Durante as décadas entre 1872 e 1936, o Partido Republicano dos Estados Unidos defendia majoritariamente a imposição de ordem econômica por meio de regulamentações estatais. Aproximadamente 70% de suas plataformas nesse período refletiam posições voltadas à regulação de corporações, ao controle de monopólios e à supervisão de atividades econômicas interestaduais. As propostas republicanas desse tempo incluíam medidas como o fortalecimento da supervisão bancária, a regulamentação de ferrovias e serviços públicos, e o combate a trusts e práticas anticompetitivas. Tratava-se de um partido que se posicionava como gestor do capitalismo industrial em expansão, com um papel ativo do Estado na organização da economia.
Contudo, a partir da década de 1940, observa-se uma transformação profunda e sistemática na ideologia econômica republicana. O partido começa a abandonar progressivamente o papel regulador do Estado e passa a adotar uma retórica centrada na liberdade econômica, com 81% das propostas de sua plataforma após 1940 codificadas como favoráveis à desregulamentação. Essa virada ideológica se consolida em torno de princípios neoliberais, onde a intervenção estatal é vista como entrave à livre iniciativa e ao dinamismo empresarial.
A plataforma republicana de 2016 exemplifica essa nova orientação com precisão. Ela advoga por uma série de propostas que visam reduzir a presença do Estado na economia: eliminar subsídios federais que imponham condições a governos locais, revogar leis como a Dodd-Frank e a FATCA, enfraquecer regulações da FDA e da EPA, permitir a compra de seguros de saúde entre estados, e derrubar requisitos excessivos de licenciamento ocupacional. A crítica à burocracia regulatória torna-se central. A retórica da liberdade econômica é acompanhada da defesa de direitos individuais contra o que é apresentado como confisco ou invasão governamental, como no caso das medidas contra a apropriação de bens e informações financeiras dos cidadãos.
Paralelamente, o Partido Republicano reconfigura sua imagem como defensor das "small businesses" — pequenas empresas — sobretudo a partir de 1940. Essa expressão, quase inexistente nas plataformas anteriores, passa a ser uma constante nos documentos partidários a partir do pós-guerra, aparecendo mais de 200 vezes desde 1956. A retórica do pequeno empreendedor se transforma em um pilar do discurso republicano: a oposição à regulação estatal é justificada não tanto em nome das grandes corporações, mas da proteção do cidadão comum, do empresário local, do inovador marginalizado pelas barreiras regulatórias.
Essa transição ideológica, no entanto, ocorre em contraste com a realidade econômica crescente de concentração de mercado e domínio de megacorporações. O Partido Republicano, embora mantenha sua retórica pró-pequenas empresas, mostra pouca disposição em limitar o poder econômico das grandes companhias, mesmo quando estas esmagam os pequenos concorrentes. As plataformas recentes criticam a regulação como inimiga do empreendedorismo, mas ignoram, em grande parte, os efeitos deletérios da monopolização corporativa sobre os mercados locais e sobre a própria liberdade de concorrência.
A história recente do partido mostra um paradoxo fundamental: ao mesmo tempo em que afirma defender o livre mercado e o pequeno empreendedor, o Partido Republicano abandonou a sua antiga inclinação à regulação antitruste e à contenção do poder corporativo. A oposição ao aparato regulatório estatal ocorre em um contexto em que poucas corporações dominam vastos setores da economia, com impacto direto na diversidade de mercado e nas oportunidades para novos negócios.
Para o leitor atento, é fundamental compreender que a noção de “liberdade econômica” promovida pela retórica partidária não equivale automaticamente a um mercado justo ou competitivo. A desregulamentação, longe de nivelar o campo de atuação econômica, pode favorecer os já poderosos e excluir ainda mais os pequenos empreendedores que o discurso republicano alega defender. A liberdade econômica, sem mecanismos robustos de regulação e controle antimonopolista, tende a se converter em concentração de poder privado — exatamente aquilo que as antigas plataformas republicanas buscavam conter.
Como a Evolução do Partido Republicano Reflete a Defesa da Cultura Tradicional nos EUA?
