Foi durante as administrações de Nixon que se tornou mais evidente como os líderes políticos e as instituições conseguiram canalizar as ansiedades dos brancos de maneiras destrutivas. Essa dinâmica emergiu de forma intensa e visível durante esse período, à medida que o apoio da população branca à dessegregação e à integração no Sul dos Estados Unidos começou a diminuir. Isso aconteceu em meio a uma crescente atenção ao racismo e à discriminação no Norte, o que levou muitas pessoas a declarar, em pesquisas de opinião, que o movimento pelos direitos civis e o governo federal estavam avançando “rápido demais”. Esse foi o alicerce da posição política que sustentou as campanhas e administrações de Nixon.

Nos primeiros anos do movimento pelos direitos civis, os negros eram vistos como vítimas da história do Sul, a parte prejudicada que, por meio da luta não-violenta, buscava restaurar a dignidade do trabalho, as possibilidades de cidadania e a promessa de plena participação na sociedade americana. No entanto, à medida que o foco do movimento se deslocava da igualdade perante a lei para questões materiais necessárias para a plena inclusão, os brancos reagiram com resistência amarga. Muitos, que haviam alcançado prosperidade econômica e dignidade psicológica relativamente recentemente, passaram a sentir-se vítimas de forças que não conseguiam controlar. A partir desse momento, o sofrimento branco se ampliou para além da preocupação com a preservação dos bairros segregados. O welfare (assistência social) se tornou um tema particularmente volátil, representando uma transferência injustificada de recursos daqueles que criavam riqueza para aqueles cuja inatividade era vista como um sinal de parasitismo. A ideia de uma “cultura de dependência” ganhou popularidade, associando-se a uma acusação contra os negros.

Foi no contexto dos conflitos sobre habitação, welfare e educação que os proprietários de imóveis, acostumados a tomar seus privilégios como garantidos, começaram a articular o que significava ser “branco”. A coalizão do New Deal começou a se fragmentar devido a uma acumulação de questões raciais que geraram um medo crescente dos brancos de perderem sua posição dominante. A atual ansiedade racial possui raízes mais profundas do que aquelas observadas no Tea Party, nos Proud Boys ou em Donald Trump. George Wallace teve um papel histórico ao conseguir distanciar muitos brancos do Partido Democrata, iniciando o maior realinhamento político desde a Grande Depressão. Isso ocorreu especialmente após o aumento da votação negra, com a promulgação da Lei dos Direitos Civis de 1964 e da Lei do Direito de Voto em 1965.

O impacto dessa mudança foi forte, especialmente nas regiões mais “negrofóbicas” do Sul, onde o sentimento racial era mais intenso. O exército de votantes brancos começou a migrar, temporariamente, de volta para os Democratas, mas sua tendência geral era se afastar do partido em favor dos Republicanos. Esse fenômeno não ficou restrito ao Sul, e a reação dos brancos às conquistas negras se espalhou, mudando o cenário político nacional. Em 1968, a deserção dos brancos dos Democratas passou a ter tanta importância quanto a ascensão do movimento negro. O compromisso com o populismo econômico foi essencial para consolidar a aliança com os brancos pobres do Sul.

Nixon, ao contrário de Goldwater, que rejeitava o New Deal, manteve as políticas econômicas implementadas por Roosevelt. Essa postura foi decisiva para garantir a fidelidade dos eleitores brancos do Sul. Durante seu discurso de posse em 1969, Nixon declarou que os Estados Unidos haviam aprendido a administrar uma economia moderna, assegurando seu crescimento contínuo. Ele se dizia um “keynesiano” e nunca hesitou em defender financiamentos deficitários e políticas de estímulo econômico, além de manter programas importantes como a Segurança Social e o Medicare. Entretanto, ao invés de atacar diretamente as instituições do New Deal, Nixon preferiu explorar questões culturais que viriam a definir as “guerras culturais” das décadas seguintes.

Em 1972, Nixon conectou diversos temas, como drogas, manifestações, pornografia, welfare, aborto, distúrbios e crime, sugerindo que o Partido Democrata estava demasiadamente dependente dos votos negros e das organizações pelos direitos civis. Com isso, a crescente vulnerabilidade do Partido Democrata tornou-se um alvo para ataques que os associavam ao aumento da carga tributária e à distribuição de favores a “interesses especiais”. As questões de habitação aberta e o transporte escolar forçado se tornaram os pontos de ebulição das políticas raciais no Norte, onde os bairros e escolas segregados estavam no centro de intensos embates políticos.

