Ao aplicar o princípio de indução estrutural, assumimos essencialmente que todas as frases construídas na etapa 𝑘 já possuem a propriedade 𝐹, e mostramos que as novas frases construídas na etapa 𝑘 + 1 preservam essa propriedade. Como o processo de construção começa com o conjunto vazio de frases, todas as frases geradas possuem essa propriedade. Sendo assim, como o domínio sintático é composto apenas por essas frases, todas as frases do domínio têm essa propriedade.
Além de ser usada para provar propriedades, a indução estrutural pode ser aplicada também para definir funções em domínios sintáticos. Ao definir tais funções, frequentemente utilizamos colchetes duplos [ · ] para marcar as frases sintáticas e separá-las claramente do contexto circundante. Com exceção das variáveis, cada símbolo dentro desses colchetes deve ser interpretado como um terminal da gramática subjacente. Por exemplo, [ 𝐸1 + 𝐸2 ] representa uma árvore de sintaxe abstrata com a raiz "+" e dois subárvores representadas pelas variáveis 𝐸1 e 𝐸2. Consequentemente, mult[ 𝐸1 + 𝐸2 ] denota a aplicação da função mult a essa árvore. No entanto, na expressão mult[ 𝐸1 ] + mult[ 𝐸2 ], o símbolo "+" ocorre fora desses colchetes e, portanto, denota, como de costume, a adição de dois números.
Tomando o exemplo da linguagem apresentada na página 20, definimos por indução estrutural a função mult de forma que mult(𝐸) denote o número de ocorrências do símbolo "×" na expressão 𝐸. A definição da função mult fica da seguinte maneira:
-
mult : Expressão → ℕ
-
mult[ 𝑁 ] ≔ 0
-
mult[ 𝐸1 + 𝐸2 ] ≔ mult[ 𝐸1 ] + mult[ 𝐸2 ]
-
mult[ 𝐸1 × 𝐸2 ] ≔ 1 + mult[ 𝐸1 ] + mult[ 𝐸2 ]
Por exemplo, para a expressão (𝑁1 × 𝑁2) + 𝑁3, temos mult[ (𝑁1 × 𝑁2) + 𝑁3 ] = (1 + mult[ 𝑁1 ] + mult[ 𝑁2 ]) + 0 = 1. Ou seja, o símbolo "×" ocorre uma vez nessa frase.
De forma geral, para definir uma função 𝑓 em um domínio sintático, fornecemos uma equação para cada alternativa da regra gramatical correspondente, onde:
-
O lado esquerdo da equação tem a forma 𝑓 [ Alternativa ],
-
O lado direito da equação pode conter uma aplicação recursiva da função 𝑓 [ Var ] para cada ocorrência de uma variável [ Var ] que aparece no lado esquerdo e é um não-terminal do domínio.
Isso garante que, ao substituir uma aplicação de função que corresponde ao lado esquerdo da equação pelo termo determinado pelo lado direito, obtemos apenas aplicações de funções cujos argumentos são subfrases do argumento original. Como cada frase possui apenas um número finito de subfrases, esse processo pode ser repetido um número finito de vezes até que uma substituição não gere mais novas aplicações de função. Além disso, as equações descrevem a função de forma única, pois cada frase “corresponde” exatamente a uma alternativa, garantindo que uma única equação seja aplicável. Esse "correspondente" determina unicamente as subfrases atribuídas às variáveis, de modo que todas as ocorrências das variáveis no lado direito têm valores definidos.
