A abordagem por eventos discretos aplicada ao carregamento de veículos elétricos representa uma transformação metodológica significativa na gestão operacional de microrredes sustentáveis. O modelo tradicional baseado no tempo discreto, que considera janelas temporais fixas e uniformemente espaçadas, tende a tornar-se rapidamente inviável do ponto de vista computacional à medida que o horizonte de planejamento se amplia. Esse aumento exponencial no número de variáveis compromete tanto a escalabilidade quanto a agilidade de resposta do sistema. A substituição por uma modelagem baseada em eventos discretos permite contornar tais limitações ao concentrar a análise apenas nos momentos efetivos de transição de estado, ou seja, na ocorrência de eventos relevantes para o sistema.

Um sistema a eventos discretos (SED) caracteriza-se por uma evolução de estados que ocorre exclusivamente em pontos temporais determinados por eventos assíncronos. Nesse contexto, o tempo não é uma variável independente, mas uma dimensão subordinada à dinâmica dos eventos. Cada evento corresponde a uma transição instantânea de estado, provocada por ações externas ou ocorrências internas, como a finalização de um carregamento ou uma falha no sistema. O sistema permanece inalterado até que um novo evento seja disparado, o que confere à abordagem uma notável eficiência na modelagem de operações esparsas e pontuais, como é o caso do carregamento de veículos elétricos em estações com apenas um ponto de conexão.

A arquitetura da microrrede considerada compreende um único nó que agrega tanto as cargas quanto as unidades de geração — renováveis e não renováveis — e os sistemas de armazenamento. A função objetivo do modelo de otimização é composta por três componentes principais: o custo da energia produzida a partir de fontes não renováveis, o custo ou lucro associado à compra e venda de energia na rede principal, e um custo penalizante associado a atrasos no carregamento dos veículos. Esses elementos refletem não apenas uma preocupação operacional, mas também econômica e ambiental, alinhando-se com os princípios da transição energética sustentável.

Ao contrário da abordagem em tempo discreto, que necessita avaliar o estado do sistema em cada instante fixo, a metodologia por eventos discretos permite que a otimização se concentre exclusivamente nos momentos em que decisões efetivamente precisam ser tomadas — isto é, quando veículos chegam, saem, iniciam ou terminam o carregamento. Essa compressão temporal reduz o espaço de busca e o número de variáveis de decisão, tornando o modelo computacionalmente mais viável sem sacrificar a precisão da representação do sistema.

Entretanto, essa abordagem não é isenta de desafios. A previsão de potência disponível — seja da geração renovável, seja da demanda — normalmente é fornecida em intervalos regulares de tempo. Essa disparidade obriga o modelo a operar com hipóteses adicionais para converter informações de tempo discreto em uma lógica orientada a eventos. Ainda assim, os benefícios superam as limitações, sobretudo em contextos onde a reatividade e a adaptação dinâmica são essenciais.

A representação do carregamento de veículos como um problema de escalonamento — onde os veículos são os clientes e as estações de carregamento, as máquinas — permite aplicar técnicas clássicas de otimização combinatória e programação matemática, adaptadas ao paradigma de eventos discretos. Cada tarefa (carregamento) possui um tempo de início, um tempo de conclusão e um conjunto de restrições ligadas à disponibilidade energética, à prioridade dos usuários e aos limites físicos da infraestrutura.

Importante destacar que, embora a redução da complexidade computacional seja um dos maiores atrativos da abordagem, sua eficácia depende da qualidade dos eventos escolhidos para representar o sistema. A seleção inadequada de eventos pode levar a uma perda significativa de informação sobre o estado real do sistema, comprometendo a performance do controle. Por isso, o equilíbrio entre granularidade e eficiência deve ser cuidadosamente calibrado.

Além disso, essa metodologia tem mostrado bons resultados também em áreas correlatas, como o controle de temperatura em edifícios (HVAC), o planejamento de produção em sistemas flexíveis de manufatura e o controle distribuído de recursos limitados. Em todos esses casos, a lógica orientada a eventos oferece uma alternativa mais ágil, escalável e sensível às variações contextuais do que as abordagens baseadas puramente em tempo.

Para o leitor que deseja compreender profundamente a aplicabilidade prática dessa abordagem, é crucial considerar as implicações sistêmicas da modelagem por eventos. Isso envolve não apenas a matemática da otimização, mas também o entendimento das dinâmicas operacionais da microrrede, a variabilidade das fontes renováveis, a imprevisibilidade do comportamento dos usuários de veículos elétricos e as restrições regulatórias e econômicas do fornecimento de energia.

É fundamental compreender que a eficiência de uma microrrede não depende apenas da precisão do modelo, mas da capacidade de integrar múltiplas camadas de informação — previsões meteorológicas, padrões de mobilidade urbana, estratégias de armazenamento de energia — em tempo quase real. A abordagem por eventos discretos, ao reduzir o número de variáveis e reagir diretamente a alterações relevantes, se mostra particularmente adequada a esse desafio complexo.

