A intubação endotraqueal, muitas vezes realizada em situações de trauma, seja ele penetrante ou resultante de lesões locais associadas a intubações prolongadas, pode estar intimamente relacionada ao desenvolvimento da paralisia bilateral das cordas vocais (BLVCP). Esse quadro clínico, frequentemente observado em áreas de paralisia glótica posterior, pode surgir devido a lesões que afetam o nervo vago ou seu ramo distal, o nervo laríngeo recorrente (RLN). A lesão bilateral dos músculos laríngeos resulta na imobilidade das cordas vocais, comprometendo tanto a produção da voz quanto a proteção das vias aéreas. A avaliação desse tipo de lesão exige uma combinação de exames clínicos, como a EMG (eletromiografia) e/ou visualização direta, bem como a palpação para obter o diagnóstico preciso.

A paralisia bilateral das cordas vocais é um diagnóstico amplo, que pode englobar uma série de causas, sendo as mais comuns as lesões iatrogênicas decorrentes de procedimentos cirúrgicos, como a tireoidectomia, além de causas malignas, intubação endotraqueal prolongada, doenças neurológicas, entre outras. Estudos apontam que a lesão cirúrgica é responsável por aproximadamente 44% dos casos, enquanto os tumores representam 17%, a intubação endotraqueal está envolvida em 15%, e as causas neurológicas e idiopáticas correspondem a 12% cada uma.

O diagnóstico diferencial inclui a chamada "movimentação paradoxal das cordas vocais", que pode imitar a paralisia verdadeira. Nesse caso, ao invés de as cordas vocais se abduzirem durante a inspiração, elas se aproximam, o que pode gerar dificuldades respiratórias semelhantes às observadas na paralisia bilateral. A movimentação paradoxal pode ser induzida por uma variedade de fatores, como refluxo gastroesofágico, estresse ou ansiedade, além de causas orgânicas e não-orgânicas.

Em pacientes com paralisia bilateral das cordas vocais, os sintomas mais comuns incluem rouquidão, cansaço vocal, dificuldade respiratória e dificuldades para engolir, frequentemente associadas à sensação de desconforto ao vocalizar. A avaliação completa do paciente deve incluir uma investigação detalhada da história clínica, especialmente se houve cirurgias recentes na região cervical ou torácica, além de qualquer sintoma neurológico sugestivo, como fraqueza ou dormência, que possam indicar uma causa neurológica subjacente.

Durante o exame físico, é fundamental a realização de uma inspeção cuidadosa da laringe, com o uso da laringoscopia de fibra ótica, para avaliar a posição das cordas vocais e verificar a presença de lesões ou assimetrias. Pacientes com paralisia bilateral das cordas vocais podem apresentar tensão muscular excessiva na estrutura laríngea devido à tentativa de compensar a inabilidade das cordas vocais em realizar o movimento de abdução e adução adequados.

É importante observar que, embora os sintomas de comprometimento da via aérea, como dispneia e estridor, sejam comuns em casos de paralisia bilateral, a qualidade vocal, ao contrário do que ocorre na paralisia unilateral, tende a ser menos afetada, já que as cordas vocais paralisadas geralmente assumem uma posição natural durante a fonação. No entanto, essa condição pode evoluir para quadros mais graves de insuficiência respiratória e dificuldades significativas de deglutição, principalmente em casos com envolvimento do nervo laríngeo superior (SLN), que pode comprometer a sensibilidade faringe.

A avaliação de um paciente com paralisia bilateral das cordas vocais deve ser minuciosa, considerando não apenas os aspectos anatômicos, mas também os fatores funcionais e emocionais que possam afetar a decisão terapêutica. Isso inclui avaliar as necessidades vocais do paciente em contextos profissionais e sociais, já que alguns indivíduos, como cantores ou professores, podem optar por tratamentos temporários para melhorar sua função vocal e acelerar o retorno às suas atividades diárias. A investigação sobre qualquer doença sistêmica ou autoimune também é crucial, pois doenças como a esclerose múltipla, a síndrome de Guillain-Barré ou condições reumáticas podem estar na origem do quadro de paralisia vocal.

Por fim, no diagnóstico e manejo da paralisia bilateral das cordas vocais, a tomografia computadorizada (CT) ou a ressonância magnética (RM) com contraste são ferramentas essenciais para descartar a presença de neoplasias extra-laringeas. Além disso, a eletromiografia laríngea (LEMG) é fundamental para avaliar a integridade neural da laringe e fornecer informações sobre o prognóstico de recuperação da função vocal, orientando assim a escolha do tratamento mais adequado.

Qual é a Anatomia dos Constritores da Faringe e Seus Desafios Funcionais?

