Se não fosse pelas más notas que Kostya Malinin e eu tiramos em geometria no início do ano escolar, nada miraculoso ou fantástico teria ocorrido em nossas vidas. Mas, como a sorte ou o destino quis, acabamos recebendo essas notas baixas, e no dia seguinte algo absolutamente milagroso e até sobrenatural aconteceu conosco. Durante o intervalo, logo após aquele desastre, Zina Fokina, nossa monitora de classe, se aproximou de nós e exclamou: "Barankin, Malinin, como puderam! Que vergonha! Vocês desonraram a escola inteira!" Então ela reuniu as meninas ao redor e começaram a conspirar contra nós. Pelo que pude perceber, estavam planejando algo contra mim e Kostya. Essa reunião continuou durante todo o intervalo até o som da campainha que indicava o próximo período letivo.

Enquanto isso, Alik Novikov, o fotógrafo do jornal mural e repórter especial, capturou fotos nossas e as publicou com o título "Dunces run in pairs" (Os burros andam em pares) na coluna "Humor e Sátira" do jornal da escola. Depois disso, Era Kuzyakina, a editora-chefe do jornal, nos lançou um olhar furioso e sibilou: "Ugh, vocês! Como ousam estragar um jornal tão bonito!" De fato, o jornal estava bem colorido, mas as nossas caras mal-humoradas, estampadas com a palavra "burros", não combinavam com aquele visual alegre e vibrante.

Eu não resisti e mandei uma nota para Kuzyakina, sugerindo: "Kuzyakina! Que tal tirar nossas fotos para o jornal voltar a ficar bonito?" Sob a palavra "bonito", desenhei duas linhas pesadas, mas ela apenas deu de ombros, sem ao menos olhar para mim.

Logo, o último sinal tocou, e todos os alunos correram para a porta. Eu estava prestes a empurrá-la com o ombro quando Era Kuzyakina se colocou entre mim e a saída, gritando: "Não saiam! Não saiam! Vamos fazer uma reunião geral!" Ela disse isso com um tom de voz vingativo: "Vamos discutir sobre Barankin e Malinin." "Não é uma reunião!" gritou Zina Fokina. "É só uma conversa. Uma conversa séria. Voltem para seus lugares!"

Foi o estopim para uma explosão de gritos e protestos. Todos começaram a bater as tampas das mesas, a nos xingar e a gritar que não iam ficar para nada. Claro, Kostya e eu gritamos ainda mais alto. Quem já ouviu falar em algo assim? Assim que um aluno tira uma nota baixa, fazem uma reunião geral—bem, se não exatamente uma reunião, pelo menos uma "conversa séria". Isso nunca aconteceu antes. No ano passado, também tiramos notas baixas, mas ninguém fez tanto alarde. Fomos advertidos, claro, mas não foi assim, tão imediatamente. Deu tempo para nos recompor, como se costuma dizer.

Os murmúrios se intensificaram enquanto nossos colegas se preparavam para discutir o que fazer conosco. Aquele evento não foi um simples incidente, mas sim o início de uma cadeia de acontecimentos imprevisíveis. Estávamos prestes a entender que as coisas nem sempre acontecem como imaginamos, e que um simples erro pode se transformar em uma oportunidade de transformação e aprendizado. Afinal, a vida escolar, com suas regras e expectativas, pode ser uma verdadeira arena de desafios, onde até os menores deslizes têm consequências imensas.

Aparentemente, nossas más notas estavam prestes a nos transformar em protagonistas de uma trama muito maior do que qualquer um poderia ter previsto. Em meio ao caos, fomos forçados a refletir sobre as expectativas que a sociedade e a escola impõem sobre os jovens, e como elas podem ser um peso insuportável. Mas mais importante ainda, começamos a perceber que o que parecia ser uma simples falha poderia nos proporcionar uma lição valiosa sobre resiliência e adaptação.

É interessante notar que as reações desproporcionais que experimentamos naquela escola também revelam uma crítica à maneira como frequentemente lidamos com falhas, não apenas no ambiente escolar, mas na sociedade em geral. A pressão para sermos perfeitos pode transformar um erro trivial em um drama digno de uma grande obra teatral. Esse tipo de cultura de "excelência" extrema é algo que vale a pena considerar: até onde devemos permitir que a necessidade de desempenho impecável dite o rumo de nossas vidas? Em muitos casos, a resposta a isso está justamente em aprender a lidar com os erros e usá-los como trampolins para o crescimento pessoal.

