O boicote acadêmico a Israel tem sido uma das formas mais debatidas de resistência dentro do campo acadêmico, especialmente entre aqueles que questionam o papel das universidades nas estruturas de poder e opressão. Há um argumento recorrente de que o boicote à Israel restringiria a liberdade acadêmica, limitando o intercâmbio de ideias e a circulação do saber entre os acadêmicos, principalmente os israelenses. Porém, uma análise mais profunda revela que este posicionamento não apenas distorce a natureza do boicote, como também ignora questões fundamentais sobre o papel das instituições acadêmicas na perpetuação de injustiças.

A principal falácia desse argumento reside na ideia de que o boicote afetaria todos os acadêmicos israelenses, independentemente de sua postura política. Na realidade, o boicote acadêmico não ataca a liberdade de expressão ou os direitos individuais dos acadêmicos; ele se destina a instituições e a indivíduos diretamente envolvidos com o governo de Israel ou que, de alguma forma, reforçam as políticas de opressão sobre o povo palestino. O boicote, portanto, distingue entre a pessoa que simplesmente realiza sua pesquisa e a que escolhe, conscientemente, atuar em prol do regime de Israel, participando ativamente da subordinação dos palestinos.

Contrariamente ao que muitos defendem, o boicote acadêmico não impede um acadêmico israelense de realizar suas pesquisas ou de viajar. Aliás, organizações como a American Studies Association (ASA) já acolheram cidadãos israelenses em diversos momentos. O que o boicote visa é não legitimar a participação de acadêmicos em uma máquina de opressão, apoiando um regime que utiliza a violência como forma de controle. Portanto, o verdadeiro ataque à liberdade acadêmica não vem do boicote, mas da perseguição a acadêmicos que defendem a causa palestina, muitos dos quais são alvo de represálias severas, incluindo demissões e campanhas para sua remoção.

Porém, o boicote não se limita à esfera acadêmica; ele se insere em um debate maior sobre a função ética do acadêmico. Deve o acadêmico limitar-se a ser um observador passivo, ou deve ele tomar partido e agir em relação às injustiças que observam em seu campo de pesquisa? No contexto das universidades, onde a ética e a política frequentemente se entrelaçam, a linha entre a busca pela verdade acadêmica e o engajamento em causas políticas muitas vezes se torna indistinta. A realidade de que as universidades estão, muitas vezes, implicadas diretamente no sistema de opressão neoliberal, tornando difícil ser um acadêmico "neutro", precisa ser levada em conta.

A escolha de não se envolver em questões políticas, ou de não se manifestar contra injustiças, também é, em si, uma forma de politização. Ao se omitir, o acadêmico contribui silenciosamente para a manutenção do status quo. Em muitos casos, os próprios ambientes acadêmicos e suas estruturas hierárquicas – que não raramente pressionam os docentes a evitarem posturas críticas – moldam as condições para a expressão política ou para a ativação do boicote acadêmico. As questões de carreira, como promoções ou obtenção de estabilidade acadêmica, muitas vezes são afetadas pela postura política de um professor, evidenciando o controle institucional sobre a liberdade de expressão.

Portanto, a decisão de engajar-se ou não em questões fora do ambiente acadêmico não é inteiramente pessoal. Ela está diretamente relacionada às condições estruturais dentro das universidades. A tolerância de uma instituição à crítica política, ou a sua disposição em punir docentes que adotam posições controversas, define, em grande parte, o espaço para ações como o boicote. O boicote acadêmico, assim, não pode ser entendido como um fenômeno extracurricular, mas como uma prática profundamente enraizada na dinâmica institucional, que questiona o papel das universidades na produção e manutenção de sistemas de opressão.

Embora existam muitos debates sobre a questão, a realidade é que o boicote acadêmico é, antes de tudo, uma ferramenta de resistência ética. Ele desafia os acadêmicos a refletirem sobre sua posição no mundo, a se perguntarem até que ponto sua pesquisa e suas ações contribuem para o perpetuar da injustiça. A verdadeira questão não é se o acadêmico deve ou não se envolver politicamente, mas como ele pode se manter ético e responsável em sua prática enquanto parte de uma rede de instituições que, muitas vezes, sustentam e reforçam estruturas opressivas.

