de PEEP, oxigênio inalado e, em casos de hipertensão pulmonar, o uso de NO inalado ou treprostinil intravenoso.

Além disso, o coração transplantado apresenta peculiaridades que exigem atenção especial. A falta de inervação, ou seja, a denervação do coração transplantado, faz com que a resposta a estímulos do sistema nervoso autônomo seja comprometida. Isso pode resultar em alterações na contratilidade e na resposta aos medicamentos. A monitorização de arritmias atriais, nodais e ventriculares é uma preocupação constante, sendo que o ECG pode mostrar ondas P distintas com ritmos cardíacos independentes. A identificação precisa dessas arritmias é essencial, já que podem ser confundidas com outras condições clínicas.

Um dos desafios mais frequentes após o transplante cardíaco pediátrico é a insuficiência cardíaca direita aguda, a qual pode ocorrer logo após a operação. Nesse caso, o manejo deve incluir a exclusão de obstruções mecânicas causadas por fatores cirúrgicos, como estreitamento na anastomose da artéria pulmonar, manutenção da resistência vascular sistêmica adequada e do fluxo coronário, além de terapias com inotrópicos como dobutamina e milrinona, que ajudam a preservar a contratilidade cardíaca.

A monitorização da função renal é igualmente crucial, especialmente no contexto de circulação extracorpórea. A análise da diurese antes, durante e após a circulação extracorpórea ajuda a avaliar a função renal e a manter um balanço adequado entre entrada e saída de líquidos, crucial para o sucesso do transplante. O controle rigoroso da temperatura do corpo, por meio da hipoterma durante a circulação extracorpórea e da reaquecer o paciente de forma controlada após o procedimento, também é importante para proteger o cérebro e o miocárdio.

A função cardíaca pós-transplante deve ser ajustada às características fisiológicas do coração transplantado, considerando a planeação da anestesia e a utilização de dispositivos de assistência ventricular direita, como o ECMO, nos casos de insuficiência cardíaca direita refratária. O transplante cardíaco em pediatria requer uma abordagem multidisciplinar, com atenção constante às especificidades da criança e do órgão transplantado, o que contribui para uma recuperação bem-sucedida.

Gestão Anestésica na Reparação do Defeito Completo de Canal Atrioventricular em Crianças com Síndrome de Down

O manejo anestésico de crianças com defeito completo de canal atrioventricular (CAVC) e síndrome de Down exige uma abordagem cuidadosa e específica, dada a complexidade clínica dessas condições. A patologia CAVC, caracterizada por um defeito septal significativo envolvendo tanto o septo atrial quanto ventricular, resulta em um grande shunt da esquerda para a direita. Isso pode causar resistência pulmonar irreversível e insuficiência cardíaca refratária, especialmente em bebês e crianças pequenas. O defeito atrioventricular comum, com uma válvula única conectando os dois átrios e ventrículos, é comum em crianças com síndrome de Down, e a sua correção requer uma avaliação minuciosa, tanto do quadro cardíaco quanto das peculiaridades fisiológicas associadas à síndrome.

Um dos aspectos mais críticos na gestão de anestesia nesses casos é a avaliação pré-operatória das vias aéreas. Crianças com síndrome de Down frequentemente apresentam obstrução das vias aéreas e dificuldades de intubação devido a características anatômicas, como a macroglossia, o palato alto e a redução do espaço retrofaríngeo. A intubação traqueal deve ser planejada cuidadosamente, com a escolha de um tubo endotraqueal adequado ao tamanho da criança e a monitorização contínua das vias aéreas durante a indução e a manutenção da anestesia.

No caso de uma menina de 19 meses, com 7 kg e 78 cm de altura, diagnosticada com síndrome de Down e CAVC, a equipe de anestesia optou por uma indução com etomidato, sufentanil e rocurônio, seguidos de intubação traqueal com tubo de 4 mm. A ventilação foi controlada por um ventilador que utilizou modo de ventilação de volume garantido com parâmetros ajustados para manter a saturação de oxigênio adequada e evitar picos de pressão que poderiam precipitar uma crise hipertensiva pulmonar. O monitoramento invasivo foi estabelecido com cateterização arterial e venosa central, além de monitoramento contínuo de gases sanguíneos para garantir que os parâmetros respiratórios fossem mantidos dentro dos limites desejáveis.