Como Modelar a Otimização do Carregamento de Veículos Elétricos em Redes Inteligentes?

A modelagem do carregamento otimizado de veículos elétricos, especialmente no contexto de sistemas de transporte público com múltiplos ônibus elétricos, envolve uma série de considerações técnicas e operacionais. Entre os elementos mais críticos estão as variáveis de estado de carga, o gerenciamento da energia da rede elétrica e as restrições físicas e temporais que definem a operação do sistema.

Um aspecto fundamental na otimização do carregamento de veículos elétricos é a consideração das restrições de tempo e energia. O modelo proposto impõe que o processo de carregamento para o i-ésimo ônibus seja concluído dentro da janela de tempo disponível, definida por cada intervalo de carga. Para isso, são introduzidas variáveis binárias auxiliares (θ1,i e θ2,i) para forçar a exclusão mútua entre as operações de carga e descarga dos ônibus, assegurando que em determinado momento não haja conflitos entre os processos de fornecimento de energia à bateria e a retirada de energia. Além disso, são introduzidas desigualdades que garantem a eficiência no uso da energia, levando em conta as restrições máximas de potência e o estado de carga das baterias de cada veículo, representadas pelas equações:

0PG1,iPMAXG0 \leq PG1,i \leq PMAX G
0PG2,iPMAXG0 \leq PG2,i \leq PMAX G
0Pch,iPMAXch0 \leq Pch,i \leq PMAX ch

Essas restrições visam garantir que as flutuações no fornecimento de energia sejam limitadas de acordo com a capacidade da infraestrutura de carregamento.

Ademais, o modelo exige que as variáveis temporais, como os tempos de chegada e partida de cada ônibus, estejam alinhadas com as janelas de carregamento. A sequência de carregamento de cada ônibus deve respeitar as ordens de chegada, evitando que o carregamento de um veículo interfira no processo de outro. Isso é modelado por meio das seguintes equações:

tfin,itarr,i+chw,itfin,i \leq tarr,i + chw,i
tin,i+1tfin,i+ϵ1tin,i+1 \geq tfin,i + \epsilon_1
tin,itarr,i+ϵ2tin,i \geq tarr,i + \epsilon_2

Essas restrições asseguram que o tempo de carregamento de um ônibus não se sobreponha ao tempo de outro, respeitando os intervalos entre a chegada e a partida.

Além disso, o modelo considera que a carga da bateria de um ônibus deve ser suficiente para cobrir as demandas de energia durante os seus trajetos diários. A demanda de energia de cada ônibus, representada por ECiEC_i, depende da eficiência da bateria e da duração das viagens, calculada com base nas informações sobre as rotas e as paradas, levando em consideração o uso de freios regenerativos e o consumo de combustível. Isso é dado pela equação:

ECi=ηiPch,ichiEC_i = \eta_i Pch,i \cdot chi

Onde ηi\eta_i representa a eficiência da bateria e chichi a duração do processo de carregamento.

Além da formulação das restrições de energia e tempo, um componente crucial é a análise da periodicidade do sistema. Isso é garantido pela introdução de condições de continuidade nas variáveis de estado de carga da bateria no início e no fim de cada ciclo, assegurando que o sistema de carregamento e descarregamento de energia funcione de forma recorrente, com os estados de carga do sistema no início e no fim do ciclo sendo idênticos:

tfin,N=tfin,0+Ttfin,N = tfin,0 + T
xS,0=xS,NxS,0 = xS,N

Essa abordagem de otimização permite que a infraestrutura de carregamento seja utilizada de maneira eficiente, sem a necessidade de um número excessivo de estações de recarga, o que resulta em benefícios econômicos, tanto no custo de instalação quanto na operação do sistema.

Quando aplicada a um estudo de caso, o modelo demonstrou que cinco ônibus podem ser carregados de maneira eficiente utilizando apenas uma estação de carregamento, com custos de operação significativamente reduzidos. O custo total do carregamento para cinco ônibus foi calculado em 70,87 euros, com o sistema iniciando o ciclo de operação com um estado de carga de aproximadamente 50%. Isso demonstra como a otimização do carregamento pode resultar em benefícios financeiros substanciais, ao mesmo tempo que assegura que as operações de transporte público não sejam comprometidas.

Por fim, é relevante compreender que a eficiência do sistema depende diretamente da precisão na modelagem das variáveis de tempo, energia e carga das baterias. O uso de ferramentas de software, como o LINGO™ e o QGIS, para calcular o consumo de energia e as trajetórias dos ônibus, tem um papel central no sucesso dessa abordagem. Além disso, a escolha de uma função de custo, como a aproximada por um polinômio de sexto grau, é essencial para representar as flutuações no custo de operação ao longo do tempo, garantindo que a otimização seja realizada de forma adequada a diferentes condições de mercado e demanda.