A faringe é uma estrutura complexa que desempenha papel crucial na deglutição e na respiração, sendo composta por uma série de músculos estriados que se organizam em três constritores principais: o superior, o médio e o inferior. Cada um desses músculos possui funções específicas que permitem o movimento eficiente do alimento da cavidade oral até o esôfago. A coordenação entre essas estruturas musculares é essencial para o bom funcionamento do trato digestivo superior e do sistema respiratório.

O constritor superior da faringe, localizado logo abaixo da epiglote e nas proximidades do limite com os dentes molares, é o primeiro músculo que colabora para o movimento de deglutição. Ele se insere na linha média do raphe faringeo e envolve as superfícies internas da cartilagem tireoide. Suas fibras se estendem para a base da língua, formando uma barreira que ajuda a separar a orofaringe da nasofaringe. Importante notar que os músculos constritores possuem fibras que se encontram no meio da faringe e que permitem a união entre as partes musculares de cada segmento.

O músculo constritor médio, por sua vez, é responsável por apertar a faringe no processo de deglutição. Ele origina-se da parte inferior do ligamento estilohioide e se estende para a borda posterior do osso hióide. Esse músculo tem uma disposição de fibras que, ao se contraírem, geram um movimento que facilita o transporte do bolo alimentar. A importância desse músculo não pode ser subestimada, pois a sua função é essencial para a continuidade do processo de deglutição, evitando a retenção de alimentos na faringe.

O constritor inferior da faringe é o mais espesso e complexo dos três. Ele é dividido em duas partes: o musculus thyropharyngeus e o musculus cricopharyngeus. O primeiro, que se origina da lâmina da cartilagem tireoide, tem uma função importante na deglutição ao empurrar os alimentos para baixo, enquanto o segundo age como um esfíncter, prevenindo a entrada de ar no esôfago. Este esfíncter é especialmente relevante, pois se mantém fechado durante a inspiração e só se abre durante o ato de deglutição. Um mal funcionamento do cricopharyngeus pode resultar em dificuldades para engolir, sendo um ponto crucial para a saúde do paciente.

O palato mole, embora não faça parte diretamente dos constritores, desempenha um papel importante ao interagir com os músculos da faringe. Este músculo, composto por aponeuroses e tecido mucoso, possui uma função dinâmica que permite a elevação e abaixamento do palato durante a deglutição, fechando a nasofaringe e evitando a aspiração de alimentos nas vias respiratórias. A interação entre o palato mole e os músculos constritores é fundamental para a eficácia do processo de deglutição, garantindo a separação adequada entre a cavidade nasal e a orofaríngea.

No que diz respeito à inervação, a faringe recebe um suprimento nervoso intrincado. O plexo faríngeo, composto por ramos do nervo vago e glossofaríngeo, bem como o tronco simpático cervical, fornece a motricidade necessária para a deglutição. Além disso, as vias sensoriais variam de acordo com a região da faringe, com o nervo maxilar sendo responsável pela sensibilidade da nasofaringe, enquanto o nervo glossofaríngeo se encarrega da orofaringe. O conhecimento preciso de como esses nervos se distribuem é essencial para entender os transtornos relacionados à deglutição e ao movimento das estruturas faringeas.

Outro aspecto importante a ser destacado é a existência de uma área de fraqueza na parede posterior da faringe, conhecida como deiscência de Killian, que pode ser uma localização comum para hérnias faringeas. Essa área, situada entre o constritor inferior e o constritor médio, torna-se vulnerável a distúrbios. A hérnia faringeana nessa região pode causar dor, dificuldade para engolir e até complicações respiratórias.

Por fim, a irrigação sanguínea da faringe é fornecida por diversas artérias, incluindo a artéria faríngea ascendente, a artéria lingual, a artéria tonsilar, além das artérias palatinas e laringeas superior e inferior. A drenagem venosa é feita pelo plexo venoso faríngeo, que se conecta ao plexo pterigoide e à veia jugular interna. Essa rede vascular fornece o suporte necessário para o bom funcionamento das estruturas musculares e nervosas da faringe.

Em suma, a faringe é uma região do corpo humano cuja anatomia precisa e interdependente garante a execução correta de funções vitais como a deglutição e a respiração. As interações complexas entre os músculos constritores, o palato mole, as vias nervosas e a irrigação sanguínea formam uma rede funcional que deve ser compreendida em sua totalidade para diagnósticos precisos e tratamentos eficazes, particularmente quando há disfunções ou patologias na faringe.

Reflux laríngeo-faríngeo: como reconhecê-lo e por que ele é frequentemente negligenciado?

