O movimento de boicote, desinvestimento e sanções (BDS) é muitas vezes interpretado como uma ferramenta estratégica voltada para a libertação da Palestina, mas ele pode ser mais do que isso. O BDS oferece uma possibilidade de questionamento das relações entre as comunidades palestinas na diáspora e as comunidades colonizadoras nas quais estão inseridas. Ele oferece, também, uma oportunidade para articular o nacionalismo indígena, ao desterritorializar suas estratégias e trabalhar para desexcepcionalizar geograficamente o território. Uma geografia desexcepcionalizada reconhece que a colonização por colonos não está restrita a um único domínio e, ao fazê-lo, enfraquece as narrativas mitológicas da ocupação.
Os apelos feitos por Krebs e Olwan, ao destacar questões de violência sexual e racismo que compõem a anatomia da ocupação colonial, contribuem para esse objetivo. No entanto, é importante notar que os ativistas e estudiosos do BDS, tanto na Palestina quanto na América, têm realizado essas análises com grande sofisticação, e o que se busca é um engajamento mais aprofundado com as questões indígenas globais, afastando o BDS das tentativas de conciliação institucional que o limitam.
Em suas reflexões, Joseph Massad já apontou que todas as "soluções" propostas pelos governos ocidentais, árabes, e liberais israelenses e palestinos para o "conflito palestino-israelense" são fundadas na premissa de garantir a sobrevivência de Israel como um estado judeu racista e intocado. Todas as soluções que não garantem isso são descartadas como impraticáveis e até anti-semitas. Nesse contexto, as tentativas recentes de cooptar o BDS para esse mesmo objetivo estão alinhadas com esse compromisso político.
Massad observa as versões do BDS que se limitam ao boicote de produtos provenientes da Cisjordânia ocupada ou às iniciativas simbólicas de reconhecimento da Palestina como um estado, como foi feito por vários países da União Europeia em 2014. O que ele propõe é que o BDS coloque mais ênfase na descolonização através do fortalecimento da ideia de pertencimento palestino e do direito de retorno, um conceito legal e moral que permitiria aos refugiados retornarem às suas casas originais na Palestina. No entanto, qualquer dependência do protocolo estatal é uma proposta arriscada, algo que Massad tem enfatizado em seus escritos. A inadequação do protocolo estatal, aliás, foi muitas vezes a razão inicial para o boicote, pois os estados e as organizações internacionais se recusam a cumprir as leis internacionais que trariam Israel à conformidade com os direitos humanos.
Judith Butler, por sua vez, aponta a realidade de que os intelectuais e ativistas palestinos chegaram à compreensão de que os estados-nação e os organismos internacionais se recusam a aplicar as normas e leis internacionais que colocariam o Estado de Israel sob pressão para cumprir com os direitos dos palestinos. O movimento BDS se tornou, assim, a opção viável para os atores não-estatais, aqueles que operam em universidades, movimentos sociais, organizações jurídicas e aqueles que vivem em situações de cidadania parcial ou até mesmo de forma irregular. O BDS se tornou a principal aliança contemporânea que exige o fim das formas de cidadania baseadas na estratificação racial e insiste nos direitos à autodeterminação política para aqueles que têm tais liberdades negadas ou indefinidamente suspensas.
A abordagem de Butler também destaca a natureza internacional do BDS, evidenciando que o movimento não se restringe à Palestina. Ao não se limitar a geografias específicas, ela chama a atenção para questões mais amplas de despojo e estratificação que enquadram a ocupação israelense. Essa integração da Palestina nos sistemas políticos e econômicos de opressão mundial é clara na adesão, em 2014, do NAISA (North American Indigenous Studies Association) ao boicote acadêmico a Israel. O conselho da NAISA emitiu uma declaração que destaca a ilegalidade da ocupação palestina e as estruturas legais do Estado de Israel que discriminam sistematicamente os palestinos e outros povos indígenas. O uso do plural para termos como "terra", "estruturas estatais" e "estruturas legais" sugere que a colonização por colonos afeta vários povos indígenas simultaneamente. Essa abordagem não só integra a Palestina no espaço indígena, mas também aponta para uma ética ativa e acadêmica que valoriza a análise estrutural do poder estatal e a resistência indígena.
O movimento BDS, em sua vertente mais ampla, busca destacar a interconexão das lutas de resistência contra a colonização. A afirmação de que a Palestina é uma ocupação integral, e não apenas a Cisjordânia e Gaza, não é uma noção radical, mas sim uma perspectiva comum no Hemisfério Sul, o que revela o potencial para abordagens mais radicais de descolonização. Nos Estados Unidos, por exemplo, isso seria equivalente a recusar limitar o nacionalismo indígena aos direitos de tratados, optando por tratar o pensamento e as práticas decoloniais como um projeto continental.
A noção de "uma única ocupação" se estende além da Palestina e se aplica às estratégias arquetípicas da colonização de colonos: desumanização dos nativos, naturalização da conquista, injustiça legal, racismo, pensamento binário, desonestidade, má conduta legislativa, traição, violência sistêmica, messianismo e história falsificada. A colonização por colonos permeia o ethos dos corpos internacionais de governança, organizações de direitos humanos e ONGs. A verdadeira libertação nunca ocorreu através das manobras legislativas de homens civilizados em ternos de grife. Os povos indígenas ao redor do mundo enfrentam diversas formas de ocupação, mas, no fundo, as práticas envolvidas na ocupação buscam um único objetivo e seguem um padrão comum.