A oposição de Nixon à habitação aberta e ao transporte escolar forçado, bem como sua decisão de não implementar de maneira agressiva as ordens judiciais federais no Sul, foram um reflexo direto da “maioria republicana emergente”. Nixon demonstrou um talento excepcional para explorar as frustrações e os ressentimentos raciais, navegando na onda crescente de ansiedade branca. Sua estratégia política refletiu o crescente cansaço da América branca com o movimento pelos direitos civis, o aumento do poder negro, os levantes urbanos e as novas questões raciais que surgiram no Norte.

A invenção da “maioria silenciosa” por Nixon foi uma tentativa de descrever a aliança política em desenvolvimento entre os católicos do Norte e os protestantes do Sul, que se tornaria a base do Partido Republicano de um grande número de brancos ressentidos. Essa versão da “estratégia do Sul” era centrada no Sul superior e nos subúrbios do Norte, cujos moradores se viam como “racialmente inocentes”, mas que compartilhavam muitos dos mesmos preconceitos dos eleitores no Tennessee ou na Carolina do Norte. A preocupação com questões como a “transferência forçada” e a dessegregação por ordem judicial se tornaram pontos-chave nesse movimento político.

Além disso, é importante ressaltar que as ansiedades dos brancos diante das mudanças raciais no país não eram apenas uma questão de economia ou política, mas também de identidade cultural. A ascensão do movimento pelos direitos civis e o avanço das políticas de dessegregação forçada trouxeram à tona uma crise de identidade para muitos brancos, que se viam ameaçados por um sistema de valores que os colocava em uma posição secundária, muitas vezes desvalorizada, em relação aos negros.

Como a Radicalização da Política Americana Modelou a Direita Contemporânea: A Ascensão da Plutocracia e os Desafios da Conservadora Política Republicana

A radicalização dos eleitores republicanos ao longo das últimas décadas é um fenômeno que não surgiu de forma espontânea, mas sim como resultado de um conjunto de decisões políticas, mudanças institucionais e transformações ideológicas. Desde 1980, ano da eleição de Ronald Reagan, até os eventos de 2016 que culminaram na ascensão de Donald Trump à presidência, observou-se um notável deslocamento na distribuição de renda nos Estados Unidos. A fatia da renda nacional destinada ao 1% mais rico da população dobrou, passando de pouco mais de 10% para cerca de 20%. Em contrapartida, a participação do rendimento destinada à metade mais pobre da população foi reduzida à metade, caindo de 20% para cerca de 10%. O que antes era a parte que sustentava as classes mais baixas, hoje está nas mãos de uma pequena elite, uma classe plutocrática que se enriqueceu à custa de grande parte da população.

Este processo de acúmulo de riqueza pelas camadas mais abastadas da sociedade americana não é um fenômeno isolado, mas um reflexo das políticas neoliberais, da globalização e da desindustrialização, que marcharam lado a lado com a fusão cada vez mais forte entre o poder econômico e o poder político. No entanto, ao contrário do período pós-guerra, considerado por muitos como a "era dourada" do capitalismo americano, a distribuição de riqueza passou a ser um jogo de soma zero, no qual os ganhos de alguns são conquistados às custas de outros. A riqueza, agora concentrada nas mãos de poucos, fortalece o sistema político e econômico em um ciclo vicioso, resistente a qualquer tipo de regulação democrática.

A política americana passou a ser marcada por essa assimetria de poder. A fusão entre grandes corporações e uma classe política ao serviço dos interesses empresariais e dos mais ricos produziu uma plutocracia. A consequência disso não se limita à questão econômica, mas se estende para o campo ideológico e institucional. A ascensão de Trump ao poder é apenas a última expressão de uma longa trajetória de radicalização da direita americana, que, ao longo de várias décadas, passou a incorporar um discurso cada vez mais polarizado e xenofóbico, voltado para a defesa de valores conservadores que se distanciaram das demandas de um sistema de bem-estar social progressista.