Durante a cirurgia, a temperatura corporal foi rigorosamente controlada para evitar hipotermia, uma vez que a hipotermia leve foi induzida como parte da técnica de bypass cardiopulmonar (CPB). O CPB, que durou 110 minutos, foi seguido por uma reparação do defeito com técnica de dupla plastia, com clampeamento da aorta por 86 minutos. Após a reparação, a paciente foi monitorada de perto na Unidade de Terapia Intensiva Cardíaca (UTIC), com acompanhamento contínuo da pressão arterial e ventilação.

A presença de hipertensão pulmonar é uma característica comum em pacientes com síndrome de Down e CAVC. A hipertensão pulmonar grave pode se desenvolver muito cedo nessas crianças, e seu controle é um dos objetivos principais durante o período perioperatório. A monitorização rigorosa da pressão arterial pulmonar e do fluxo sanguíneo através do defeito, bem como a administração de vasodilatadores pulmonares se necessário, são estratégias essenciais para reduzir o risco de complicações intraoperatórias. A utilização de ecocardiografia transesofágica durante a cirurgia permite uma avaliação contínua da função cardíaca e da eficácia da reparação do defeito.

A vigilância intraoperatória deve incluir também a prevenção de bloqueios de condução, uma complicação potencial em pacientes com defeitos cardíacos complexos, como o CAVC. O uso de agentes anestésicos, como propofol, sufentanil e rocurônio, em combinação com sevoflurano, visa manter a anestesia equilibrada, minimizando a necessidade de manipulações excessivas e proporcionando uma recuperação mais rápida e segura após a cirurgia.

Além disso, é fundamental a presença de uma equipe multidisciplinar, incluindo cardiologistas e cirurgiões cardíacos pediátricos, para avaliar o risco de complicações pós-operatórias, como o risco de insuficiência cardíaca e infecções respiratórias. Crianças com síndrome de Down têm uma maior predisposição a infecções respiratórias e outras comorbidades, o que torna essencial o controle rigoroso do ambiente pós-operatório e a administração de antibióticos profiláticos, quando necessário.

A recuperação pós-operatória de uma criança com CAVC e síndrome de Down envolve não apenas o controle da função cardíaca e respiratória, mas também uma vigilância intensiva devido ao risco aumentado de instabilidade cardiovascular e complicações respiratórias. O monitoramento contínuo do débito cardíaco e da pressão venosa central, assim como o ajuste preciso dos medicamentos vasopressores, são cruciais para garantir uma recuperação estável. A presença de uma equipe especializada para manejar complicações neurológicas, como a instabilidade atlantoaxial, também é vital, pois essas crianças têm uma maior predisposição a problemas na coluna cervical.

Em relação ao impacto a longo prazo dessa cirurgia, é importante que os profissionais envolvidos no cuidado desses pacientes estejam cientes de que a correção do defeito CAVC não elimina todas as complicações associadas à síndrome de Down, como o risco de falência cardíaca crônica ou hipertensão pulmonar persistente. A monitorização contínua após a alta hospitalar, com acompanhamento cardíaco regular e avaliação do desenvolvimento pulmonar, é fundamental para assegurar que a criança continue a crescer de forma saudável e sem maiores complicações.

Como o Monitoramento SpO2 e a Gestão Perioperatória Afetam Pacientes com Janela Aorto-Pulmonar (APW) e Pneumonia Severa

O monitoramento de SpO2, juntamente com a manutenção de um equilíbrio adequado de fluidos e eletrólitos, é essencial no manejo de pacientes com janela aorto-pulmonar (APW) que sofrem de infecção pulmonar severa. A combinação de suporte cardíaco contínuo, controle da infecção, suporte nutricional e intervenções ativas para hipertensão pulmonar são fundamentais para lidar com as complexas alterações fisiopatológicas associadas à APW.

A APW é uma condição caracterizada por um defeito significativo entre a aorta ascendente e a artéria pulmonar principal, que ocorre devido ao falhanço do septo espiral durante o desenvolvimento fetal. Durante o período fetal, o shunt entre as duas estruturas não é evidente devido à pressão quase igual entre a raiz da aorta ascendente e a artéria pulmonar. Contudo, após o nascimento, com a queda rápida da pressão da artéria pulmonar, o defeito se torna pronunciado, podendo levar a insuficiência cardíaca precoce em pacientes. Em defeitos maiores, o início precoce da insuficiência pode agravar a hipertensão pulmonar, alterando o shunt de esquerda para direita para um shunt bidirecional, o que pode resultar em cianose.

