Os xamãs desempenham um papel central nas crenças espirituais de muitos povos indígenas, principalmente no que diz respeito à cura de doenças e à comunicação com o mundo sobrenatural. A obtenção de espíritos para cumprir essas funções pode ocorrer de diversas maneiras, seja por herança familiar ou até pela compra de espíritos. Mas os espíritos não se limitam apenas àqueles que ajudam na cura. No caso dos esquimós, por exemplo, há uma forte crença nos espíritos que regem a natureza, com destaque para o mestre do mar, um grande espírito que é, entre os esquimós canadenses, representado por uma deusa do mar, Sedna, que reside no fundo do oceano e envia as presas do mar como um sinal de graça para os seres humanos.

O xamanismo e o culto à caça entre os esquimós são indissociáveis, refletindo uma visão de mundo povoada por inúmeros espíritos. Mas o animismo, que caracteriza a crença de que o mundo natural está cheio de espíritos, não é o único sistema religioso praticado por essas comunidades. Existe também a crença em um poder impessoal, uma força sobrenatural que comanda a natureza e determina o sucesso da vida humana, o animatismo. Os esquimós, por exemplo, acreditam que a alma de um ancestral se transfere para o corpo de um descendente após a morte, geralmente de um neto, e o xamã é quem determina qual alma ancestral habita o corpo da criança. Este conceito não apenas altera a percepção da morte, mas influencia diretamente a maneira como os esquimós interagem com seus filhos, pois os veem como portadores das almas de seus antepassados, que merecem honra e respeito, independentemente do comportamento da criança.

Embora essa crença na alma ancestral possa parecer central, o conceito de morte e o modo como ela é tratada entre os esquimós não é de medo do pós-vida, mas do sofrimento no presente. Eles temem mais as calamidades que afligem a vida cotidiana, como o mau tempo, a escassez de comida, as doenças e o próprio sofrimento físico do que a morte em si. Para os esquimós, o mundo espiritual está profundamente entrelaçado com o cotidiano. A religião não é uma preocupação exclusiva com o além, mas uma força que atua diretamente sobre o dia-a-dia, com rituais e tabus que moldam as ações cotidianas.

Essa conexão com o sobrenatural é algo comum entre diversas culturas indígenas da América do Norte, mas o sistema religioso dos californianos se destaca em sua simplicidade e primitividade. Os californianos praticavam uma forma inicial de xamanismo, onde o principal papel do xamã era a cura. Para eles, a doença era causada por objetos materiais que entravam no corpo, algo que eles chamavam de "dor". O tratamento era feito pelo xamã, que sugava essa dor do corpo do paciente. Esse sistema rudimentar de cura ainda não envolvia uma concepção clara de espíritos guardiões ou uma visão animística mais avançada, como em outras culturas xamânicas.

Além disso, os californianos possuíam rituais de iniciação que envolviam experiências espirituais profundas. Um exemplo disso é o culto Kuksu, em que os participantes, homens que haviam sido iniciados na juventude, realizavam cerimônias de máscaras em grandes abrigos circulares, especialmente durante o inverno. Esse culto representava uma forma primitiva de sociedade masculina e de transmissão de conhecimento e poder. Em outra região, na Califórnia do Sul, existiam rituais baseados no consumo de uma bebida feita com uma erva local, que induzia uma visão espiritual importante para os iniciados. Após a experiência, o indivíduo passava por um rigoroso jejum de trinta dias, como parte de um processo de purificação e crescimento espiritual.

As mitologias dos californianos eram relativamente simples e envolviam personagens mitológicos que representavam os criadores do mundo ou heróis culturais. Esses mitos, embora não tão elaborados quanto os de outras culturas indígenas, desempenhavam um papel importante na formação da identidade espiritual e cultural dos povos californianos.

As práticas funerárias entre os californianos variavam entre a cremação e o enterro no solo, refletindo a diversidade de seus rituais e crenças em relação à morte e à continuidade da vida após a morte. Esses rituais funerários, como em muitas culturas indígenas, são um reflexo de uma visão de mundo onde a morte é parte de um ciclo natural e não necessariamente algo que precisa ser temido ou evitado, mas entendido e respeitado.

