A tecnologia de detecção em scanners de bagagem tem passado por uma evolução substancial, especialmente com a introdução dos detectores de conversão direta de semicondutores. Ao substituir o sistema tradicional de dupla etapa — que utiliza cintiladores e fotodiodos para converter raios X em sinais elétricos —, esses detectores convertem diretamente os raios X em carga elétrica, oferecendo vantagens decisivas para aplicações de segurança. A alta eficiência na absorção dos fótons, o custo relativamente acessível, além da robustez e confiabilidade desses dispositivos, tornam-nos uma escolha natural para tecnologias avançadas de inspeção.

Diferentemente dos métodos mais antigos, que dependem de múltiplas fontes de energia e análises simultâneas, os sistemas baseados em detectores de conversão direta, especialmente os que empregam materiais semicondutores como germânio de alta pureza (HPGe) e compostos de CdTe/CZT, permitem uma análise volumétrica completa dos objetos. Esta capacidade volumétrica aliada à resolução energética elevada possibilita a discriminação precisa entre materiais com diferenças atômicas sutis, algo essencial para identificar ameaças em bagagens, incluindo explosivos que possuem propriedades químicas muito próximas a materiais comuns.

O princípio físico fundamental para essa detecção repousa nos processos de interação da radiação com a matéria, entre os quais se destacam a absorção fotoelétrica, a dispersão Compton e o espalhamento elástico. A absorção fotoelétrica é particularmente relevante para detecção, pois o fóton transfere toda sua energia para um elétron, fenômeno eficazmente aproveitado pelos semicondutores CdTe e CZT em uma faixa energética entre 40 keV e 3 MeV. A dispersão Compton, que provoca perda parcial de energia e mudança de direção do fóton, permite ainda inferir a origem do feixe, o que auxilia no mapeamento tridimensional dos objetos. Já o espalhamento elástico, apesar de não alterar a energia do fóton, contribui para técnicas de análise avançadas, como a imagem por difração de raios X (XDi), que realiza a avaliação volumétrica espacialmente resolvida de objetos inhomogêneos.

A combinação dessas propriedades físicas é essencial para superar desafios significativos, como a identificação de materiais explosivos em bagagens. Explosivos com número atômico efetivo entre 7 e 7,7 e densidade de 1,4 a 1,9 g/cm³ são quimicamente muito próximos a outros materiais orgânicos comuns, o que exige alta sensibilidade e resolução do sistema de detecção para evitar falsos negativos ou positivos. Tecnologias que integram a tomografia direta e análise energética dispersiva, como o sistema XDi da Morpho Detection, exemplificam o avanço tecnológico que promete melhorar a segurança aeroportuária e eventualmente substituir restrições como a proibição do transporte de líquidos em bagagem de mão.

Além da tecnologia em si, a compreensão do comportamento da radiação é imprescindível. Raios gama, por exemplo, são absorvidos e desviados por materiais de alto número atômico, enquanto que neutrons são mais atenuados por materiais de baixo número atômico. Isso significa que, para um sistema de detecção completo, pode ser necessária a combinação de diferentes tipos de radiação para vencer estratégias de ocultação, como o uso de blindagem. Ainda, a presença de radiação natural em itens comuns, como cerâmica ou certos minerais em produtos comerciais, adiciona uma camada de complexidade na interpretação dos dados e exige calibrações cuidadosas.

É relevante entender que, apesar do avanço em tecnologias de imagem, técnicas tradicionais continuam sendo empregadas. A radiografia convencional por raios X oferece uma triagem inicial rápida e de baixo custo, embora com limitações severas na identificação material. A radiografia dual-energy melhora essa capacidade, ao permitir distinção rudimentar entre materiais orgânicos e inorgânicos. A tecnologia de raios X em cores, utilizando múltiplas faixas energéticas, aprofunda ainda mais essa diferenciação, reforçando a necessidade de detectores com alta resolução energética, característica das tecnologias de conversão direta.

Assim, o desenvolvimento tecnológico para a detecção de ameaças em bagagens não está isolado à mera aquisição de equipamentos mais sofisticados, mas também envolve uma profunda compreensão dos fenômenos físicos subjacentes, da natureza dos materiais inspecionados e das estratégias de contorno que podem ser adotadas para evadir a segurança. O progresso na detecção baseada em conversão direta representa um avanço decisivo, mas a eficácia final do sistema depende da integração harmoniosa entre tecnologia, conhecimento físico e adaptação às novas demandas de segurança global.