Porém, essa radicalização da direita republicana não é apenas uma questão de economia ou política, mas também de identidade. O apelo a um “sonho americano” idealizado, que sempre pareceu fora de alcance para uma grande parte da população, acaba sendo utilizado como uma ferramenta retórica para mobilizar e manter o apoio de vastos setores da classe trabalhadora branca. A promessa de restaurar o “glorioso passado” é, em muitos casos, uma forma de consolar aqueles que sentem que perderam seu lugar no novo mundo globalizado e cada vez mais diverso. As políticas de imigração e a retórica anti-minorias são parte desse jogo de consolidação do poder, enquanto se promete uma proteção contra um futuro incerto.

Ao longo do tempo, a direita republicana tem mostrado uma habilidade notável em manter sua hegemonia, apesar das contradições de sua base de apoio. A coalizão que sustenta o Partido Republicano é, por um lado, alimentada pelos grandes interesses corporativos e pela elite financeira, mas, por outro, depende do apoio de uma classe trabalhadora que, na maioria das vezes, é diretamente prejudicada pelas políticas que o partido implementa. Esse equilíbrio instável foi possível, principalmente, graças ao uso de temas como o racismo, o nativismo e o medo da perda de identidade. Estes elementos têm sido fundamentais para manter a coesão do eleitorado, ao mesmo tempo que servem para esconder as reais intenções econômicas da elite política.

O caminho para a ascensão de Trump foi pavimentado por décadas de manipulação política que remontam ao período de Barry Goldwater e George Wallace. Goldwater, em sua campanha presidencial de 1964, estabeleceu as bases para a nova direita ao se opor ao Estado de Bem-Estar Social e adotar um discurso de "direitos dos Estados" que atraía a população branca do Sul, indignada com as reformas sociais e raciais promovidas por Washington. A rejeição à legislação federal de direitos civis, por exemplo, se tornou um ponto de união para aqueles que viam a modernização social como uma ameaça à sua forma de vida tradicional.

Desde então, esse apelo à resistência à mudança, à preservação de valores “autênticos” e ao medo do outro tem sido um elemento constante na retórica republicana. Donald Trump, ao se apresentar como o defensor da classe trabalhadora branca, não fez mais do que seguir a linha de raciocínio que Goldwater e Wallace estabeleceram, ao canalizar o descontentamento da população com a elite política e as transformações sociais, além de mobilizar um discurso de ódio e exclusão contra os imigrantes e as minorias.

Para os eleitores que defendem a causa republicana, é fundamental compreender que as mudanças econômicas e políticas pelas quais os Estados Unidos passaram ao longo das últimas décadas não são apenas um reflexo da evolução natural de uma economia globalizada, mas sim o resultado de escolhas políticas que favoreceram uma minoria em detrimento da maioria. A concentração de riqueza e poder nas mãos de uma elite plutocrática não é um fenômeno inevitável, mas sim uma consequência de decisões deliberadas, que transformaram os Estados Unidos em uma sociedade cada vez mais polarizada e difícil de reconciliar. O desafio futuro, portanto, será encontrar formas de superar as divisões e restaurar um sistema político que funcione para todos, e não apenas para os poucos que detêm o poder.

Como o Racismo e a Política de Identidade Moldaram a Direita Americana e o Surgimento de Trump

A ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos não é um fenômeno isolado ou temporário; ela é, na verdade, uma continuação de um movimento profundo dentro da política americana que se enraizou nas dinâmicas raciais e na evolução das identidades políticas ao longo do século XX. Para compreender como isso aconteceu, é preciso olhar para o histórico da direita americana e os fundamentos de seu discurso, que muitas vezes recorreu ao medo do "outro" e à manipulação das tensões raciais para garantir apoio político.

A história da direita no país, particularmente a partir da década de 1960, está imersa em uma reconfiguração da política racial e da identidade branca. Desde a ascensão do conservadorismo de Barry Goldwater até a popularização das ideias de Newt Gingrich e Ronald Reagan, o uso da raça como um fator determinante nas campanhas políticas tornou-se uma estratégia predominante. Esses líderes, junto com outros ideólogos da direita, ajudaram a moldar o que hoje conhecemos como a "estratégia do sul", uma tentativa deliberada de alinhar o Partido Republicano com os valores de uma parte da população branca do sul, que se sentia ameaçada pela mudança social e pela crescente luta pelos direitos civis.