Em contraste com os californianos, muitos povos indígenas das regiões mais orientais da América do Norte haviam atingido um nível cultural mais elevado antes da colonização. A combinação de agricultura e caça, a vida sedentária e a cerâmica estavam presentes em muitas dessas tribos, que, além disso, tinham uma organização social baseada principalmente na matrilinearidade, com as linhagens sendo transmitidas pelas mulheres. Esse modelo social influenciava diretamente as práticas religiosas, nas quais os sacerdotes eram escolhidos a partir de grupos familiares e representavam uma espécie de liderança tribal.

Porém, com a chegada da colonização, muitas dessas culturas sofreram perdas devastadoras, e com o tempo, grande parte das tradições e crenças espirituais dos povos indígenas foram esquecidas ou modificadas. A chegada de novas religiões e a imposição de uma nova ordem social e política trouxeram mudanças significativas, resultando na desestruturação de muitas das antigas formas de vida. Contudo, ainda hoje, entre os mais velhos de algumas tribos, há lembranças dessas tradições espirituais e um esforço contínuo para preservar e resgatar os conhecimentos ancestrais.

Como as religiões das sociedades de classe moldaram o poder e a opressão espiritual?

A religião, nas sociedades de classe, transformou-se em instrumento ideológico e político, afastando-se cada vez mais das raízes populares que a originaram em tempos de comunidades tribais. Com o surgimento e o fortalecimento dos Estados, o poder religioso passou a concentrar-se nas mãos de uma casta sacerdotal, desvinculada da produção material e da vida cotidiana. Essa elite espiritual, protegida e sustentada pelas classes dominantes, dedicava-se a atividades contemplativas e à formulação de sistemas teológico-mitológicos complexos, que não refletiam apenas elaborações livres do pensamento, mas sobretudo os interesses das camadas superiores da sociedade.

As religiões dessas sociedades não apenas espelhavam, mas também legitimavam as estruturas políticas e sociais. Os sacerdotes, muitas vezes, não hesitavam em manipular deliberadamente a fé popular, transformando o culto em instrumento de dominação. Esses sistemas religiosos elaborados surgiam não da espontaneidade coletiva, mas da necessidade de consolidar o poder estatal, conferindo-lhe uma aura de sacralidade. Os rituais e doutrinas isolavam-se da vida prática, transformando-se em abstrações metafísicas que distanciavam ainda mais os fiéis da compreensão de sua realidade material.

Ao contrário das religiões tradicionais, que são estudadas com base em restos arqueológicos e tradições orais, as religiões das sociedades de classe são documentadas em fontes escritas: escrituras sagradas, textos filosófico-religiosos, crônicas sacerdotais. Esses registros permitem reconstruir a história espiritual de civilizações inteiras, revelando as transformações do pensamento religioso ao longo de milênios. As religiões nacionais que surgiram nesses contextos – como as da Mesoamérica, da Ásia, do Oriente Antigo e do mundo greco-romano – mantêm até hoje vínculos estreitos com os sistemas sociais que as geraram.

Na Mesoamérica pré-colombiana, antes da chegada dos conquistadores europeus, floresceram civilizações urbanas com estruturas estatais desenvolvidas e hierarquias de classe definidas. Culturas como a dos astecas, maias, chibchas e incas ergueram sistemas religiosos que combinavam elementos extremamente arcaicos com cultos estatais altamente organizados, impostos por tribos conquistadoras. Esses sistemas não surgiram por influência de culturas do Velho Mundo, como sugerem alguns estudiosos ocidentais sem base sólida; foram fruto de condições internas que favoreceram o progresso material e social.