Como Sobreviver à Força do Instinto: Um Desafio da Vontade Humana

Kostya Malinin ainda continua sendo uma formiga? Por que trabalhávamos a todo vapor para consertar um formigueiro no qual não pretendíamos morar? Por que suávamos como cavalos de carga, tropeçando de fadiga a cada passo? Chega! Era hora de voltarmos, antes que algo terrível e imprevisto acontecesse. Viver com essas aves e insetos estava se tornando uma ameaça real. Olhei para Kostya Malinin. Ele estava em silêncio. Não me perguntou nada, não reclamou de eu tê-lo colocado naquela situação pela terceira vez, não xingou nem praguejou. Eu teria me sentido muito melhor se tivesse feito qualquer uma dessas coisas. Mas Kostya permaneceu calado, parecia que tinha a boca cheia de água. Ele estava ocupado, carregando e descarregando repetidamente, sem dar um passo atrás. Ele trabalhava como uma verdadeira formiga.

“Isso tem que parar!” pensei comigo mesmo. “Devemos parar de trabalhar imediatamente e economizar forças para o nosso retorno, ou esse tal Instinto vai nos exaurir até o fim do dia. Vamos estar mais mortos do que vivos. Que as formigas comuns sigam esse Instinto cegamente, se quiserem, mas nós, Malinin e eu, vamos mostrar a ele que somos seres inteligentes, com mentes próprias. E sem erro!” Mas como mostrar isso, quando toda a minha inteligência havia sumido e o único pensamento que ocupava minha mente era: "Carregar! Arrastar! Levantar! Vamos lá, Barankin!"?

Enquanto carregava, arrastava e levantava, dava ordens a mim mesmo em silêncio: "Pensa, Barankin! Pensa! Puxa o freio da mente para desafiar esse bendito Instinto! Não obedeça! Não!" Com as palavras "não obedeça", um plano logo tomou forma na minha cabeça, ou melhor, uma trama, provavelmente única em todo o mundo. Decidi levantar uma revolta contra esse Instinto, uma verdadeira insurreição. Estava cambaleando com um feixe de agulhas de pinheiro nas costas quando parei de repente. Levantei-me sobre as patas traseiras, estiquei as costas cansadas e gritei bem alto, como Pedro, o Grande, em Poltava: “Malinin!” comandei. “Jogue essa porcaria fora! Chega!”

“Chega? O que é que chega?” perguntou Kostya, indiferente. “Vai ter uma revolta! Uma conspiração!”

“Contra quem?”

“Contra o I-N-S-T-I-N-T-O! Uma conspiração!”

“O que é uma conspiração?” Kostya perguntou. “Nunca vi!” Kostya estava começando a esquecer até o significado das palavras humanas mais simples. Rapidamente, expliquei o que queria dizer e o que era uma conspiração. Ele me ouviu sem muito entusiasmo e disse, de forma apática: “O que é uma conspiração?”

“Uma conspiração, ora, uma conspiração! Quer dizer—não uma conspiração qualquer, mas uma mortífera! Entendeu?”

“E o que significa ‘mortífera’?” perguntou Kostya.

“Significa que nós dois vamos morrer antes de obedecer ao Instinto.”

“E o que significa ‘obedecer’?” perguntou Malinin, olhando para mim com os olhos cansados e soltando um suspiro perplexo.

“Bem simples. Agora o Instinto vai nos carregar, a você e a mim. Entende? Vai nos carregar.”

“Carregar... sim, entendi,” disse Kostya.

“Bom!” exalei com alívio. “O Instinto vai nos carregar, vai nos fazer trabalhar, mas nós, você e eu, não vamos obedecer. Não obedecer. Entendeu?”

“Como assim, não obedecer?”

“Eu explico. Assim. Olha!” Joguei para o lado o feixe de agulhas de pinheiro que carregava nas costas. No começo, Kostya me olhou como se eu fosse uma formiga maluca, mas, depois de lutar com algum pensamento confuso, ele também largou a folha de bétula que carregava. Então, aliviados de nossos fardos, fugimos do caminho das formigas e nos esgueiramos para longe. O Instinto, claro, queria que eu pegasse as agulhas de novo, mas me recusei a obedecer. Kostya ficou tenso ao meu lado, e de repente começou a dar voltas, como um cachorro tentando pegar o próprio rabo.

“O que foi, Kostya?” perguntei.

“Sinto vontade de voltar e pegar aquela folha,” sussurrou ele.

“Não ceda! Não obedeça, por nada neste mundo!” eu o incentivei, me escondendo em um arbusto de grama.

Superando a resistência do Instinto a cada passo, Kostya se aproximou de mim com dificuldade e se agarrou a mim com suas seis patas. Levantei uma folha de bétula sobre nossas cabeças como um cobertor, para que ninguém nos visse.