Barry Goldwater, em sua candidatura presidencial de 1964, foi um dos primeiros a adotar uma postura que seria mais tarde amplamente vista como parte da estratégia da direita moderna. Ele se opôs aos direitos civis, uma posição que, embora impopular em muitos círculos, lhe garantiu o apoio das populações brancas conservadoras. A partir disso, a política racial nos Estados Unidos começou a ser ligada diretamente à ascensão de uma nova direita que apelava para o medo da perda de status e privilégio das classes brancas. Essa transformação culminaria, em última instância, no surgimento de Trump como a figura que mais claramente personificaria essa política de reação e ressentimento.

A retórica usada por Trump em sua campanha e presidência, especialmente no que tange à imigração, ao multiculturalismo e à identidade nacional, é um reflexo direto dessa história. Suas promessas de "drain the swamp" (limpar o pântano) e de "Make America Great Again" (Fazer a América Grande Novamente) não são apenas apelos populistas, mas também apelos àqueles que sentem que a América está perdendo sua identidade, que está sendo invadida por elementos estranhos, seja na forma de imigrantes, minorias ou movimentos progressistas.

Além disso, a ascensão de Trump também reflete um fenômeno mais amplo de polarização e fragmentação política, que foi acelerada pela internet e pelas redes sociais. Os códigos raciais e os discursos de ódio, que eram anteriormente mais marginalizados, passaram a ocupar um lugar central no debate político mainstream. Isso reflete um retrocesso em relação aos avanços conquistados nas décadas anteriores em termos de direitos civis e igualdade racial, um retrocesso que é alimentado pela ideia de que a América, com seu legado de supremacia branca, está sendo ameaçada por forças externas e internas.

É importante destacar que a manipulação da identidade racial na política não é uma estratégia exclusiva da direita, mas foi a direita conservadora que, ao longo das últimas décadas, desenvolveu e refinou o uso do racismo como uma ferramenta eleitoral. Isso se manifesta em discursos que apelam diretamente para os medos das classes médias brancas que, em um contexto de globalização e desigualdade crescente, veem seu lugar no mundo sendo ameaçado. A política de identidade branca, como analisada por estudiosos como David Roediger e Ian Haney López, mostra como as classes brancas nos Estados Unidos, especialmente aquelas de classe média e baixa, são ensinadas a se identificar com um grupo que, embora não necessariamente o mais privilegiado economicamente, compartilha de um privilégio racial que é constantemente reafirmado.

Além disso, a direita americana tem se distanciado cada vez mais das ideias de "neutralidade racial" ou de "igualdade de oportunidades" que definiram o movimento dos direitos civis nas décadas de 1960 e 1970. Em vez disso, promove-se uma política que enfatiza o "direito" da maioria branca a manter sua hegemonia cultural e política. Isso fica evidente nas constantes referências à "invasão" de imigrantes, como se estas pessoas, muitas vezes refugiadas ou buscando melhores condições de vida, estivessem diretamente ameaçando a nação e seus valores fundamentais.

O que é essencial entender ao analisar esse fenômeno é que a ascensão de Trump é um reflexo de um ciclo mais amplo de crise cultural e econômica que está no centro da política americana. Ao longo das últimas décadas, a desigualdade econômica e a perda de poder das classes trabalhadoras brancas têm se intensificado, e Trump capitalizou sobre esse ressentimento. Mas ele também conseguiu atrair uma base que se sente desconectada das elites, que percebem que suas necessidades não são mais atendidas pelo sistema político tradicional. Essa desconexão é alimentada por uma retórica que mistura o medo da imigração, o ódio a minorias e a defesa de um passado idealizado, que nunca foi, na verdade, tão ideal.

Para entender as dinâmicas contemporâneas da política americana, é fundamental reconhecer que, por trás do populismo e da retórica anti-establishment de Trump, existem tensões raciais e de classe que se acumulam há décadas. Ele não é um acidente, mas o produto de uma longa história de manipulação da identidade branca e do medo do "outro" como ferramenta política. O racismo estrutural, embora negado por muitos, continua sendo uma das principais forças motrizes que moldam as divisões políticas e sociais nos Estados Unidos.