O refluxo laríngeo-faríngeo (LPR), também chamado de refluxo das vias aéreas, é uma condição que frequentemente se manifesta com sintomas atípicos e por isso é subdiagnosticada ou confundida com outras doenças respiratórias ou otorrinolaringológicas. Diferente da doença do refluxo gastroesofágico clássica (DRGE), o LPR não se limita à sensação de queimação retroesternal ou regurgitação. Em muitos casos, o paciente sequer apresenta azia.

A fisiopatologia do LPR envolve a ascensão de conteúdo gástrico até a faringe e a laringe. Nessa região, a mucosa é significativamente menos resistente ao ácido gástrico, às enzimas proteolíticas, como a pepsina, e aos sais biliares. A pepsina, ativada em pH ácido abaixo de 4, pode permanecer ativa até pH 6,5 e somente é inativada de forma irreversível acima de pH 8. Mesmo inativa, a pepsina pode permanecer aderida à mucosa laríngea e ser reativada por novos episódios de refluxo ou pela ingestão de alimentos ácidos, como frutas cítricas, vinagre ou bebidas gaseificadas. Essa reativação leva à autodigestão celular, perpetuando a inflamação.

O esfíncter esofágico superior, especialmente ao nível do músculo cricofaríngeo, pode apresentar aumento de tônus, dificultando o relaxamento completo durante a deglutição. Isso resulta em sintomas como sensação de “globo” na garganta ou dificuldade intermitente para engolir saliva e líquidos. Esses sintomas são muitas vezes erroneamente atribuídos a ansiedade, alergias ou simples infecções respiratórias.

Os pacientes com LPR frequentemente relatam pigarro crônico, sensação de muco espesso na garganta, tosse persistente (inclusive síncope por tosse), engasgos, rouquidão e sensação de corpo estranho móvel na orofaringe. Tais manifestações podem ser exacerbadas por atividades como falar por longos períodos, cantar, praticar exercícios físicos, deitar-se ou inclinar-se após refeições volumosas, ou tocar instrumentos de sopro. O consumo de álcool e tabaco, ao reduzir o tônus do esfíncter inferior do esôfago e retardar o esvaziamento gástrico, aumenta a suscetibilidade ao refluxo.

A mucosa do nariz e da nasofaringe pode reagir com produção excessiva de muco espesso, descrito como gotejamento pós-nasal persistente. Edema da mucosa nasal e obstrução nasal são achados frequentes, mas geralmente não associados a alergias específicas. Espirros podem estar presentes, mas sem ligação clara com alérgenos.

Na orofaringe, a hipersensibilidade leva à percepção de sabores desagradáveis, coceira na garganta e dor leve e difusa. O paciente pode descrever sensações como um fio de cabelo sobre as amígdalas ou um corpo estranho que se movimenta. Já na laringe, os achados são mais evidentes: edema interaritenoide, hipertrofia da comissura posterior, pseudosulco das pregas vocais, hipertrofia das tonsilas linguais e presença de muco espesso intralaríngeo. Em casos raros, granulomas piogênicos bilaterais ou unilaterais podem formar-se sobre o processo vocal das aritenoides, provocando tosse crônica e, se volumosos, estridor inspiratório.

A cronicidade dos sintomas e sua sobreposição com quadros como asma de início tardio, rinossinusites crônicas, disfunções da tuba auditiva, DPOC, laringites recorrentes e faringites persistentes confundem o diagnóstico. A associação entre LPR e infecções virais, abuso vocal, alergias, exposição a fumaça ou perfumes fortes é frequente, mas muitas vezes não reconhecida.

O diagnóstico do LPR é predominantemente clínico. Ferramentas como o Reflux Symptom Index (RSI), preenchido pelo próprio paciente, e o Reflux Finding Score (RFS), baseado em achados endoscópicos, são úteis no acompanhamento. Nos casos em que há suspeita clínica mas incerteza diagnóstica, pode-se realizar pHmetria de 24 horas com dois canais posicionados acima e abaixo do esfíncter esofágico superior, com ou sem impedância intraluminal multicanal. Essas investigações detectam tanto episódios ácidos quanto fracamente ácidos e não ácidos. Entretanto, são exames invasivos e de difícil acesso.

Métodos menos invasivos vêm ganhando espaço, como a monitorização do pH das vias aéreas superiores por meio de sondas minimamente invasivas, e a detecção de pepsina em secreções faríngeas (Peptest), que indica alta probabilidade de LPR. Em pacientes com LPR associado à tosse e infecção por Helicobacter pylori, a erradicação da bactéria demonstrou melhora clínica significativa.

O tratamento baseia-se em três pilares: modificação do estilo de vida, tratamento medicamentoso e, em casos refratários, abordagem cirúrgica. Mudanças dietéticas incluem evitar alimentos ácidos, bebidas gaseificadas, álcool, café, chocolate, alimentos gordurosos e refeições volumosa