Como exemplo adicional, considere a definição da função swap, que inverte a ordem dos argumentos na operação "+":
-
swap : Expressão → Expressão
-
swap[ 𝑁 ] ≔ [ 𝑁 ]
-
swap[ 𝐸1 + 𝐸2 ] ≔ let 𝐸𝑎 = swap[ 𝐸1 ], 𝐸𝑏 = swap[ 𝐸2 ] in [ 𝐸𝑏 + 𝐸𝑎 ]
-
swap[ 𝐸1 × 𝐸2 ] ≔ let 𝐸𝑎 = swap[ 𝐸1 ], 𝐸𝑏 = swap[ 𝐸2 ] in [ 𝐸𝑎 × 𝐸𝑏 ]
Agora, podemos afirmar que, para toda expressão 𝐸 em Expressão, temos mult(swap[ 𝐸 ]) = mult[ 𝐸 ]. A demonstração é feita por indução estrutural, levando a três sub-provas, uma para cada alternativa da regra gramatical para o domínio Expressão.
Por fim, a "semântica" (significado) das frases de um domínio sintático pode ser definida por uma função de avaliação, que mapeia cada frase para algum valor de um domínio semântico. Esse método é conhecido como semântica denotacional, e os valores do domínio semântico são chamados de denotações. Funções de avaliação são tipicamente definidas por indução estrutural, e frequentemente permanecem anônimas, ou seja, a notação [𝐷] = 𝑑 é interpretada como "a denotação da frase sintática 𝐷 é o valor semântico 𝑑". Podemos também pensar nos próprios colchetes [ · ] como a função de avaliação; por isso, são chamados de colchetes semânticos. Quando existem múltiplos domínios sintáticos, a função de avaliação aplicada pode ser facilmente deduzida pelo tipo de seu argumento.
Como exemplo, definimos por indução estrutural duas funções de avaliação para mapear expressões e numerais para números naturais:
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[ · ] : Expressão → ℕ
-
[ 𝑁 ] ≔ [ 𝑁 ]
-
[ 𝐸1 + 𝐸2 ] ≔ [ 𝐸1 ] + [ 𝐸2 ]
-
[ 𝐸1 × 𝐸2 ] ≔ [ 𝐸1 ] · [ 𝐸2 ]
-
[ · ] : Numeral → ℕ
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[ 0 ] ≔ 0
-
[ 1 ] ≔ 1
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[ 𝑁0 ] ≔ 2 · [ 𝑁 ]
-
[ 𝑁1 ] ≔ 2 · [ 𝑁 ] + 1
Com essa semântica, consideramos numerais como cadeias de bits que denotam números naturais sobre os quais as operações de adição e multiplicação são realizadas.
Uma característica central da semântica denotacional é sua composicionalidade, ou seja, a denotação de uma frase composta é determinada a partir da denotação de suas subfrases. Esse princípio simplifica consideravelmente a compreensão das frases e o raciocínio sobre elas. As denotações podem ser mais complexas do que números, como mostrado no exemplo abaixo. Aqui, a gramática define um domínio de expressões aritméticas em que o símbolo "$" pode ocorrer, e sua interpretação é que ele denota a aplicação de uma função numérica. A semântica correspondente é dada por:
Essas definições podem ser interpretadas como funções matemáticas sobre números, ampliando o conceito de semântica para além dos simples valores numéricos.
Como a Definição de Relações Indutivas e Coindutivas Impacta a Teoria dos Conjuntos
A teoria das relações recursivas e suas formas de definição por ponto fixo têm implicações significativas na construção de lógicas formais, especialmente quando se trata de relação entre elementos de conjuntos ordenados. Um dos conceitos fundamentais nesse contexto é a noção de ponto fixo, que pode ser tanto o menor ponto fixo (least fixed point, LFP) quanto o maior ponto fixo (greatest fixed point, GFP). A interação entre essas duas abordagens é crítica para entender como diferentes tipos de relações podem ser definidos de maneira recursiva ou coindutiva.
Em primeiro lugar, a relação de "menor ou igual" em (o conjunto dos números naturais) pode ser formalizada utilizando o ponto fixo menor (LFP). A definição de (menor ou igual) sobre o conjunto é dada por:
onde é uma função recursiva definida como:
Essa definição é ascendentemente contínua, o que significa que ela preserva a ordem entre os elementos do conjunto . A continuação dessa definição leva ao entendimento de que se e somente se, para todo , a condição de menor ou igual se aplica recursivamente.