Como a Inteligência Artificial Superou Desafios Complexos: Do Xadrez ao AlphaFold e aos Grandes Modelos de Linguagem

O desafio de criar máquinas capazes de jogar xadrez, uma atividade humana de extrema complexidade intelectual, motivou os primeiros passos da inteligência artificial (IA). Em 1997, o Deep Blue da IBM tornou-se o primeiro computador a vencer o campeão mundial Garry Kasparov. O confronto foi acirrado, com duas vitórias do Deep Blue, uma de Kasparov e três empates, mas a vitória do computador marcou um momento histórico. Embora impressionante, o Deep Blue apresentava uma inteligência estreita e limitada, pois sua estratégia baseava-se em calcular todas as possíveis combinações de jogadas até 12 movimentos à frente, apoiado em 480 chips VLSI dedicados. Tal método, eficiente no xadrez, não poderia ser aplicado a jogos de complexidade muito maior, como o Go.

O Go é um jogo de tabuleiro milenar, criado na China há mais de 2500 anos, caracterizado por sua simplicidade nas regras, porém imensa complexidade estratégica, com um número estimado de 10^170 configurações possíveis — muito maior do que o número de átomos no universo conhecido. Essa complexidade tornou o Go o maior desafio clássico para a IA por décadas, pois os métodos tradicionais de busca exaustiva em árvore de decisões se mostraram inviáveis para avaliar e decidir movimentos em um espaço tão vasto.

A virada ocorreu em 2016, quando Lee Sedol, um dos maiores jogadores da história do Go, foi derrotado pelo AlphaGo, uma inteligência artificial desenvolvida pela DeepMind, que combinava redes neurais profundas e algoritmos de aprendizado por reforço. O AlphaGo processava as posições do tabuleiro através de múltiplas camadas de neurônios artificiais, com duas redes principais: a "policy network", responsável pela seleção do próximo movimento, e a "value network", que prevê o vencedor do jogo. Inicialmente treinado com jogos humanos amadores, o AlphaGo evoluiu jogando milhares de partidas contra versões de si mesmo, aprimorando-se continuamente. A vitória no Go simbolizou a superação de uma barreira que parecia intransponível para a inteligência artificial clássica.

A experiência acumulada com AlphaGo propiciou avanços significativos para aplicações práticas da IA. Um dos exemplos mais notáveis é o AlphaFold, desenvolvido também pela DeepMind, que revolucionou a biologia computacional ao prever a estrutura tridimensional das proteínas a partir de suas sequências de aminoácidos. Esse problema, conhecido como "o problema do dobramento das proteínas", permanecia sem solução definitiva por décadas. As versões do AlphaFold mostraram resultados precisos em competições internacionais (CASP), atingindo níveis de acurácia comparáveis aos métodos experimentais tradicionais e ampliando a compreensão dos mecanismos moleculares.

O progresso contínuo do AlphaFold culminou em sua terceira versão, capaz de prever não apenas proteínas isoladas, mas também complexos moleculares envolvendo DNA, RNA e outras interações, com um ganho substancial na precisão das previsões. Esse avanço foi reconhecido com o Nobel de Química de 2024, compartilhado entre Demis Hassabis e John Jumper (DeepMind) e David Baker, refletindo a importância revolucionária dessas ferramentas para a ciência.

Paralelamente a esses desenvolvimentos em jogos e biologia, assistimos à rápida evolução dos grandes modelos de linguagem (LLMs), como o ChatGPT, que vêm transformando a interação humana com a tecnologia. Embora a ideia de modelos conversacionais não seja nova — datando da década de 1960 com o programa Eliza —, somente com o avanço exponencial do poder computacional e dos métodos de aprendizado profundo esses modelos puderam atingir a escala e a complexidade atuais, capazes de gerar texto coerente e respostas contextualizadas em múltiplos idiomas e áreas do conhecimento.

A trajetória da IA, do Deep Blue ao ChatGPT, evidencia que a verdadeira inteligência artificial não reside em seguir regras fixas, mas na capacidade de aprender, adaptar-se e generalizar em ambientes complexos e dinâmicos. Além disso, esses exemplos ressaltam que o impacto da IA transcende o jogo e o entretenimento, sendo capaz de promover avanços científicos, tecnológicos e sociais de grande magnitude.

É essencial compreender que o progresso da IA exige não apenas o desenvolvimento de algoritmos sofisticados, mas também infraestrutura computacional robusta, grandes volumes de dados e métodos inovadores de treinamento. Ademais, os desafios éticos e sociais impostos por essas tecnologias complexas precisam ser enfrentados com responsabilidade, garantindo que seus benefícios sejam amplamente distribuídos e que riscos potenciais sejam mitigados.