"E agora," sussurrei com fervor, "agora, Kostya, concentre-se e repita após mim: Não de noite! Não de dia! Eu quero! Ser! Uma formiga! Deixe-me ser humano em todos os sentidos, para sempre!" Kostya deu um soluço alto, depois suspirou, e, em vez de repetir as palavras mágicas, disse: “Oo, mamãe!”

“Como foi que você disse?” perguntei.

“Alguém está brincando comigo!”

Naturalmente, pensei que fosse o Instinto tentando pegar Kostya novamente. Levantei a borda da folha de bétula e espiamos. Não era o Instinto. Era uma formiga estranha, que agarrava a pata traseira de Kostya com força, puxando-a com toda a sua energia.

Eu pensei que poderia me livrar dessa formiga facilmente, mas me enganei. Ele era uma formiga muito resistente. Logo, ele agarrou uma das minhas patas também. Avisando-o, disse: “Solte-nos! Vai ser pior para você!” Mas ele não soltou, continuou puxando, até arrancar a folha de bétula que nos cobria. Isso me enfureceu, claro, e saltei para cima, furioso.

A velha formiga começou a nos sondar com suas antenas, como um médico, e perguntou: “O que está acontecendo? Estão doentes?”

“Não,” respondi. “Eu estou bem.”

“Então, o que estão fazendo aqui deitados?”

“Estamos apenas descansando.”

“Por que estão descansando quando todo mundo está trabalhando?”

“Porque hoje é domingo,” expliquei.

“Domingo? O que é domingo?” a velha formiga perguntou.

“Um dia de descanso,” disse eu.

“Para que serve isso?” ela insistiu.

“Simplesmente,” comecei a explicar, “é um dia em que ninguém trabalha.”

A notícia de que duas formigas estavam dormindo no auge de um dia tão movimentado se espalhou rapidamente pelo formigueiro. O evento foi um grande alvoroço, porque logo todas as formigas se reuniram ao nosso redor, formando um círculo denso e nos observando com seus olhares curiosos. Algumas subiram em caules de flores e folhas de grama para ter uma visão melhor.

“Mas o que é um dia de descanso?” continuava a formiga velha a perguntar, sem entender. Eu tentava explicar, mas parecia que quanto mais eu explicava, menos elas me entendiam.

Quando uma velha formiga se aproximou, uma nova ameaça surgia, mais uma tentativa de nos forçar a voltar ao trabalho. O que aconteceria com nós dois, se nossa revolta falhasse?

Como Descobri a Verdadeira Existência: Reflexões e Encontros

O momento de se conscientizar da própria existência é, muitas vezes, um dos mais reveladores na vida de uma pessoa. É um despertar, um olhar atento para o que antes passava despercebido. Algo que parecia comum e trivial, como nossas mãos ou até mesmo a forma do nosso próprio corpo, pode se tornar um mistério fascinante quando, de repente, começamos a observar com outros olhos. Esse tipo de percepção não surge de um simples pensamento; ele vem como uma epifania, um novo entendimento da nossa própria humanidade.

Kostya e eu, naquele instante de reflexão, começamos a examinar um ao outro de forma quase científica, como se nunca tivéssemos realmente olhado para a presença do outro. Olhávamos as mãos, cheias de cicatrizes de batalhas travadas, e descobríamos nelas algo que antes não percebíamos. As mãos, que antes eram apenas mãos, tornaram-se milagres em si mesmas. Não eram simples extensões do corpo, mas elementos únicos, com histórias, marcas e significados. É comum que, no cotidiano, as pessoas não se atentem a essas partes do corpo, até mesmo ao próprio rosto, que é nossa assinatura visível para o mundo. A cabeça, por exemplo, sempre foi algo que carregávamos sobre os ombros sem dar-lhe a devida atenção. Mas, naquele momento, em meio à nossa conversa silenciosa, ela se revelou como o maior milagre de todos.

Nosso pensamento estava alinhado, em sintonia perfeita. Eu sabia que Kostya sentia o mesmo que eu, mesmo sem palavras. E isso era uma forma de comunicação que transcende os limites da linguagem. É uma conexão mais profunda, que apenas aqueles que realmente se olham e se compreendem podem vivenciar.

Mas antes que pudéssemos continuar nossa jornada de descobertas, um salto abrupto de uma árvore interrompeu o momento. Mooska, nossa gata, apareceu de repente, causando uma dor intensa em minhas costas. Mooska, a mesma gata que, em nossa infância, havia tentado me devorar. A dor foi rápida, mas a alegria de reencontrá-la foi ainda mais intensa. O reencontro com o passado, com aquelas memórias que nos moldaram, trouxe uma sensação de conclusão. Kostya, sempre otimista, sugeriu que deixássemos o passado para trás e abraçássemos a felicidade do presente.