Por outro lado, as definições coindutivas envolvem o uso do ponto fixo maior (GFP), como exemplificado pela relação , que descreve sequências numéricas infinitas sem zeros. A definição de em (o conjunto dos números naturais infinitos) é dada por:
onde denota a sequência sem o primeiro elemento. Essa definição é descendente contínua, o que implica que uma sequência é considerada sem zero se todos os seus subsequentes também o forem.
Além disso, é importante notar que existe uma relação de dualidade entre as definições indutivas e coindutivas. A proposição 5.8 ilustra essa dualidade, demonstrando que a negação de uma relação definida por um ponto fixo menor corresponde a uma relação definida por um ponto fixo maior, e vice-versa. Se uma função é ascendentemente contínua, então sua definição por um ponto fixo maior é equivalentemente dada pela definição do ponto fixo menor de sua negação.
No contexto das definições indutivas, frequentemente utilizamos uma abordagem baseada em regras, conforme ilustrado pelo exemplo da função "even" (par). A definição indutiva de números pares pode ser expressa através de um conjunto de regras:
Aqui, a definição pode ser lida como uma sequência de implicações que descrevem como determinar que um número é par: 0 é par, e se é par, então também é. Esse tipo de definição é útil quando queremos estabelecer uma propriedade para todos os números naturais de maneira recursiva.
Similarmente, a definição de relações induzidas, como a relação (menor ou igual), pode ser formulada de forma indutiva. Isso pode ser expresso pela regra:
Essa regra implica que 0 é menor ou igual a qualquer , e que se é menor ou igual a , então será menor ou igual a .
Por outro lado, a definição coindutiva também pode ser estruturada por regras, mas com a direção invertida das implicações. No caso da definição coindutiva de sequências infinitas, a regra pode ser escrita como:
Essas definições coindutivas são fundamentais para modelar processos infinitos ou estruturas que não podem ser totalmente descritas em um número finito de etapas.
Além da simples formalização dessas relações, é crucial que o leitor compreenda que a escolha entre uma definição indutiva ou coindutiva depende do tipo de estrutura ou problema que se está abordando. Relacionamentos que envolvem uma progressão finita geralmente se beneficiam de uma abordagem indutiva, enquanto relações que descrevem objetos infinitos ou processos que continuam indefinidamente são mais adequadas a uma abordagem coindutiva.
No entanto, a verdadeira chave para entender essas definições está em perceber que tanto a indução quanto a coindução são dois lados da mesma moeda. Elas são ferramentas complementares para descrever e razaoar sobre estruturas recursivas e infinitas, sendo que a diferença entre elas muitas vezes se resume à direção do processo: ascendente ou descendente.
Como a Semântica Denotacional Relacional Melhora a Compreensão de Programas e Comandos
A semântica denotacional de programas é uma ferramenta central na teoria das linguagens de programação, sendo crucial para a compreensão do comportamento dos programas em termos de estados e transições. Quando consideramos os programas como funções, as avaliações de expressões e comandos são tratadas de maneira formal, com um conjunto de regras que descrevem como as variáveis e comandos se comportam durante a execução. Contudo, quando lidamos com comandos como loops, condicionais e variáveis com valores não especificados, essa abordagem pode tornar-se complexa, exigindo mais cuidados para modelar casos de não-terminação e não-determinismo.
Na versão funcional da semântica denotacional, a avaliação de termos é acompanhada da aplicação de um predicado de "bem-definição", o que garante que qualquer avaliação imprópria (por exemplo, de uma expressão que envolva um loop infinito ou uma variável indefinida) não resultará em um estado de saída. Isso é particularmente importante para evitar que programas com execução indeterminada gerem resultados imprevisíveis ou errôneos.