A agricultura altamente desenvolvida – baseada em técnicas de irrigação como os terraços andinos no Peru ou as chinampas no México – sustentava uma sociedade estratificada, com divisão do trabalho e especializações artesanais complexas: cerâmica refinada, joalheria em metais não ferrosos, tecelagem avançada. O comércio interno e inter-regional favorecia a coesão social e a consolidação do poder central. Sobre essa base erigiu-se uma ordem sacerdotal autônoma, proprietária de terras, concentrada nos templos e dotada de grande prestígio e saber técnico, sobretudo em calendários, hieróglifos e cronologias.

Na sociedade asteca, os sacerdotes constituíam uma casta altamente disciplinada, separada do povo e da produção, organizados em corporações dedicadas a divindades específicas. Controlavam a educação dos filhos da nobreza e exerciam autoridade ritual, científica e política. Os templos, geralmente construídos em forma de pirâmides escalonadas (teocalli), funcionavam como centros de poder simbólico e material.

O panteão mexicano refletia a complexidade da cosmologia asteca: deuses associados às forças da natureza, às catástrofes e às atividades humanas, com funções específicas e cultos elaborados. Entre eles, três divindades destacavam-se por sua importância e origem distinta. Quetzalcóatl, a Serpente Emplumada, era um herói cultural de traços totêmicos, incorporado da tradição tolteca e adorado como figura civilizadora. Representado como um velho de barba branca, possuía vínculos com cultos serpentinos ainda existentes entre povos do sudoeste norte-americano. Seu principal templo situava-se em Cholula, um dos centros culturais mais antigos do México.

Tezcatlipoca, o Espelho Fumegante, representava o sol destruidor, associado ao calor abrasador e à guerra. Era uma divindade sombria, exigente de sacrifícios sangrentos, e possivelmente tinha origem tribal anterior à hegemonia asteca. Sua função simbólica era o reflexo da ordem social coercitiva, onde a vida humana se tornava moeda de troca para garantir o equilíbrio cósmico e a legitimidade da dominação.

As religiões da Mesoamérica expressavam, em sua dualidade, tanto a herança agrícola e totêmica das comunidades primitivas quanto a teologia repressiva dos estados militares centralizados. Os rituais camponeses de fertilidade conviviam com os cultos sacrificiais das elites guerreiras e dos sacerdotes. Essa fusão de camadas religiosas indicava uma transição histórica: o sagrado deixava de ser comunitário para se tornar estatal, uma ferramenta de opressão ideológica travestida de devoção.

É importante compreender que a elaboração teológica e a organização religiosa não são desvinculadas das relações de produção e das formas de poder político. A espiritualidade institucionalizada das sociedades de classe não foi uma consequência natural da fé humana, mas uma construção histórica orientada pela necessidade de manutenção das desigualdades. Estudar essas religiões é, portanto, estudar também as estruturas de dominação que elas sustentaram. A religião, nesse contexto, torna-se não apenas crença, mas reflexo e instrumento da luta de classes.

A Luta Ideológica e as Origens do Cristianismo: A Imagem de Jesus Cristo

O cristianismo, desde os seus primeiros tempos, foi palco de intensas disputas ideológicas, particularmente em torno da figura de Jesus Cristo e do conceito de salvação. A imagem de Cristo, em suas origens, contrastava de forma marcante com as representações messiânicas e apocalípticas mais antigas, em que o Messias era visto como um soberano ameaçador ou como um cordeiro divino. A questão central no debate teológico cristão sempre foi a origem de Jesus Cristo: como conciliar a sua divindade com sua humanidade? Essa dualidade seria, ao longo dos séculos, a chave para a formação da doutrina cristã.

A ideia de pecado, salvação e redenção era, e ainda é, um dos pilares fundamentais do cristianismo. Jesus Cristo, ao morrer voluntariamente na cruz, teria redimido a humanidade do pecado original, perdoando assim todos os pecados de todas as pessoas, para sempre. Esse sacrifício único e definitivo, em lugar de múltiplos sacrifícios, foi um dos ensinamentos centrais do cristianismo primitivo. Marx e Engels, ao comentarem sobre o cristianismo, afirmaram que a ideia revolucionária da religião cristã era que um único sacrifício, feito por um intermediário, apaziguaria os pecados de todos os tempos e de todas as pessoas.