O movimento BDS, como defendido por ativistas indígenas, não se limita apenas à solidariedade. Ele é visto como compatível ou como um suplemento ao trabalho realizado nas comunidades indígenas. Essa versão do BDS prioriza questões econômicas, raciais, sexuais e geográficas, além de suas formas tradicionais de discurso baseado em direitos. Ao fazer isso, o BDS é desagregado da provincialidade de uma geografia singular, e seus defensores nos Estados Unidos e no Canadá são convidados a subverter a colonização onde quer que seus pés toquem o solo.
Qual o Papel da Memória Cultural na Luta pela Sobrevivência e Resistência Indígena?
A intersecção entre os sistemas sociopolíticos indígenas e as vicissitudes da democracia de cima para baixo revela um diálogo constante entre o passado e o presente, onde a recuperação da memória cultural vai além de um exercício de resgate, sendo também uma técnica essencial para a sobrevivência física. Este diálogo com o passado não se restringe a uma simples reconstrução histórica, mas serve como uma ferramenta para manter viva a essência da liberdade indígena, oferecendo uma visão do que significa, na prática, “ser livre”. A liberdade não é uma abstração, mas uma vivência profunda e material, ancorada na continuidade da memória e na resiliência diante do colonialismo.
É fácil esquecer qual conjunto de textos deve representar o nativo quando se olha para o poeta palestino ou vice-versa, o que se torna um benefício evidente ao ler as poesias em paralelo. O poeta palestino escreve a partir da perspectiva do "índio vermelho", enquanto o poeta indígena assume a perspectiva palestina. Essa inversão de subjetividades é um dos principais objetivos de Means, ao responder a Darwish, ampliando as dimensões de sua reflexão. O poeta, como um verdadeiro "mestre da metamorfose cultural", torna-se capaz de desconstituir identidades étnicas e fazer emergir novas formas de resistência. A poesia, portanto, não é apenas uma forma de expressão, mas uma estratégia de adaptação e sobrevivência frente a uma história de opressão.
Essa inversão de subjetividades, embora sutil, é central para a compreensão da utilidade da memória cultural. Para Means, a abordagem de Darwish sobre a memória cultural exige a presença de um cosmos e uma paisagem, mesmo que distantes ou degradadas. Na poesia, essa ideia se manifesta na imagem de dois astros destinados ao descanso dos mortos e no apelo para que o invasor leve tudo o que deseja, mas deixe algo para os nativos sobreviverem. Esse conceito de sobrevivência não está apenas relacionado com a física, mas com a manutenção de uma identidade cultural num espaço invadido. A oferta desesperada de coexistência com os "restos" da conquista é um reflexo da resistência que se vê em várias poesias nativas que exploram as consequências mundanas da colonização.
A questão central se revela na tensão entre os ideais de sucesso econômico pós-industrial e a ideia de "survivance" que Vizenor, escritor Ojibwe, descreve como uma fusão entre sobrevivência e resistência. Essa irreconciliabilidade entre a tradição e a indústria não é algo fixo, mas é apresentada ao leitor para reflexão. A imposição das estruturas coloniais, seja no aspecto político ou ecológico, cria modos profundamente restritos de autonomia, cujas consequências reverberam em várias formas de luta, não apenas política, mas também moral e filosófica.
Na construção do poema de Means, a desconexão dos colonizadores é exposta de maneira incisiva. Ao refletir sobre a falta de compreensão do colonizador sobre a liberdade e as riquezas naturais da terra, Means reforça uma visão crítica sobre a incapacidade do colonizador de se conectar com o que é fundamental para a sobrevivência de uma terra ancestral. A falha do colonizador em entender esses elementos é uma acusação velada e um convite a retornar à origem das paisagens nativas, às paisagens que os colonizadores inevitavelmente perderão ao longo do tempo, como uma metáfora para sua incapacidade de integrar esses conhecimentos profundos.
Assim como no caso de Darwish, onde a memória cultural é central, a figura do "estranho" é ambígua. Em certos momentos, "estranho" pode ser entendido como um cumprimento amigável, mas quando associado à totalidade da narrativa, assume um tom acusatório. A incapacidade do colonizador de compreender o significado mais profundo das relações com a terra e com a memória cultural dos povos originários é uma crítica que permeia toda a poesia indígena, que se coloca contra a negação de suas existências e suas histórias.
Este cenário de resistência e sobrevivência é, em última instância, uma crítica a um sistema maior de negação, que visa a destruição das culturas indígenas em nome de um progresso industrial e econômico. A resposta do nativo, muitas vezes, é a simples, porém potente, ação de retornar com força, sem pedir desculpas, uma resistência sem concessões. O "retorno", mais do que uma reconquista do espaço físico, é uma reafirmação da identidade cultural, que resiste ao tempo e à opressão.
Além disso, é essencial compreender que a luta pela memória e pela identidade cultural indígena não se resume à preservação do passado, mas também à criação de um futuro possível, onde a resistência não é apenas uma reação, mas um projeto de transformação ativa. O reconhecimento das feridas históricas, tanto no contexto indígena quanto no palestino, exige uma nova forma de imaginar o futuro, um futuro em que a convivência não seja apenas uma concessão, mas uma reconstrução radical dos sentidos de terra, cultura e identidade.
Qual é o impacto da assistência mecânica circulatória em pacientes com choque cardiogênico?
Como a Flutuação da Fluorescência Pode Revelar Detalhes Importantes Sobre Moléculas e Células
Quais os Desafios e Avanços nas Tecnologias de Captura de CTCs para Oncologia de Precisão?

Deutsch
Francais
Nederlands
Svenska
Norsk
Dansk
Suomi
Espanol
Italiano
Portugues
Magyar
Polski
Cestina
Русский