A instabilidade da articulação tálus-tíbia (PTTD) ou a insuficiência dos ligamentos da articulação do meio e retropé são fatores que frequentemente levam ao desenvolvimento do pé plano em pacientes com artrite reumatoide (AR). A literatura sobre o tema ainda é controversa, mas é importante destacar que, mesmo com o tendão PTT intacto, ele pode se tornar insuficiente como estabilizador medial do pé, especialmente devido às alterações biomecânicas que a AR impõe. Isso implica que, no tratamento do pé plano em pacientes com AR, a abordagem deve ser semelhante à do pé plano adquirido em adultos sem AR, com cuidados especiais no controle da doença e nas alterações articulares nas regiões anterior, média e posterior do pé.

A indicação para artrodese tripla é reservada a pacientes com envolvimento de duas ou mais articulações do retropé, como a subtalar (SBT), talonavicular (TN) e calcaneocubóide (CC), ou quando há deformidade rígida no antepé, mediopié ou retropé. Quando se considera a correção do retropé, é fundamental avaliar as deformidades presentes no antepé, especialmente se são flexíveis ou rígidas. Em nossa prática, preferimos realizar a artrodese tripla "modificada" ou uma fusão dupla (TN e SBT). Bons resultados têm sido descritos em relação às taxas de fusão e à satisfação dos pacientes com essa técnica. A abordagem medial única, que proporciona bom acesso às articulações SBT e TN, é preferível. Durante a ressecação da cartilagem remanescente, deve-se tomar cuidado para não impactar a cabeça do tálus ou a articulação subtalar. Após a preparação das superfícies articulares, a redução articular é realizada, corrigindo, sempre que necessário, o valgus do retropé e a supinação do antepé na articulação TN.

A estabilização das articulações é realizada temporariamente com fios de Kirschner (KW), após o que a estabilização definitiva é feita com parafusos de 6,5 mm em configuração divergente na articulação subtalar, técnica biomecanicamente mais estável. Na articulação talonavicular, a fixação é feita com três parafusos cannulados de 4,5 mm, com especial atenção à correção da supinação do antepé. O uso de enxerto ósseo nesta artrodese é um tópico de discussão. Embora haja relatos de bons resultados sem o uso de enxerto em pacientes não reumáticos, a maioria dos especialistas recomenda o uso de enxerto ósseo em pacientes com AR, devido à baixa qualidade óssea característica dessa condição. Em nosso caso, utilizamos enxerto autólogo de osso ilíaco quando necessário.

Após a cirurgia, o paciente é imobilizado em gesso e mantido sem carga por seis semanas. Após a consolidação óssea, é permitida a carga parcial protegida com bota ortopédica removível, iniciando-se o protocolo de reabilitação focado na amplitude de movimento do tornozelo e treinamento da marcha. Embora haja controvérsia sobre a progressão da degeneração articular nas articulações vizinhas (como tornozelo e mediopié) após uma artrodese tripla ou dupla, não há consequências clínicas claras. A manutenção da mobilidade da coluna lateral, ao não fundir a articulação calcaneocubóide, parece reduzir o estresse sobre as articulações vizinhas.

No que diz respeito às complicações, elas podem ser superficiais ou profundas, e devem ser consideradas fatores como o uso de medicamentos imunossupressores, o estado da pele e a abordagem cirúrgica escolhida. Uma maior incidência de complicações tem sido descrita quando a ferida é deixada sob tensão após a artrodese, especialmente ao corrigir o valgus do retropé ou ao realizar uma abordagem lateral para artrodese subtalar. Em nossa experiência, o uso de uma única abordagem medial para realizar a artrodese SBT e TN permite fechar os tecidos moles sem tensão.

Em relação à artrodese do tornozelo, ela continua sendo a técnica padrão para pacientes com AR em estágios avançados de artrose, com bons resultados descritos em termos de redução da dor, correção da deformidade e taxas de união óssea. As taxas de união, em geral, variam de 70% a 100%, com uma média de 85% em pacientes com AR. A indicação ideal para artrodese é um paciente com AR que apresente dor incontrolável nas articulações e comprometimento difuso, sem resposta ao tratamento conservador. Nesses casos, deve-se avaliar todos os compromissos articulares e deformidades no pé, joelho e quadril antes de proceder com a artrodese do tornozelo.

Especial atenção deve ser dada ao estado da articulação subtalar, que frequentemente apresenta degeneração, luxação ou subluxação. Quando isso ocorre, a artrodese subtalar deve ser considerada juntamente com a artrodese do tornozelo, podendo-se, assim, avaliar uma artrodese tibio-talo-calcaneana (TTC). A técnica de abordagem anterior é comumente utilizada para deformidades leves a moderadas.