Essa noção de redenção através do sacrifício de Cristo foi algo radical para a época e se refletiu na eliminação dos sacrifícios religiosos excessivos, comuns em outras religiões antigas. Em vez de múltiplos rituais, o cristão deveria acreditar em Cristo e seguir seus ensinamentos para garantir a salvação. A ideia de um único sacrifício para a salvação eterna se tornou, assim, a base do cristianismo.

No entanto, a forma como a paixão, morte e ressurreição de Cristo foram transmitidas nas escrituras permanece um assunto complexo. As narrativas evangélicas não podem ser interpretadas como um simples reflexo de eventos históricos autênticos, mas sim como uma construção literária ou dramática, elaborada para transmitir uma mensagem espiritual. A história de Cristo, com seus elementos de sofrimento e ressurreição, lembra de perto os mistérios antigos, como os mistérios de Eleusis na Grécia ou os rituais egípcios, nos quais deuses passavam por processos de morte e renascimento. O cristianismo primitivo, ao desenvolver seus próprios mistérios, talvez tenha adotado uma estrutura narrativa similar a essas tradições religiosas mais antigas, transformando-a em um dogma.

Ao longo dos primeiros séculos do cristianismo, essa construção ideológica se intensificou. A igreja primitiva era composta por pregadores itinerantes, sem uma estrutura formalizada. Com o tempo, surgiram líderes carismáticos, indivíduos considerados portadores do Espírito Santo, que viajavam pelas comunidades, pregando e orientando. No entanto, até o início do século II, não havia uma organização oficial da igreja, com a presença de diáconos ou bispos. Foi apenas com o tempo que a estrutura eclesiástica se consolidou, com o surgimento de bispos, diáconos e outros líderes de congregações locais.

Nos primeiros tempos, os bispos tinham um papel central no desenvolvimento da Igreja Cristã, especialmente em termos econômicos e ideológicos. O poder dos bispos aumentou consideravelmente a partir do século II, quando começaram a se tornar especialistas em dogma e culto. As disputas sobre a doutrina cristã estavam, por trás de seu conteúdo, profundamente ligadas aos interesses das diversas classes sociais que se formavam dentro da nova religião. Essas disputas ideológicas criaram uma fragmentação nas comunidades cristãs, com diferentes seitas e interpretações, sendo uma das mais influentes a corrente gnóstica.

O gnosticismo, que surgiu no contexto do helenismo tardio, acreditava que a salvação do ser humano vinha do conhecimento esotérico e místico, e não da simples fé. Os gnósticos consideravam o mundo material como uma criação do deus menor, muitas vezes identificado com o Deus do Antigo Testamento, e viam a única forma de alcançar a salvação através do conhecimento profundo da essência divina e da superação do sofrimento material. Essa visão dualista contrastava com a teologia cristã ortodoxa, que entendia o mundo criado como bom, embora corrompido pelo pecado.

A incorporação de certos elementos gnósticos na doutrina cristã é um dos aspectos mais fascinantes do desenvolvimento ideológico do cristianismo primitivo. Filósofos como Filo de Alexandria, considerado um dos precursores do pensamento cristão, influenciaram profundamente a construção da teologia cristã, incorporando ideias gnósticas sobre o Logos — a palavra ou razão divina — como o princípio de salvação. Com o tempo, o gnosticismo foi marginalizado, sendo considerado heresia por muitos teólogos cristãos, mas o impacto de suas ideias na formação do cristianismo é inegável.

Assim, o cristianismo primitivo foi moldado por uma luta constante, não apenas entre diferentes seitas e ideias sobre a divindade de Cristo, mas também por questões sociais e econômicas. O fortalecimento da Igreja e a definição de sua doutrina ocorreram simultaneamente ao crescimento de sua influência política e social, com os bispos e outros líderes da Igreja ganhando poder e controle sobre as comunidades cristãs e, eventualmente, sobre as estruturas de governo romano. Esse processo de consolidação da Igreja e da doutrina cristã seria fundamental para a sua sobrevivência e expansão nos séculos seguintes.