Como Reimaginar "América" e o Processo de Descolonização

A proposta de reimaginar a "América" vai além de uma simples mudança terminológica. Ao invés de nos limitarmos a discutir os mecanismos da colonização, a ideia central desse movimento é pensar possibilidades de comparar discursos decoloniais, focando em práticas de libertação e não apenas em avaliações do colonialismo. Nesse contexto, a terminologia geográfica, frequentemente considerada neutra e atemporal, adquire um caráter ambíguo e politizado, pois sua ambiguidade surge justamente de sua politicidade. Termos como "América", "Estados Unidos", "Américas", "América do Norte" carregam consigo tanto o peso histórico da colonização quanto as complexas dinâmicas de resistências e reconfigurações que emergem a partir desse passado.

"América" não é apenas um termo geográfico ou político, mas uma ideia carregada de múltiplas conotações. O uso desse termo implica uma ressignificação que vai além da classificação de um espaço físico, apontando para uma construção simbólica, uma mitologia colonial que se estende por várias línguas e fronteiras. Mesmo sendo uma expressão colonial, "América" engloba a América do Norte e do Sul, assim como o Caribe, regiões cujos processos de colonização e descolonização continuam em curso. É fundamental, portanto, repensar "América" como uma aglomeração hemisférica de nações indígenas, tanto distintas quanto interligadas, o que nos permite um olhar mais sensível para as especificidades de cada povo, mas também para suas histórias interligadas de luta e resistência.

Ao tratar especificamente dos Estados Unidos, é essencial entender a diferença entre a nação-estado e os espaços indígenas que existiam antes da chegada dos colonizadores. "Estados Unidos" não deve ser confundido com as terras originais dos povos nativos, mas sim entendido como uma construção colonial que, desde sua origem, foi projetada para submeter e extinguir as culturas e territórios indígenas. A denominação "Estados Unidos" fixa esse país em uma condição histórica específica, enquanto a ideia de "América" como um conceito dinâmico e hemisférico antecipa e, de certa forma, transcende a existência dos estados-nações. Esse processo de reimaginação busca desestabilizar as concepções de permanência e imutabilidade associadas aos territórios colonizados, reconhecendo a possibilidade de sua reconstrução a partir de outras lógicas, fundamentadas em narrativas e práticas indígenas.

Quando se fala de descolonização, é necessário um entendimento claro do que esse termo representa, especialmente no contexto das lutas indígenas e de outros povos subjugados. A descolonização, como formulado por Frantz Fanon, é um processo histórico que não pode ser reduzido a um evento pontual ou um acordo de cúpula, mas deve ser visto como uma mudança radical nas estruturas políticas, sociais e psicológicas. Fanon fala da descolonização como uma experiência de "desordem total", não no sentido de um caos absoluto, mas no de uma rejeição profunda das estruturas coloniais, uma subversão das hierarquias impostas pelo colonizador. Para Fanon, a descolonização não é apenas uma resistência física ao ocupante estrangeiro, mas uma expulsão psicológica do colonizador, um movimento de reconstrução da identidade e do destino do povo colonizado.

A descolonização envolve, portanto, mais do que o simples afastamento do colonizador. Trata-se de um processo que perpassa as estruturas econômicas, educacionais e de autoimagem das sociedades colonizadas. A desconstrução dessas estruturas de dominação se dá, em grande parte, através de um reexame radical das formas de conhecimento, do poder e das narrativas históricas que justificaram a opressão. O objetivo não é apenas expulsar o colonizador, mas, em um sentido mais amplo, reconstituir o mundo a partir das perspectivas e das experiências dos povos indígenas e outros oprimidos.

A relação entre os estudos indígenas americanos e a questão da Palestina exemplifica como a luta descolonial não se restringe a um único território ou povo. Embora as especificidades das lutas possam variar, a lógica colonial que as sustenta é análoga. O uso do termo "Palestina" para se referir à terra histórica dos palestinos, por exemplo, não é neutro, mas carrega consigo a ideia de uma nação que, apesar da diáspora, continua a ser definida por sua conexão ancestral com a terra. "Israel", por outro lado, é um termo associado a um projeto colonial que se sobrepôs à Palestina histórica, com as implicações de um processo contínuo de limpeza étnica e imposição de um estado-nação. Nesse caso, como nos estudos indígenas, a distinção entre "nação" e "estado-nação" é crucial para compreender as dinâmicas de colonização e resistência.

Em última análise, o que os estudiosos da descolonização buscam é romper com as lógicas coloniais que ainda estruturam nosso entendimento sobre modernidade, história e identidade. A descolonização, portanto, não é apenas uma questão de política externa ou de relações territoriais; ela é profundamente interna, envolvendo uma revolução no entendimento de si e do mundo. Ao tentar sair das armadilhas da terminologia e das classificações coloniais, busca-se abrir um espaço para um entendimento mais complexo e plural, capaz de refletir as histórias e lutas de diversos povos que, por muito tempo, foram silenciados.