É importante também que o paciente esteja bem informado sobre os objetivos da cirurgia e suas expectativas, já que as mudanças de estilo de vida pós-cirúrgicas exigem adaptação. Além disso, uma avaliação cuidadosa das deformidades articulares e do alinhamento ósseo é crucial para evitar compensações que possam resultar em sobrecarga excessiva, dor e dificuldades de locomoção no futuro. Quando o alinhamento ósseo da artrodese do retropé está adequado, a redução significativa dos sintomas do paciente é quase garantida.

Como a abordagem cirúrgica e o manejo clínico influenciam a recuperação e o prognóstico nas lesões e deformidades do pé e tornozelo

A complexidade do tratamento das lesões e deformidades do pé e tornozelo exige uma profunda compreensão da anatomia, biomecânica e das técnicas cirúrgicas disponíveis, além do acompanhamento clínico rigoroso no pós-operatório. A escolha do método terapêutico deve ser orientada pela avaliação detalhada da lesão, suas manifestações clínicas, localização e extensão, utilizando ferramentas diagnósticas avançadas como radiografias, tomografia computadorizada e ressonância magnética, que permitem não apenas a identificação das estruturas envolvidas, mas também a avaliação da evolução do processo de cicatrização e consolidação óssea.

O uso da sutura adequada, considerando o material e a técnica, é fundamental para minimizar complicações e otimizar a cicatrização. A incisional negative pressure wound therapy (iNPWT) destaca-se como uma tecnologia capaz de acelerar a cicatrização de feridas cirúrgicas, reduzir a incidência de infecções e melhorar os resultados estéticos e funcionais. Essa abordagem, aliada a um manejo rigoroso do cuidado com feridas e cicatrizes, influencia diretamente no desfecho clínico, reduzindo sequelas e promovendo a recuperação funcional.

A complexidade aumenta em procedimentos como a fixação endomedular, osteotomias e correções graduais, como os métodos de Paley para alongamento e realinhamento, onde o entendimento detalhado da biomecânica do pé e tornozelo é indispensável. A seleção adequada da técnica cirúrgica — seja por via aberta, endoscópica ou minimamente invasiva — depende da avaliação criteriosa da patologia, considerando fatores como o padrão de fratura, deformidade associada e a presença de complicações, além do perfil do paciente.

O tratamento das deformidades do antepé e retropé, incluindo condições como o equino, pé plano e varus, demanda conhecimento aprofundado dos músculos e tendões envolvidos, como os flexores dos dedos e do hálux, cuja transferência ou tenotomia pode ser necessária para restaurar o equilíbrio funcional. A avaliação funcional, com análise da marcha e dos vetores de força, contribui para o planejamento cirúrgico e reabilitação adequada, permitindo a correção eficaz das alterações biomecânicas.

A fisioterapia e o uso de órteses complementam o tratamento, auxiliando na manutenção dos resultados cirúrgicos e na prevenção de recidivas. O acompanhamento pós-operatório deve incluir avaliação contínua da cicatrização, integridade do enxerto ou fixação e adaptação funcional, ajustando a abordagem conforme a resposta do paciente.

Além disso, é crucial considerar os fatores biológicos e sistêmicos que influenciam a recuperação, como endocrinopatias, a resposta inflamatória local e a formação de cicatrizes hipertróficas ou quelóides, que podem impactar a mobilidade e causar desconforto. O manejo dessas condições requer atenção multidisciplinar e, por vezes, intervenções específicas para otimizar os resultados.

O entendimento da biomecânica da marcha humana, assim como a análise dos mecanismos de carga e impacto durante o caminhar, fornece um referencial essencial para o diagnóstico das deformidades e para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas que promovam a funcionalidade e minimizem o risco de lesões adicionais.

É indispensável reconhecer que a recuperação de lesões no pé e tornozelo não depende apenas da técnica cirúrgica, mas também de um tratamento abrangente que envolve o controle da dor, a prevenção de infecções, a adequada imobilização, a reabilitação funcional e o cuidado contínuo com feridas e cicatrizes. Somente essa abordagem integrada permite alcançar resultados satisfatórios a longo prazo, garantindo a restituição da qualidade de vida do paciente.

Aprofundar o conhecimento sobre as relações anatômicas e biomecânicas dos tecidos moles e ósseos, assim como sobre as novas tecnologias de diagnóstico e tratamento, é fundamental para o avanço da ortopedia e traumatologia do pé e tornozelo, permitindo a individualização do tratamento e a redução de complicações. Entender a complexidade das lesões e a importância do acompanhamento multidisciplinar são pilares para a excelência clínica e cirúrgica nessa área.