A chegada de Misha e Alik interrompeu nossa introspecção. Eles ficaram surpresos com o nosso entusiasmo, mas nós estávamos em um estado de êxtase. A vida, que antes parecia tão simples, agora se revelava cheia de significados ocultos, de pequenas maravilhas que antes não notávamos. Aquele encontro nos fez perceber que, de fato, o conceito de “homem” tem um som especial, um peso que ressoava em nossos corações.

O mais curioso é que, enquanto nos abraçávamos e ríamos, a ideia de que nossa existência, como seres humanos, é cheia de complexidade e maravilha parecia se expandir. Nós não éramos mais apenas crianças brincando. Nos tornamos conscientes de nossa própria humanidade, da nossa capacidade de pensar, de questionar e de compreender o mundo de uma maneira profunda. Este despertar, embora simples, é transformador, porque a partir dele surge uma nova visão da vida e de nós mesmos.

Além disso, é importante compreender que, enquanto estamos imersos na correria da vida cotidiana, muitas vezes esquecemos de parar e refletir sobre o que realmente significa existir. A nossa existência não se resume apenas a viver, mas a perceber, a refletir e a questionar. Não é suficiente apenas seguir os instintos ou agir sem pensar. O verdadeiro ser humano é aquele que utiliza sua capacidade intelectual de forma plena, que não tem medo de pensar profundamente, de se questionar e de observar o mundo com um olhar novo.

A verdadeira consciência de nossa própria humanidade está atrelada à nossa capacidade de refletir sobre o que somos, de nos olharmos com um olhar atento, como se fossemos objetos a serem analisados. Essa atitude de observação não é só sobre o corpo, mas sobre as ideias, os sentimentos e as intenções. A reflexão sobre a existência humana é, portanto, um caminho constante, e o verdadeiro entendimento do que significa ser humano vem da capacidade de questionar e de buscar respostas, não só no mundo, mas também dentro de nós mesmos.

Como o Medo e a Magia Transformam Nosso Destino: O Encontro com a Realidade das Borboletas

Quando nos encontramos entre a espada e a parede, ou no caso específico de Kostya e eu, entre gatos famintos e a necessidade de escapar das nossas vidas como pardais, é surpreendente o que podemos fazer para mudar nosso destino. A experiência de correr para escapar de algo é familiar para todos, mas a ideia de uma transformação mágica, de mudar radicalmente quem somos, introduz uma nova camada de complexidade às nossas escolhas e medos.

Enquanto fugíamos, a adrenalina pulsava em nossas veias, e nossa única preocupação era sobreviver. Em um momento de pura desesperação, fiz o que qualquer um faria: improvisei uma solução mágica para mudar nossa forma e nos proteger. Eu sabia que, como pardais, nossa existência estava limitada a uma rotina sem fim de lutar por um lugar no mundo, de construir ninhos frágeis e ser constantemente vigiado por predadores como os gatos. Por isso, a ideia de nos transformarmos em borboletas parecia a única saída: um ser livre, sem mais medo, sem necessidade de construir um lar ou disputar alimentos.

Entretanto, quando começamos a nos transformar, algo curioso aconteceu. Na busca pela liberdade, fui surpreendido por um dilema inesperado: o que realmente sabíamos sobre a vida das borboletas? Será que éramos suficientemente sábios para entender as implicações dessa transformação? Embora a vida das borboletas parecesse deslumbrante, leve e sem preocupações, nossa ignorância sobre seus hábitos e o mundo que as cerca me fez questionar se essa escolha não seria mais uma fuga sem fundamento. Não estávamos escapando apenas da realidade dos pardais, mas também de nossas próprias limitações de entender o mundo.

Kostya, com seu vasto conhecimento sobre borboletas, sempre soubera mais do que eu. Ele tinha colecionado várias, aprendido seus nomes e características, e até se vangloriava de saber de que famílias cada espécie fazia parte. A decisão de se transformar em borboletas foi, em grande parte, uma forma de ele expressar sua própria visão do que seria a verdadeira liberdade. A ideia de flutuar de flor em flor, sem ser perturbado por predadores ou pelas dificuldades cotidianas de um pardal, tinha um apelo irresistível. Mas à medida que nos aproximávamos da transformação, comecei a perceber que a magia, por mais poderosa que fosse, não seria capaz de nos dar uma liberdade real se não compreendêssemos o significado profundo dessa mudança.

Quando finalmente realizamos a transformação, o mundo ao nosso redor se modificou, mas nossa essência ainda estava presa à mesma ansiedade que tínhamos como pardais. A magia não nos livrou das inseguranças que carregávamos dentro de nós. O medo, que antes se manifestava como o pavor de sermos caçados por gatos, agora se mostrava de uma forma diferente: estávamos na busca por uma vida sem responsabilidades, mas sem saber o que isso