Como a Palestina se Tornou Importante para os Estudos Indígenas Americanos

A questão da Palestina não é apenas um tópico isolado nas discussões políticas e sociais contemporâneas. Ela reverbera em diferentes contextos de colonização e dispossessão ao redor do mundo. Para os estudiosos indígenas americanos, o caso palestino se conecta com suas próprias lutas históricas contra o extermínio, o deslocamento forçado e a negação de autodeterminação. Como se observa, a relação entre o destino dos povos indígenas e o povo palestino é mais do que um paralelo retórico, é um reflexo de um processo de colonização que se perpetua através das décadas.

Israel, como produto material do judaísmo, não entra em contradição com o apoio das minorias nos Estados Unidos, já que para muitos, a Palestina é vista como um simples acidente histórico — uma vítima colateral em uma narrativa judeocêntrica, recente, mas que já existe de forma imaginária muito antes deles. No entanto, o liberalismo moderno, especialmente no contexto estadunidense, fornece uma base fértil para que os cidadãos se tornem ideólogos com o poder de mobilizar as vastas forças de um Estado-nação militarizado. Isso ocorre devido à narrativa messiânica que, mesmo não reivindicada, exige tal transformação.

Os nativos americanos, nesse contexto, também representam um obstáculo para um projeto que, em sua grandiosidade, vai além de suas vidas terrenas. Um exemplo disso pode ser encontrado no caso dos colonos na Cisjordânia, que defendem as minorias nos EUA, mas ignoram completamente a autodeterminação dos povos indígenas. Em muitas ocasiões, o liberalismo se mistura com os valores do colonialismo de assentamento, criando uma lógica de direito permanente — a posse da terra, acesso à mobilidade ascendente, e o direito de conquista sem precisar assumir a responsabilidade moral de suas ações.

Esse fenômeno, que mistura os princípios de liberalismo com a colonização, se manifesta de maneira clara em disputas como a do Devils Tower, em Wyoming. Conhecida pelos nativos como Mato Tipila, essa montanha sagrada para os Lakota e outras nações indígenas é constantemente invadida por alpinistas que, ao escalar suas rochas, destroem rituais religiosos. Mesmo diante da resistência indígena, que pede apenas o respeito por sua sacralidade, o "apoio" de alguns liberais aos nativos acaba se tornando uma forma de apropriação e desrespeito à cultura e aos direitos das comunidades indígenas.

Recentemente, esse fenômeno tem se expandido para os campos da análise internacional, revelando duas importantes transformações. A primeira é a transformação dos povos indígenas de sujeitos políticos complexos em objetos metafóricos usados para credibilidade decolonial. Tanto os sionistas quanto os anti-sionistas buscam se associar moralmente aos indígenas, mas as comparações entre judeus, palestinos e indígenas, embora frequentemente usadas, não conseguem engajar-se profundamente com os contextos históricos, econômicos e discursivos que formam as alianças, como a entre os Estados Unidos e Israel. Embora a opressão sofrida pelos indígenas e pelos palestinos tenha semelhanças, a análise crítica precisa superar a retórica simplista e refletir sobre as forças subjacentes que sustentam essas relações de poder.

A segunda transformação diz respeito à forma como os estudos indígenas americanos, enquanto campo acadêmico, se comprometeram com um engajamento social. Ao contrário da tradicional visão do acadêmico como um sujeito objetivo, muitos programas acadêmicos de estudos indígenas no mundo, como os da Universidade do Texas e da Universidade do Arizona, defendem explicitamente a promoção da autodeterminação e do fortalecimento das comunidades indígenas. Isso está, de forma similar, presente no estudo da Palestina, onde os acadêmicos indígenas veem uma oportunidade de reforçar a ética decolonal em suas práticas acadêmicas, refletindo as interconexões globais entre as lutas dos povos indígenas e a opressão dos palestinos.

Essas lutas, embora geograficamente distantes, se entrelaçam porque os poderes que oprimem os palestinos e os povos indígenas não são separados, mas estão imbricados em uma rede de dominação global. Os estudiosos indígenas, ao se voltarem para a Palestina, não apenas reconhecem essas interconexões, mas também contribuem para um movimento mais amplo de solidariedade transnacional entre os povos oprimidos, com o objetivo de garantir a autodeterminação e a justiça social para todas as comunidades.