Durante grande parte da história dos Estados Unidos, o controle de armas não era uma questão política central. No entanto, após o assassinato do presidente Kennedy, o partido republicano manifestou algum apoio ao controle de armas, ainda que sob forte pressão da National Rifle Association (NRA), tenha revertido essa posição e hoje defenda regulações frágeis ou mesmo a ausência de qualquer restrição à posse e uso de armas de fogo. Esse cenário criou uma realidade na qual a vida, embora não tenha se tornado universalmente “solitária, pobre, desagradável, brutal e curta”, tornou-se imprevisivelmente brutal e curta para muitos cidadãos americanos.
Na década de 1970, com o surgimento da questão do aborto, o partido reafirmou sua plataforma em defesa de leis que obrigam mulheres a levar a gravidez a termo contra sua vontade, posicionando-se contra o direito ao aborto. Ao mesmo tempo, mantém apoio firme à pena de morte, criando um paradoxo moral onde a proteção da vida é reivindicada para o nascituro, mas não para aqueles condenados à pena capital. Essa postura passou a simbolizar uma nova narrativa do partido: a defesa cultural, ou seja, a proteção dos valores tradicionais diante das mudanças sociais que emergiram no século XX.
Fundado em 1854 para combater a escravidão, o partido republicano evoluiu para um defensor das normas culturais do século XIX, resistindo às transformações sociais do século seguinte. Assim como a escravidão foi condenada moralmente no século XIX, a pena de morte passou a ser vista por muitos como uma prática moralmente errada no século XX. Mesmo com a decisão da Suprema Corte dos EUA, em 2008, que assegurou a Segunda Emenda como barreira contra o controle de armas, cresceu o clamor público por regulamentações mais rigorosas, especialmente após tiroteios em massa. Enquanto líderes religiosos proclamavam que a vida começa na concepção, as mulheres reivindicavam o direito de decidir sobre seus corpos, revelando um conflito cultural profundo.
Esse conflito se estende à questão da imigração. Originalmente, os republicanos apoiavam a imigração e os direitos dos imigrantes, reconhecendo-a como um benefício público essencial para o desenvolvimento do país, especialmente no século XIX, quando os Estados Unidos tinham mais terra que população. Contudo, após a Primeira Guerra Mundial, o partido começou a adotar uma postura restritiva, focada em controlar e limitar a entrada de imigrantes. A partir da década de 1980, essa posição tornou-se mais rígida, refletindo uma resposta tanto ao comportamento percebido de certos grupos de imigrantes quanto à pressão dos eleitores contrários à imigração. Políticas como a construção de muros, endurecimento das penalidades para imigrantes ilegais, e oposição à anistia ilustram essa mudança de foco, centrando-se na manutenção da ordem e da cultura dominante.
A religião, embora crucial na formação da sociedade americana, teve uma presença tímida nas primeiras plataformas republicanas. A partir da década de 1980, especialmente com o aumento da população católica devido à imigração, o partido passou a mencionar a religião com mais frequência, inclusive para defender interesses específicos, como a isenção de impostos para a Igreja Católica. Isso demonstra como o partido foi se adaptando para integrar a defesa dos valores tradicionais religiosos, reforçando sua identidade cultural conservadora.
Essa defesa da cultura tradicional, marcada pela oposição a mudanças sociais significativas, como direitos reprodutivos, controle de armas e imigração, indica um partido que, apesar de suas raízes progressistas na abolição da escravidão, migrou para um papel de guardião do status quo cultural. Essa transformação não apenas reflete as mudanças internas do partido, mas também revela as tensões entre liberdade e ordem, direitos individuais e manutenção de normas sociais consideradas essenciais por seus eleitores.
Além do que foi exposto, é importante compreender que a defesa cultural do partido republicano está intimamente ligada à ideia de preservação de uma identidade nacional e social que, para muitos de seus membros, está ameaçada pelas rápidas transformações demográficas e culturais do mundo moderno. Essa perspectiva implica uma visão de mundo em que o Estado atua como um regulador e protetor dos valores considerados “fundamentais”, mesmo que isso signifique restringir direitos individuais ou impor normas tradicionais. A compreensão dessa dinâmica é fundamental para analisar os conflitos políticos atuais nos Estados Unidos, onde questões de liberdade, ordem e identidade cultural permanecem no centro do debate público.

Deutsch
Francais
Nederlands
Svenska
Norsk
Dansk
Suomi
Espanol
Italiano
Portugues
Magyar
Polski
Cestina
Русский