Os sintomas mais comuns da APW incluem suores excessivos, dificuldades de alimentação e falha no ganho de peso. O exame físico revela taquicardia, respiração rápida e pulso filiforme, enquanto os raios-X de tórax podem sugerir sombra cardíaca aumentada e aumento da perfusão pulmonar. O diagnóstico por ultrassom é o padrão-ouro para esses casos, com atenção especial sendo dada ao tamanho e à localização do defeito aorto-pulmonar.

Em termos de gestão perioperatória, o foco principal no manejo pré-operatório é melhorar a saída da circulação sistêmica, limitando o fluxo sanguíneo da circulação pulmonar. Os princípios de manejo são semelhantes aos utilizados em pacientes com fisiologia de ventrículo único ou tronco arterial persistente com fluxo pulmonar não obstrutivo. A utilização de agentes inotrópicos positivos é comum para regular o fluxo sanguíneo pulmonar e melhorar a função cardíaca, especialmente em pacientes com hipertensão pulmonar.

Após a cirurgia, a monitoração cuidadosa do CO2 expirado e da oxigenação cerebral, por meio de métodos como a saturação de oxigênio cerebral regional (rScO2), é fundamental para garantir que a perfusão tecidual adequada seja mantida. Estudos indicam que a combinação do rScO2 com a saturação venosa mista (SvO2) pode ser benéfica para regular o volume sanguíneo circulante sistêmico-pulmonar em crianças com doenças cardíacas causadas por APW, ajudando a melhorar os desfechos perioperatórios.

A ventilação adequada também desempenha um papel crucial, com estratégias como níveis elevados de ETCO2 e FiO2 baixos, buscando equilibrar a relação ventilação/perfusão (V/Q) para otimizar a oxigenação e reduzir o risco de hipóxia. Nos casos de infecção pulmonar concomitante, é importante observar que a diminuição da oxigenação nem sempre está relacionada a alterações na circulação pulmonar, mas pode ser causada por doenças parenquimatosas pulmonares, que agravam o desajuste da relação V/Q e podem induzir insuficiência cardíaca.

Durante o pós-operatório, a utilização de grandes doses de cardiotônicos deve ser evitada, e é essencial monitorar a possibilidade de crise hipertensiva pulmonar ou de baixo débito cardíaco, especialmente em crianças mais velhas, que têm maior risco devido ao longo período de sobrecarga circulatória pulmonar não corrigida. A identificação precoce e o tratamento adequado dessas complicações são cruciais para melhorar a qualidade de vida pós-cirúrgica desses pacientes.

Em termos de estratégias terapêuticas, a administração de prostaciclinas e outros análogos vasodilatadores tem sido uma abordagem crescente para o tratamento da hipertensão pulmonar associada à APW. O uso dessas substâncias, combinado com agentes vasoativos, tem mostrado resultados promissores, ajudando a reduzir a pressão arterial pulmonar e melhorar a perfusão sistêmica. A combinação de estratégias ventilatórias adequadas e medicamentos inotrópicos tem sido eficaz na gestão da insuficiência cardíaca e na otimização da circulação pulmonar, particularmente em pacientes com APW grave e infecção pulmonar.

Além disso, é importante que os pacientes com APW evitem situações de acidose metabólica grave antes da cirurgia, para garantir melhores resultados pós-operatórios. A acidez metabólica pode agravar ainda mais a hipertensão pulmonar e comprometer a função respiratória, dificultando a recuperação pós-cirúrgica e aumentando o risco de complicações.

Por fim, a avaliação pré-operatória deve ser abrangente, incluindo uma análise detalhada da hipertensão pulmonar e da gravidade da pneumonia. O monitoramento contínuo da oxigenação cerebral e da saturação venosa mista deve ser realizado durante o procedimento para garantir a perfusão adequada dos tecidos e minimizar os riscos de complicações neurológicas. A cuidadosa gestão da circulação sistêmico-pulmonar, associada ao controle rigoroso da ventilação e ao uso de terapias farmacológicas adequadas, é essencial para otimizar os resultados no tratamento de pacientes com APW e pneumonia grave.