Ao considerarmos um comando como a atribuição de uma variável, por exemplo, o comportamento é simples: a variável recebe um valor especificado e seu estado é alterado. Em comandos compostos, como uma sequência de instruções, o estado final depende das transições de estado de cada comando. Contudo, quando introduzimos comandos condicionais ou loops, o comportamento torna-se mais complexo. A execução de um comando condicional depende do valor de uma expressão booleana; se o valor for verdadeiro, o comando subsequente é executado, e se for falso, outro comando é executado. Isso torna o modelo de avaliação mais flexível, permitindo que diferentes resultados possam ser alcançados dependendo dos dados de entrada.
No entanto, um desafio significativo surge quando lidamos com loops. O comando while exemplifica isso de maneira clara: enquanto a condição for verdadeira, o loop continua a executar. Aqui, a semântica funcional enfrenta dificuldades, pois não é possível garantir que o loop sempre terminará, resultando na falta de um estado de saída. Isso faz com que os programas que contêm loops sejam modelados como funções parciais, não totais, porque em alguns casos (quando o loop não termina) não há um estado de saída bem definido.
Para superar essas limitações, propõe-se uma variante relacional da semântica denotacional, que modifica a forma como os programas e comandos são representados. Ao invés de tratá-los como funções que mapeiam um estado inicial para um estado final, a semântica relacional os modela como relações binárias entre sequências de valores ou estados. Isso permite uma maior flexibilidade, já que para qualquer entrada pode haver múltiplos resultados possíveis. Assim, um programa pode ter vários estados de saída, refletindo a possibilidade de não-determinação, ou até mesmo não-terminação. Por exemplo, em linguagens de programação que deixam variáveis locais sem valores iniciais definidos, a semântica precisa considerar todas as possíveis combinações de valores dessas variáveis.
No caso de um comando if, por exemplo, a semântica relacional permite que se considere que a execução pode seguir um caminho ou outro, dependendo da condição. Isso é mais flexível do que a semântica funcional, onde o comportamento do comando é mais rígido e depende diretamente do valor da expressão booleana. Da mesma forma, no comando while, a semântica relacional permite modelar a execução do loop de maneira mais robusta, tratando tanto as possibilidades de não-terminação quanto de múltiplos resultados.
Na versão relacional, o estado final de execução de um programa é determinado por uma relação entre o estado inicial e o estado final, levando em conta a possibilidade de múltiplos estados de saída. Essa abordagem é particularmente útil para programas não determinísticos ou aqueles que envolvem escolhas indeterminadas, como a inicialização de variáveis ou a interação com ambientes externos. A semântica relacional também proporciona uma maneira mais eficaz de lidar com programas que podem não terminar, sem a necessidade de recorrer à complexa formalização das funções parciais.
É fundamental compreender que, ao adotarmos a semântica relacional, estamos expandindo as possibilidades de modelagem, não mais restringindo os programas a terem uma única saída. Isso permite uma representação mais precisa de linguagens de programação que oferecem escolhas múltiplas durante a execução, um comportamento que é comum em linguagens de alto nível como JavaScript, Python e outras.
A introdução da semântica relacional não apenas facilita a modelagem de programas com comportamentos não-determinísticos e não-termináveis, mas também proporciona uma representação mais intuitiva e direta de muitos aspectos da execução de programas. Além disso, ela é mais adequada para representar a execução de programas em linguagens que permitem a interação com o ambiente de execução de maneiras mais flexíveis e indeterminadas.
A compreensão de como os programas podem gerar diferentes resultados dependendo dos seus estados iniciais e das variáveis não inicializadas é um passo importante para aprimorar a capacidade de análise de programas complexos. Além disso, a modelagem relacional oferece uma flexibilidade crucial para trabalhar com sistemas de programação que não exigem determinismo estrito em sua execução, o que é uma característica importante em muitos paradigmas de programação modernos, incluindo programação funcional, orientada a eventos e concorrente.

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